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Como garantir boas respostas pela Lei de Acesso à Informação

Sugestões para driblar o 'juridiquês' de instituições públicas e obter informações relevantes

10/10/2018
Luiz Fernando Toledo
tenha em mente
Evite pedidos excessivamente genéricos

Há dezenas de maneiras 'formais e legais' para barrar a informação que jornalistas querem obter do poder público. A resposta mais comum é de que 'a solicitação exige trabalho adicional'. Mas é totalmente possível apresentar recurso e reverter a situação

Com o recurso permitido por lei, tornou-se cada vez mais volumosa a jurisprudência sobre decisões tomadas em pedidos de informação. Funciona como no Direito: as decisões, depois de publicadas, devem servir como orientação em qualquer outro caso semelhante. Utilize a jurisprudência sempre que possível, acessando sites com centenas de decisões já publicadas

Outro motivo bastante comum para recusar o envio de informações é a possibilidade de que existam dados pessoais envolvidos. A lei é bastante rígida quanto a isso, mas também abre exceções importantes

Para especialistas, nem e-mails de servidores têm garantia automática de sigilo

Muitas respostas do poder público são vagas. Só que o artigo 7º da LAI define que é dever do Estado apresentar a 'informação completa, íntegra, desprovida de modificações ou condensações'. Não aceite releases de assessores de imprensa como resposta

Jornalistas e instituições públicas travam uma batalha histórica pela divulgação de informações de interesse público. Se o repórter precisa, cada vez mais, de informação qualificada e dados detalhados para a publicação de uma boa matéria, o desafio é aprender a lidar com – e a superar – cada barreira imposta pelo poder público e suas instituições.

 

Em novembro de 2017, publiquei no Estadão uma reportagem apontando que o número 2 da Comunicação da Prefeitura de São Paulo, Lucas Tavares, tinha dito em uma reunião entre representantes do governo que, no que fosse “formal e legal”, dificultaria a vida dos jornalistas na obtenção de dados sobre o governo.

 

Uma história nova de um problema antigo. Em 1994, o então ministro da Fazenda Rubens Ricupero afirmou “o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde” antes de dar uma entrevista nos estúdios da Rede Globo. A conversa, com o jornalista Carlos Monforte, acabou sendo captada por antenas parabólicas de espectadores do canal.

 

Tavares e Ricupero, ao serem flagrados, deixaram os cargos. Estes casos, no entanto, são exceção na história da transparência no País. Desde a sanção da LAI (Lei de Acesso à Informação), em 2011, são praticamente inexistentes as investigações por descumprimento a essa legislação, que prevê afastamento do cargo e outras sanções. Na cidade de São Paulo, por exemplo, uma das que mais recebem pedidos de informação no país, apenas uma sindicância foi aberta até hoje: a do próprio Tavares, após a reportagem.

 

Mas, afinal, existem mesmo maneiras “formais e legais” para barrar a informação que jornalistas ou qualquer cidadão querem extrair do poder público? Se você já gastou algum tempo nos diversos canais de transparência existentes, seja do Executivo, Legislativo ou Judiciário, sabe que há, sim, dezenas delas.

 

“A solicitação exige trabalho adicional” é a resposta mais comum. “O pedido é desarrazoado”, diz outra. “Os dados solicitados incluem informações pessoais protegidas por sigilo próprio” – quem já não recebeu esta? “A divulgação dessas informações pode comprometer o andamento de investigações”, aponta outra resposta bastante comum.

 

E o que fazer diante da recusa? É possível reverter esta situação? Sim, isso é totalmente possível! É o que veremos a seguir.

 

Recursos e jurisprudência

 

O decreto que regulamenta a LAI apresenta, em seu artigo 19, a possibilidade de o cidadão entrar com um recurso quando não concorda com a resposta enviada pela administração pública. Embora nem todos os sites de e-sic (os Sistemas Eletrônicos de Informação ao Cidadão) disponham de um dispositivo para entrar com recursos, isso é um direito e, portanto, deve ser cobrado sempre que possível.

 

Em última instância, todos que disponibilizam um canal de dados públicos deveriam ter algum tipo de comissão para analisar se há cabimento ou não na informação pedida. No governo federal, este papel é cumprido pela CMRI (Comissão Mista de Reavaliação de Informações).

 

Com tal dispositivo permitido pela lei, tornou-se cada vez mais volumosa a quantidade de jurisprudência criada sobre decisões tomadas em pedidos de informação. Funciona como no Direito: as decisões, depois de publicadas, devem servir como orientação em qualquer outro caso semelhante. Utilize-as sempre que possível.

 

O maior repositório de precedentes da LAI, hoje, é o site Busca Precedentes, da CGU (Controladoria Geral da União). Há centenas de decisões já publicadas sobre inúmeros temas, desde acesso ao e-mail de servidores públicos à obtenção de dados pessoais de terceiros.

 

No Estado de São Paulo, os precedentes são disponibilizados pela OGE (Ouvidoria Geral do Estado), que divulga todos os seus pareceres e também pela Ceai (Comissão Estadual de Acesso à Informação) – a esta, recomendo que vocês façam um pedido de LAI com toda a jurisprudência existente, pois não encontrei um local centralizado com as decisões.

 

Por fim, na cidade de São Paulo, o órgão que analisa os pedidos em última instância é a CMAI (Comissão Municipal de Acesso à Informação). Todas as atas das reuniões da CMAI estão em seu site. E o que é mais legal: eles divulgam no site até mesmo as informações que foram autorizadas em suas reuniões. Só não vale roubar a pauta do colega.

 

Use e abuse de todos esses documentos. Eles serão fundamentais para driblar os maus argumentos utilizados pelas instituições na hora de reclamar por um pedido não respondido.

 

Outra recomendação é descobrir quais são as informações classificadas e desclassificadas com sigilo pelas instituições. Isso evita de o governo dizer que tal informação é sigilosa, ainda que não exista qualquer sigilo sobre ela.

 

Cada órgão tem seu próprio site para isso, então basta googlar “informações sigilosas” e o nome do órgão para encontrá-las (exemplo: http://www.cgu.gov.br/sobre/informacoes-classificadas). Importante lembrar que nem toda informação sem classificação é pública. Outros tipos de sigilo (como o bancário, telefônico, da correspondência do advogado, etc) que já dispõem de legislação própria não podem ser alvo de pedidos de informação.

 

Sugestão: veja quais informações já foram desclassificadas como sigilosas em algum órgão e peça, via LAI, o acesso à íntegra desses documentos. Alguma pauta pode aparecer por lá!

 

Outros Estados e municípíos

 

Como a LAI ainda engatinha no Brasil, são poucos os órgãos públicos que disponibilizam instâncias de recursos e, menos ainda, aqueles que dão publicidade às suas decisões.

 

Por isso é fundamental cobrar dos governos e instituições que agilizem a criação desses canais. Enquanto isso não acontece, o jeito é manter um banco de dados particular, com seus próprios pedidos e registros de como o governo se comportou na divulgação daqueles dados. Se em um pedido passado a informação foi fornecida, e agora não, qual é a justificativa?

 

Se você souber de outros sites de precedentes, conte para a gente! Envie um e-mail para a Jeduca (contato@jeduca.org.br.) e atualizaremos o texto.

 

Literatura

 

Muitos dos que trabalham com a LAI com frequência já devem ter esbarrado alguma vez no livro Lei de Acesso à Informação - Teoria e Prática, dos juristas Marcio Camargo Cunha Filho e Vitor César Silva Xavier. Trata-se de uma das obras mais importantes e relevantes sobre o tema já publicada no Brasil, uma espécie de “bíblia” da LAI.

 

Lá é possível encontrar não só o histórico da lei, mas uma série de textos que falam sobre cada tópico relevante da legislação e o que existe de entendimento, hoje, do que pode ou não ser divulgado, e como, por meio da legislação.

 

Cito aqui um exemplo bastante polêmico e que ainda é pouco esclarecido no Brasil: o acesso ao e-mail pessoal de servidores públicos. Nos EUA, esses e-mails são públicos e já geraram inúmeras reportagens. Este texto conta como jornalistas e ativistas expuseram as relações espúrias entre cientistas e o mercado por meio de mensagens trocadas e obtidas via Freedom of Information Act (a LAI americana). Nesta reportagem, a jornalista revela, por meio de conversas internas em emails, que a ICE (polícia da imigracao nos EUA) manobrou internamente para conseguir alguns poucos exemplos de imigrantes que se encaixavam no perfil descrito pelo presidente Donald Trump (ou seja, criminosos), e fazer disso uma regra, e não a exceção.

 

Não é de hoje que o tema vem à tona. Uma busca nos precedentes da CGU com a palavra “e-mail” mostra que dezenas de cidadãos já tentaram acessar as mensagens enviadas e recebidas por servidores.

 

Há, inclusive, um pedido (veja a íntegra) de um caso bastante famoso: o requerente solicitou acesso aos e-mails de Jorge Rodrigo Araújo Messias, que ficou conhecido em todo o Brasil como “Bessias” na conversa grampeada entre a ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula divulgada em março de 2016. 

 

O pedido acabou sendo negado pela CGU, pois “Bessias” é advogado e há um sigilo específico sobre a correspondência do advogado, previsto em outra legislação. Mas a leitura da decisão é bastante importante, pois abre precedente para que outros pedidos sejam feitos.

 

Vejam o que dizem os autores de “Lai - Teoria e Prática” sobre o tema:

 

Não se pode atribuir à correspondência institucional eletrônica um sigilo automático, que dispense qualquer esforço interpretativo ou probatório acerca do tema. Como mecanismo de troca de informações públicas – ainda que notadamente mais informal que ofícios, memorando ou instrumentos congêneres – os e-mails podem ser objeto de pedido de acesso à informação. Não há, em princípio, diferença entre informação pública armazenada em arquivos físicos e armazenada em arquivos digitais. O cerne da questão (...) será sempre saber se se trata ou não de informação de caráter público (...)

 

(Uma observação aqui: para quem se empolgou e já pensou em sair pedindo acesso aos e-mails de todo o mundo, do prefeito ao presidente da República, é bom trazer aqui um relato pessoal. Já tentei isso, sem sucesso. Embora a jurisprudência seja clara sobre o tema e já existam alguns pedidos do tipo que foram atendidos no governo federal, é claro que todas as barreiras possíveis serão impostas para que tais informações continuem ocultas.)

 

No final de 2017 eu fiz dezenas de pedidos de acesso aos e-mails de todos os secretários do então prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), em um determinado período de tempo, bem como os dele próprio e também do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e parte de seu secretariado. Os pedidos não só foram negados por motivos diversos – exigir trabalho adicional de ter de analisar cada e-mail em busca de informação sigilosa, por exemplo – como a prefeitura, provocada pelos pedidos feitos por mim, mandou elaborar duas peças jurídicas que trazem argumentos para recomendar na capital a não divulgação de e-mails via LAI, uma espécie de “sigilo informal”. Um deles foi feito pela CGM (Controladoria-Geral do Município) e outro, pela PGM (Procuradoria-Geral do Município). Mas não custa tentar de outras formas…

 

“O pedido exige trabalho adicional”

 

Outra fonte bastante interessante para se obter dicas da LAI é a revista Aplicação da Lei de Acesso à Informação na Administração Pública Federal, publicada pelo Ministério da Transparência (baixe aqui). 

 

Talvez um dos ensinamentos mais interessantes trazidos pela revista é o que fala sobre o recorrente motivo de negativa de envio de informações, a “exigência de trabalhos adicionais”.

 

É muito comum, em pedidos de informação que envolvem grandes bancos de dados, que o órgão diga que não pode respondê-lo porque a tarefa exige “trabalho adicional”. Há, de fato, um artigo, o 13, no decreto da lei, que diz o seguinte:

 

Não serão atendidos pedidos de informação que sejam:

I - genéricos;

II - desproporcionais ou desarrazoados; ou

III - que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competência do órgão ou entidade.

 

Mas será mesmo que este tópico pode usado em qualquer circunstância? Vamos ao texto da revista da CGU, na página 37:

 

“Aplicando-se a conceituação abaixo transcrita do Professor Bandeira de Mello (2013, p.113- 114) ao contexto do artigo 13 do Decreto nº 7.724/12, verifica-se que a ‘desvantagem’ em um pedido desproporcional pode ser entendida como a possibilidade de que uma única demanda, em decorrência da sua dimensão, inviabilize o trabalho de toda uma unidade do órgão ou da entidade pública por um período considerável. Entendido como o princípio da justa medida, meios e fins são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objetivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens do meio em relação às vantagens do fim. Para a adequada caracterização da desproporcionalidade do pedido, é imprescindível que o órgão, ao responder o pedido inicial, indique ao cidadão de forma clara e concreta que o seu pedido inviabilizaria a rotina da unidade responsável pela produção da resposta. Assim, o órgão é responsável por evidenciar o nexo entre a dimensão do pedido e a sua inviabilidade operacional. Essa exigência se faz necessária, pois, nos pedidos desproporcionais, geralmente, os seus objetos não estão protegidos por salvaguardas legais, sendo informações de caráter público que, em tese, deveriam ser franqueadas ao demandante. O que inviabiliza a sua entrega, portanto, é a dificuldade operacional em se organizar a informação, e não o seu conteúdo. A análise do impacto da solicitação sobre o exercício das funções rotineiras de um órgão público – para fins de caracterização da sua desproporcionalidade – deve sempre fundamentar-se em dados objetivos. Isso porque cabe à Administração o ônus de a comprovar, quando da negativa de acesso à informação, conforme o inciso II do parágrafo 1° do art. 11 da LAI:”

 

Afinal, o que é trabalho adicional? Abrir uma gaveta para pegar dados que estão em um documento? Montar uma planilha de Excel? Extrair dados de uma base de um sistema? Pedir a determinados órgãos subordinados que enviem um documento?

 

Já consegui reverter vários pedidos negados por “trabalho adicional” com base nesses questionamentos. Nem sempre é fácil: o solicitante deve explicar ao órgão onde esses dados estão, e, se possível, facilitar ao máximo o pedido, reduzindo o seu escopo. Se o órgão não pode disponibilizar 100 documentos de uma só vez, por exemplo, faça 10 pedidos, cada um com a solicitação de 10 documentos. E por aí vai.

 

O mais importante é ser razoável (não vá pedir todas as notas fiscais emitidas em uma cidade, por favor…) e exigir que o órgão seja bastante claro e específico sobre se, de fato, não há possibilidade de enviar as informações. Evite pedidos genéricos, como “todas as notas técnicas emitidas pelo órgão", preferindo, se possível, pedidos como “notas técnicas emitidas pelo órgão tal, entre o período de tal a tal”.

 

Outro fator importante é analisar o histórico de como o órgão já respondeu a determinada solicitação. Um exemplo recorrente e concreto para os usuários da LAI na prefeitura de São Paulo é o de pedidos de informação feitos às prefeituras regionais (as antigas subprefeituras).

 

Embora exista uma secretaria que coordena todas as prefeituras regionais na capital, é muito comum que, se o cidadão pede uma informação sobre todas elas à pasta, o governo responda que será necessário pedir, separadamente, os dados para cada uma. E existem 32 prefeituras regionais na capital.

 

No áudio da Comissão Municipal de Acesso à Informação que deu origem à minha reportagem sobre Lucas Tavares, ficou registrado que a repórter Roberta Giacomoni, da Rede Globo, foi orientada a pedir um dado sobre operações de asfaltamento para cada uma das regionais, mesmo depois de técnicos da prefeitura avaliarem na reunião que haveria risco de que cada uma respondesse de um jeito, sem padrão nenhum.

 

O problema é que, em respostas anteriores a outros pedidos semelhantes, o governo já havia centralizado as respostas em uma só secretaria, portanto não deveria alterar este entendimento. E por uma questão muito simples: se cada prefeitura regional responder de um jeito, o direito à informação não foi cumprido, pois os dados serão inúteis, ilegíveis.

 

O que o solicitante precisa demonstrar em seu recurso é que, da forma como o órgão público quer divulgar os dados, o acesso à informação fica prejudicado de alguma forma, possivelmente inviabilizado.

 

É, portanto, fundamental guardar como cada resposta foi dada para, no futuro, poder cobrar e contrapor argumentos do ente público em uma eventual negativa de acesso.

 

“A resposta pode ter dados pessoais”

 

Outro motivo bastante comum para recusar o envio de informações é a possibilidade de que existam dados pessoais envolvidos. Alguns entes públicos argumentam, inclusive, que há incompatibilidade entre transparência pública e divulgação de dados pessoais. Mas já existe, e de forma bastante robusta, jurisprudência sobre o tema.

 

O artigo 31 da LAI fala sobre isto. Vamos ao texto:

 

Art. 31.  O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.

  •   As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:


I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e


II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros
diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.

  •   Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido.
  •   O consentimento referido no inciso II do § 1o não será exigido quando as informações forem necessárias:

 

I - à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização única e exclusivamente para o tratamento médico;

 

II - à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem;

 

III - ao cumprimento de ordem judicial;

 

IV - à defesa de direitos humanos; ou

 

V - à proteção do interesse público e geral preponderante.

  •  A restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância.
  •   Regulamento disporá sobre os procedimentos para tratamento de informação pessoal.

 

Repare que, embora a lei seja bastante rígida quanto aos dados pessoais, ela também abre exceções importantes. As mais relevantes aqui, especialmente para os jornalistas, são as citadas nos incisos II e IV do parágrafo 3º: “realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral” (...) e “à defesa de direitos humanos”.

 

Nós, jornalistas, não somos pesquisadores. Mas a jurisprudência criada em anos de vigência da LAI já reconheceu, em inúmeros pareceres, que é possível entender que o trabalho jornalístico pode, sim, ser interpretado como uma pesquisa, principalmente por seu caráter de evidente interesse público.

 

Este tipo de problema aparece com frequência ao solicitarmos, por exemplo, acesso aos boletins de ocorrência policiais, que contêm diversos dados pessoais de quem o registrou. O problema fica ainda mais complexo se a vítima sofreu estupro, por exemplo, ou se tem menos de 18 anos.

 

No Estado de São Paulo, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) criou uma regra pela qual, para obter esse tipo de informação, é preciso justificar e comprovar o interesse público da solicitação. Ainda assim, eles só disponibilizam os históricos desses boletins de ocorrência pessoalmente, em um computador da secretaria, no centro da capital.

 

Outro caso recorrente é o de sindicâncias e processos administrativos contra funcionários públicos. Eles devem ou não ser alvo de transparência? Voltemos à revista da LAI do Ministério da Transparência (página 61):

 

De acordo com regras internacionais sobre acesso a informações detidas pelo Poder Judiciário, as Regras de Herédia, são dados pessoais aqueles concernentes a uma pessoa física ou moral, identificada ou identificável, capaz de revelar informação sobre sua personalidade, suas relações afetivas, sua origem étnica ou racial, ou que se refiram às características físicas, morais ou emocionais, à sua vida afetiva e familiar, patrimônio, ideologia e opiniões políticas, crenças ou convicções religiosas ou filosóficas, estados de saúde físicos ou mentais, preferências sexuais ou outras análogas que afetem sua intimidade ou sua autodeterminação informativa. Esta definição deverá ser interpretada no contexto da legislação local sobre a matéria. Ademais, a Lei do Cadastro Positivo, Lei nº 12.414/11, caracteriza informações sensíveis como sendo aquelas pertinentes à origem social e étnica, à saúde, à informação genética, à orientação sexual e às convicções políticas, religiosas e filosóficas.

 

Segundo as Regras de Herédia, prevalecem a transparência e o direito de acesso à informação pública quando a pessoa concernente tenha alcançado voluntariamente o caráter de pública e o processo esteja relacionado com as razões de sua notoriedade. Sem embargo, consideram-se excluídas as questões de família ou aquelas em que exista uma proteção legal específica. Nestes casos, poderão manter-se os nomes das partes na difusão da informação, mas se evitarão os domicílios pessoais ou outros dados identificatórios.

 

Há, portanto, norma jurídica para pedir dados relacionados à sindicâncias de servidores públicos. Centenas de pedidos do tipo já foram atendidas.

 

Outro precedente bastante importante é o que prevê que, ainda que existam informações pessoais em um documento, este ainda pode ser divulgado, contanto que o órgão público censure os nomes e informações pessoais (com tarjas, por exemplo). É o que faz, por exemplo, a SSP ao divulgar os históricos dos boletins, com os nomes e dados pessoais criptografados no histórico. Isso vale para qualquer documento e, como nos outros casos, também tem vasta jurisprudência de pedidos já respondidos.

 

Quando a resposta é genérica

 

Muitas respostas que chegam pelos canais de e-sic são extremamente genéricas. Por vezes, sequer respondem o que foi perguntado ou orientam o cidadão a buscar o que procura no Diário Oficial, por exemplo, sem nem informar em quais edições ou páginas. Algo como indicar que um livro está na biblioteca x, sem informar em qual prateleira ou seção. Existe, também, precedente e norma jurídica sobre o tema. Os dois principais, expostos no livro “LAI - Teoria e Prática”, são:

  

  • É dever do Estado apresentar informação originária, sem análises, interpretações ou consolidações, (art. 7º da LAI).
     

     2) “A Integridade (art. 7º, IV, LAI) diz respeito à informação completa, íntegra, desprovida de modificações ou condensações. Ao afirmar que os cidadãos têm direito a receber informações íntegras, a LAI tenta proteger os cidadãos contra a concessão parcial de dados que prejudique a correta compreensão da informação que se deseja obter. Tal obrigação deve ser interpretada em conjunto com o §3º do art. 7º, de modo que só será lícita a concessão parcial de acesso a documento se a ocultação de parte das informações não prejudicar a sua compreensão global.”

 

Ou seja: se você pediu acesso à integra de um documento, o órgão público não pode, de maneira nenhuma, responder com um resumo do documento ou com qualquer alteração que prejudique o seu entendimento. Não aceite releases enviados por assessores de imprensa nos canais de e-sic como se fossem a resposta. A resposta ao pedido deve ser exatamente sobre o que foi perguntado, sem resumos ou dados genéricos. Muito menos orientações de pesquisar dados no Diário Oficial que não tenham indicações concretas da localização dos dados.

 

Monte sua própria base e a compartilhe

 

Como em qualquer apuração jornalística ou para fins de pesquisa, o uso da LAI depende da leitura do histórico de tudo que já foi decidido sobre as informações públicas. Por se tratar de uma lei recente, muitas dúvidas estão no ar e nem sempre se sabe o que pode e o que não pode ser respondido. Por isso, é importante, cada vez mais, utilizar-se da legislação, entendendo como cada instituição pública responde às perguntas. Mais do que isso, também é importante que essas decisões e respostas não fiquem guardadas no computador. Um pedido seu que foi negado pode já ter sido respondido a um colega. Por que não compartilhá-los?

 

Espero que essas sugestões de leitura possam ajudá-los na busca por informações públicas. Se tiverem outras, nos enviem no e-mail da Jeduca (contato@jeduca.org)

 

Recomendo ainda este outro artigo que escrevi sobre a LAI, aqui na Jeduca.

 

Sugiro ainda a leitura deste excelente texto do site de jornalismo americano ProPublica, em que a repórter Sandhya Kambhampati revela o que aprendeu depois de ter enviado mais de mil pedidos de informação ao governo

 

*é repórter do Estadão desde 2013 e escreve sobre educação e administração pública. Foi fellow na ProPublica, site de jornalismo investigativo em Nova York, onde trabalhou em projetos relacionados ao FOIA (Freedom of Information Act), lei de acesso à informação americana

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