A parceria com a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo anunciada nesta quarta-feira (23), que facilita o acesso de jornalistas às escolas e educadores da rede por meio da campanha "Fala, Educadora! Fala, Educador!", representa uma grande oportunidade para os profissionais da imprensa. Mas também é um momento de refletir sobre a responsabilidade que os repórteres de todo o país têm na relação com as escolas e, especialmente, com os estudantes.
Por isso a Jeduca decidiu publicar este guia com algumas orientações para que o trabalho dos jornalistas não resulte em prejuízo, principalmente para crianças e adolescentes. Mostramos aqui aspectos legais e éticos ao se lidar com menores de 18 anos, além de algumas considerações sobre a abordagem aos professores.
O guia não se propõe a cobrir todo o espectro de situações com as quais os profissionais vão se deparar nas coberturas, em São Paulo ou em outros locais, até porque essa realidade é muito dinâmica. Mas faz uma revisão de aspectos que devem ser sempre levados em consideração no nosso trabalho, para que a maior liberdade de acesso a escolas contribua, de fato, para o esclarecimento da população e o debate de questões relevantes da educação.
Autorização da família – Na publicação “Estatuto da Criança e do Adolescente, um Guia para Jornalistas”, a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) é bem estrita na orientação de que o repórter se certifique de que os pais ou responsáveis sabem que o filho vai dar uma entrevista. A entidade defende ainda que o jornalista explique à família o que ele propõe com a pauta e de que forma o material será divulgado. Para a Andi, é preciso obter autorização expressa não só para a entrevista e fotografias, mas também para a gravação da conversa.
Ex-secretário de Educação de Franco da Rocha, Grande São Paulo, o consultor legislativo Alexsandro Santos diz que é uma prática usual em escolas públicas recolher dos pais no início do ano uma autorização genérica para uso da imagem dos alunos, o que em tese eliminaria a necessidade de consultar a família antes da entrevista. Santos tem uma visão mais liberal sobre o trabalho da imprensa que a da Andi. Afirma que o estatuto, o ECA, impõe na verdade mais restrições ao uso da imagem de crianças e adolescentes na publicidade do que no jornalismo. “Se a sua intenção é fazer uma pauta sobre educação e você quer saber dos alunos como a escola funciona, se eles gostam dos professores, não precisa de nenhuma autorização especial.”
Reproduzimos a opinião de Santos para mostrar que há uma diversidade de visões sobre o que o ECA permite ou não. A Jeduca, porém, recomenda seguir a orientação da Andi, especialmente no caso de crianças (até 12 anos de idade).
Fotos – Além de recomendar a aprovação dos pais para fotos de entrevistados, o guia da Andi relaciona uma série de situações nas quais o registro de imagens que identifiquem crianças e adolescentes é expressamente proibido. Elas não dizem respeito diretamente à educação, mas em alguns casos a cobertura em escolas pode abordar esses temas. Segundo a publicação, o ECA proíbe fotos de adolescentes autores de ato infracional e dos seus pais, além das de vítimas de exploração no trabalho ou exploração sexual. Também proíbe a divulgação de imagens de menores de 18 anos vítimas de violência e de seus pais.
O ECA, porém, permite que sejam fotografadas adolescentes grávidas, desde que a gestação não seja decorrente de algum ato de violência e que a jovem e os responsáveis autorizem o registro. Em todos os outros casos o guia recomenda algumas alternativas para ilustrar as reportagens, como fotos na contra-luz, imagens feitas a distância, sem possibilidade de identificação dos personagens, ou a reprodução de desenhos da criança.
Não coloque crianças e adolescentes em risco – A Andi recomenda no guia que imagens ou relatos que tenham potencial de colocar em risco a integridade de crianças e adolescentes não devem ser publicados, mesmo que as identidades dos menores de 18 anos sejam omitidas. O mesmo se aplica se houver risco não diretamente para o entrevistado, mas para sua família ou outras pessoas próximas.
Constrangimento – De acordo com o ECA, as crianças e adolescentes têm direito à privacidade e à proteção de situações que deem margem a ofensas e represálias. Por isso, o jornalista deve evitar ao máximo colocar os entrevistados em circunstâncias capazes de causar algum tipo de constrangimento. “Por exemplo, quando você pergunta ao adolescente se ele usa substâncias proibidas ou fuma. Isso pode provocar dano à imagem dele”, diz Santos. “Você vai ter de ocultar a identidade do entrevistado na matéria ou precisará da autorização da família.”
O guia da EWA (Education Writers Association) “Entrevistando Crianças”, traduzido pela Jeduca, faz uma ressalva: mesmo que haja autorização da família, o jornalista deve pesar os danos que a publicação da reportagem pode causar para o entrevistado. Se achar que há risco, o repórter deve omitir o nome da criança ou adolescente ou simplesmente derrubar a pauta.
Iniciais ou nomes fictícios? – A Jeduca recomenda que, quando decidir preservar a identidade de um menor de 18 anos, o jornalista recorra a um nome fictício. Embora a Justiça aceite que se publique as iniciais do entrevistado, o entendimento da associação é o de que isso ainda permite identificar a criança ou adolescente, especialmente em comunidades onde todos se conhecem, como escolas.
Identidade dos pais – No guia, a Andi levanta um ponto que é costumeiramente ignorado na cobertura jornalística, o de avaliar quando se deve ou não identificar os pais de estudantes. A publicação trata de um caso específico, o de pais ou responsáveis que exploram a mão-de-obra dos filhos, e argumenta que identificá-los permite saber quem são as crianças, incorrendo em um tipo de exposição terminantemente proibida pelo ECA.
Essa cautela vale para várias outras situações. De nada adianta usar um nome fictício para preservar um estudante que agrediu colegas, por exemplo, se a reportagem identificar os pais; da mesma forma, dar o nome completo de uma mãe acusada de maus-tratos e de proibir o filho de frequentar a escola vai permitir que o menino seja identificado.
Não estigmatize a criança – A Andi orienta que o jornalista evite estigmatizar a criança e o adolescente, usando descrições que os exponham a represálias no futuro – sejam elas danos físicos ou psicológicos, como a rejeição por parte dos colegas.
Presidente da ONG Todos pela Educação, Priscila Cruz compartilha dessa preocupação. “Dependendo da pauta, o conteúdo pode se espalhar rapidamente pelas redes sociais. E aí existe o risco de um estudante ficar caracterizado como ‘o menino que não aprende’, por exemplo. Ele vira o motivo de chacota da turma, fica rotulado para sempre, pode desembocar em casos de bullying”, diz. “Além disso, todo cuidado é pouco quando falamos de crianças e jovens. É preciso evitar rótulos e frases ‘sem saída’, como ‘se não aprendeu até agora não vai aprender nunca mais’. De que adianta a reportagem ficar ótima se esse tipo de visão é incorporado na vida do estudante?”
Só dá entrevista quem quer – Crianças, especialmente, podem ficar bastante inibidas ao serem abordadas por jornalistas. A EWA enfatiza no seu guia a necessidade de o repórter deixar claro para os estudantes que eles podem recusar a entrevista ou que a conversa pode ser interrompida a qualquer momento. A publicação sugere que o jornalista explique a alunos mais velhos o que são declarações em off, que não serão atribuídas diretamente a eles. Para os menores, a EWA propõe que o repórter os deixe à vontade para pular perguntas que não se sintam à vontade para responder.
Nem sempre, porém, a hesitação em dar entrevistas vem da falta de traquejo no trato da imprensa. “Existe no ambiente escolar uma cultura muito forte de dizer para as crianças não falarem sobre a escola quando estão fora dela. Você pode encontrar crianças com medo de falar com jornalistas, famílias receosas de que os filhos sofram alguma retaliação”, diz Alexsandro Santos, com a experiência de quem já comandou uma rede municipal. “Você pode ter aí uma restrição que fica mais no campo ético do que propriamente no campo jurídico. Porque o modelo não é de censura prévia, o jornalista não tem como antever a reação da escola à entrevista. Mas por uma questão ética ele deve, sim, se preocupar com o que vai acontecer depois que publicar a matéria.” É um caso clássico de, se decidir que a reportagem é de fato relevante, o jornalista omitir o nome do entrevistado.
Seja tolerante – A EWA recomenda que os repórteres sejam mais tolerantes com as crianças do que seriam com entrevistados adultos. Assim, elas devem ter a liberdade de determinar, depois da entrevista, o que deve ou não entrar na matéria, alterando ou excluindo declarações mais polêmicas. O jornalista deve até mesmo admitir a possibilidade de mostrar a reportagem para o entrevistado antes da publicação. Se não fizer isso, precisa garantir que a criança ou adolescente saiba exatamente como será retratado na reportagem.
Verifique as informações – Essa é uma preocupação tanto da Andi quanto da EWA: a de que o jornalista faça uma checagem cuidadosa das informações fornecidas pela criança ou adolescente. A Andi pede que o jornalista tenha uma atenção especial para que o trabalho de confirmação dos dados não represente nenhum tipo de risco para o entrevistado.
Ato infracional ou nada? – Xingar a professora, agredi-la fisicamente, tirar a roupa ou se masturbar na escola. É possível que um repórter de educação tenha de cobrir histórias de transgressões ou mesmo delitos no ambiente escolar. Mas poucos sabem o que o ECA diz sobre casos assim.
“A gente tem a falsa leitura de que todos os crimes ou delitos do mundo adulto também se aplicam quando são cometidos por adolescentes. Não é assim. Um adulto ficar nu em um espaço público é um delito. No caso do adolescente não é delito nem ato infracional. Não é nada. É, digamos, um ‘equívoco’, que exige orientação. Está ainda no campo da aprendizagem de regras de convivência”, diz Santos. “Agora, se o garoto de 17 anos, além de ficar nu, comete algum tipo de abordagem ao corpo de outro adolescente, algo que a gente poderia chamar de abuso sexual, aí ele está cometendo um ato infracional.” O mesmo vale para o caso hipotético de um menino flagrado se masturbando na escola. “Um juiz mais conservador pode até considerar que ele cometeu um ato infracional, mas não é a interpretação mais correta da lei.”
Santos conta que uma das várias polêmicas que cercam o ECA envolve a pressão de alguns educadores e gestores para que os adolescentes sejam enquadrados na legislação por desacato ao servidor público. “Digamos que o aluno xingou a professora. Ainda que esse xingamento atente contra a honra da professora, a maior parte dos juízes vai orientar o adolescente, dizer que ele não pode fazer isso, mas não tipificar a atitude como ato infracional. Agora, se esse mesmo adolescente der um soco na professora, isso é ato infracional. No mundo adulto as duas condutas são consideradas um desvio da lei, tanto atentar contra a honra de alguém quanto agredir, mas para os adolescentes é diferente. Isso ocorre porque a nossa legislação o considera como alguém ainda não completamente formado.”
Não estamos falando de menores – Ainda na intersecção entre o que diz o ECA e a cobertura de educação, vale mencionar a questão da nomenclatura. A imprensa ainda hoje usa termos considerados inadequados por especialistas que trabalham com crianças e adolescentes.
A cientista social Marília Rovaron, integrante de um grupo do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) que desenvolve projetos de arte e educação na Fundação Casa, cita como exemplo a designação “menor”. “Embora ainda seja empregado no Direito, esse é um termo que não se usa mais, remete ao Código de Menores de 1979. Com o ECA a gente passa a tratar essas pessoas como crianças e adolescentes. Menor é muito pejorativo e vem carregado de uma simbologia. O menor era objeto de direito, não sujeito. Era aquele que não tinha direito nenhum e o governo estava ali para fazer uso dele da forma que achasse conveniente. Com o ECA, essas crianças e adolescentes passam a ser sujeito de direitos e a ter voz, isso significa muita coisa”, diz. Ela explica, porém, que a expressão “menor de idade” pode ser usada. “Os conceitos de maioridade e menoridade continuam existindo.”
Também é equivocado utilizar a expressão menor infrator, que Marília considera “duplamente errada”. “É errada porque combina menor e infrator. Quando você fala em infrator, está considerando como realidade algo que é circunstancial. É como chamar de escravo alguém submetido a trabalho forçado. Ele não nasceu escravo nem permanecerá assim, foi uma circunstância de vida.” O correto, segundo ela, é empregar a designação “adolescente autor de ato infracional”, embora algumas pessoas admitam “adolescente em conflito com a lei”.
Outras confusões frequentes na mídia são dizer que um jovem cometeu crime e recebeu uma pena por ele. “Crime pelo Direito Penal é para adultos, os adolescentes cometem ato infracional. Na mídia também sai que eles receberam pena e, no caso deles, é medida socioeducativa. Mas está correto dizer que ele recebeu uma sentença, porque existe no fim das contas uma audiência na Vara de Infância”, diz Marília. Na relação de usos inapropriados estão ainda dizer que o adolescente foi preso (o correto é apreendido ou detido) e o emprego indiscriminado do termo criança. “Criança é só até os 12 anos.”
ECA, Estatuto da Juventude e ocupações – Embora muitas pessoas não saibam, o ECA, sancionado em 13 de julho de 1990, não é o único marco legal na proteção de menores de idade no país. Ele foi de certa forma complementado pelo Estatuto da Juventude, cuja sanção ocorreu em 5 de agosto de 2013, que se refere à faixa etária dos 15 aos 18 anos. Mas existe uma certa tensão entre as duas legislações.
“O espírito que produziu o ECA foi um espírito de proteção. É uma lei que olha para a criança e o adolescente como sujeito de direitos que precisa ser cuidado. Mesmo que, em algumas situações, ao proteger e cuidar eu tutele a identidade desse jovem”, diz Alexsandro Santos. “A obrigatoriedade de estudar é uma questão delicada nesse aspecto. Numa situação limite, se um menino de 10 anos decidir que não quer ir para a escola, nosso marco jurídico não permite isso. Dei um exemplo negativo para dizer que nem sempre a proteção de direitos coloca a criança e o adolescente na condição de protagonistas.”
O espírito do EJ é diferente. “Ele quer combater três ideias bastante comuns sobre a juventude no Brasil. Tem um grupo da nossa população que acha que a juventude é um tempo de rebeldia e os jovens são perigosos, exageradamente apaixonados, causam confusão. Esse tipo de concepção acaba nos empurrando para prendê-los em casa, prendê-los na escola, ocupar o tempo deles para que não façam arruaça. O EJ quer quebrar essa ideia, reconhecer as culturas da juventude, que podem ser mais barulhentas, de contestação”, diz Santos.
A segunda noção que o EJ combate é a de que os jovens são incapazes de decidir as coisas que desejam. Um exemplo clássico é o da orientação sexual e da identidade de gênero. “Na conduta da proteção do ECA eu poderia chegar ao limite de dizer que, apesar de reconhecer que meu filho de 13 anos parece ter uma orientação homossexual, vou protegê-lo do preconceito, vou protegê-lo daquilo que vai fazê-lo sofrer, então não vou deixar que ele se assuma. No EJ isso não é possível. Esse tipo de decisão que está no campo da personalidade, da subjetividade, o EJ entrega na mão do jovem”, diz Santos.
A terceira linha do EJ é questionar a visão de que os jovens vão salvar o país, que coloca a juventude como redentora da sociedade adulta, capaz de enfrentar os problemas sociais na mão e encontrar soluções que o mundo adulto ainda não encontrou. “Os jovens estão no mundo da gente, nós produzimos os problemas”, diz Santos. “O interessante é que o EJ combate essas três concepções de juventude e a imprensa em geral não faz isso, fica na primeira ou na última pauta, representando os jovens como um problema a ser resolvido, provocadores de conflito, ou como quem vai salvar o mundo dos desajustes que a gente fabricou. Dos dois jeitos é uma caricatura de juventude.”
Os dois extremos descritos por Santos estão presentes na cobertura das recentes ocupações de escolas, um desafio para o trabalho dos jornalistas. Para uma parte da sociedade, os estudantes envolvidos no movimento são arruaceiros, para outro são heróis que vão transformar o país.
“Nas ocupações agora há um grande debate, porque você tem uma mídia alternativa, mais à esquerda, fazendo cobertura nas escolas e há uma parcela do Poder Judiciário para a qual, ao identificar os meninos e meninas das ocupações, os jornalistas estão provocando riscos futuros à imagem desses jovens. Embora os garotos queiram falar com a imprensa, queiram que o seu movimento seja noticiado, uma parte dos nossos juízes e promotores entende que a imprensa está atentando contra a imagem desses adolescentes, porque no futuro eles poderão ser identificados e se arrependerem de ter participado de movimentos desse tipo”, diz Santos. “É uma interpretação bastante paternalista, porque avalia que o adolescente que está no movimento não tem senso crítico para dialogar com o jornalista. Mas existe um dilema de fato.”
Santos vê uma oposição entre o ECA e o EJ também nessa questão das ocupações, que é basicamente uma oposição entre proteção de direitos e liberdade de expressão. “No caso de um menino de 15 anos, você tem de um lado o Estatuto da Juventude, permitindo, autorizando, estimulando que ele fale com a imprensa e o ECA do outro lado – porque ele ainda é adolescente –, preservando o direito de imagem dele. Como é que o jornalista interpreta essa situação?”, diz.
O consultor legislativo propõe duas possíveis saídas, embora admita que ambas têm suas fragilidades. A primeira possibilidade é a de sempre ouvir os participantes das ocupações coletivamente, sem atribuir a nenhum jovem específico a pauta de reivindicações. Santos reconhece, porém, que em muitos casos os coletivos das escolas indicam um único porta-voz para falar com a imprensa.
A outra sugestão é a de tentar conversar com o estudante com a mediação de um adulto da confiança dele. “Não será alguém da família, provavelmente, porque a família em muitos casos está mais contrária ao movimento do que aderente a ele, mas talvez um professor. Só que esse conselho tem um risco, que é o de reforçar a ideia de que eles estão sendo instrumentalizados, usados por adultos que têm interesses próprios na causa.”
De qualquer forma, Santos orienta os jornalistas a tentarem respeitar a “condição juvenil” dos meninos e meninas que participam da mobilização. “Eles vão dizer coisas mais radicais do que fato pensam, mais incisivas do que podem sustentar, e o jornalista tem de fazer um filtro, analisar se aquela situação não é resultado de um destempero momentâneo. Em suma, não colocar na boca deles algo que disseram em um momento de arroubo.”
O silêncio dos professores – No trabalho de mestrado “O Silêncio do Professorado na Educação”, a jornalista Fernanda Campagnucci, atualmente analista de políticas públicas da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, chamou a atenção para uma questão: os atores que se manifestam no debate público geralmente são os chamados especialistas, pesquisadores, economistas e integrantes do governo, não quem lida com os desafios do ensino no chão da escola.
Professores são reticentes em falar com a imprensa. E o motivo não é apenas o medo de represálias dos superiores. Existe uma imagem, não de todo incorreta, do repórter como alguém interessado em noticiar apenas o que está errado, apontar problemas. E o próprio professor tem dúvidas sobre o seu papel no debate da educação.
“É um conjunto de fatores complexos. Tem a cultura do medo e das represálias concretas, como a remoção de determinada escola ou enfrentar dificuldades na atribuição de aulas”, diz Fernanda. “Mas na pesquisa ficou claro que o clima de desvalorização da educação pública e da figura do professor é tão grande que cria uma estrutura de pensamento de que ele não tem o que dizer, não se vê como sujeito capaz de emitir opiniões”, diz Fernanda.
O trabalho de aproximação da imprensa com os professores precisa ser feito, mas também precisa levar em conta essas barreiras. É um processo que pode ser longo, mas tem de ser aprofundado.
Tempo da escola e tempo do jornalismo – Se evoluiu nas últimas décadas em tópicos como, por exemplo, a análise de políticas públicas, a cobertura da grande imprensa de certa forma retrocedeu quando aborda temas ligados ao chão da escola. Com equipes menores nas redações, é raro o repórter ter a possibilidade de visitar escolas e, quando o faz, normalmente é com um olho no relógio, pressionado pelo tempo.
Aliás, existe um claro descompasso entre o tempo da atividade jornalística e o da escola. A urgência de uma contrasta com a valorização da rotina na outra. É compreensível que jornalistas se sintam frustrados com a reticência de diretores em liberar o acesso às unidades, mas deve-se levar em conta que qualquer “corpo estranho” provoca no ambiente escolar efeitos muito mais sensíveis do que em ambientes onde predominam adultos. Em um espaço com centenas ou milhares de crianças, a presença de uma equipe de TV na área do recreio pode causar uma excitação capaz de prejudicar o andamento das aulas durante horas.
Disposição para ouvir – Habituados a transitarem entre mundos bem diferentes, pulando de uma ocorrência policial para eventos com autoridades, de encontros científicos para manifestações de rua, os jornalistas costumam às vezes perder a perspectiva específica de cada um desses universos. No caso da escola, o professor ou diretor que recebe o repórter vai muitas vezes falar de algo ao qual se dedicou boa parte dos seus dias durante anos. Assim é natural que ele se sinta frustrado se o repórter só pareça se interessar pelos trechos da conversa que reforçam sua pauta, ainda que o raciocínio geral seja bem mais complexo e abrangente. É preciso valorizar os saberes de professores e diretores da mesma forma que costumamos valorizar a opinião dos chamados especialistas no debate sobre educação.