A educação inclusiva foi tema de um dos quatro minicursos oferecidos durante o 5.º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, da Jeduca.
Tomando como ponto de partidas as recentes declarações do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de que os estudantes com deficiência “atrapalham” os demais e que uma parcela deles não teria condições de frequentar uma sala de aula comum Rodrigo Hubner Mendes, presidente do Instituto Rodrigo Mendes, enfocou alguns conceitos-chave relacionados à educação inclusiva. A mediação foi do jornalista Raphael Preto Pereira.
Fora da escola
Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que 15% da população mundial possui algum tipo de deficiência. No Brasil, o número é próximo de 30 milhões de pessoas. “O esperado era que 15% do número total de matrículas fosse desse segmento, mas na realidade muitas crianças e adolescentes com deficiência estão fora da escola”, disse Mendes.
No entanto, o melhor cenário no que diz respeito à matrícula é no ensino fundamental 1, nível em que 3% dos estudantes apresentam alguma deficiência, segundo dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) de 2017, apresentados por Mendes.
Nos níveis seguintes, o número vai afunilando, com 1,5% no ensino médio e 0,5% na educação superior. “Quando um aluno não atende [às expectativas], ele é deixado de lado. Isso se torna muito mais grave no caso dos alunos com deficiência. Não é à toa que esse segmento é o que enfrenta os maiores níveis de discriminação e abandono. A gente precisa enfrentar esse histórico de exclusão educacional para que as pessoas com deficiência mantenham o seu lugar na escola”, afirmou.
Marcos legais
Em 2006, a ONU (Organização das Nações Unidas) definiu que pessoas com deficiência “são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. A definição foi publicada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário.
Dois anos depois, em 2008, foi instituída a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, baseada na Convenção da ONU. Em 2015, foi sancionada a Lei Brasileira de Inclusão, que adapta a Convenção da ONU à realidade brasileira. Uma das mudanças oriundas da lei foi a penalização de escolas que se neguem a matricular alunos com deficiência ou cobrem taxas adicionais por isso.
Escola inclusiva x educação especial
De acordo com Mendes, uma escola especial é uma instituição que atende exclusivamente alunos com deficiência, com características semelhantes e, geralmente, em turmas pequenas. Essas escolas raramente trabalham o currículo oficial do município ou do estado, têm grade de atividades que elas mesmas definem e presumem que a criança não vai conseguir se desenvolver plenamente e, por isso, precisa estar separada. “Esse modelo foi testado por décadas e falhou. Por mais competentes que as equipes de profissionais sejam, as crianças não são desafiadas”, comentou.
Já a educação inclusiva faz parte da rede de ensino comum, dispondo-se a rever o projeto pedagógico e possibilitando que todos os perfis de estudantes frequentem a mesma sala de aula. “Não existe consenso, mas existe um espectro de diferentes formas de pensar o assunto, que compartilham a ideia de que participar da escola comum é um direito e que o aluno com deficiência também deve usufruir do mesmo currículo que os demais alunos. A convivência é imprescindível para que o aluno se desenvolva, seja estimulado e tenha oportunidades amplas de alcançar seus próprios objetivos”.
Visão ultrapassada
Mendes caracterizou as recentes declarações do ministro da Educação como preconceituosas. “É bom lembrar que essa enxurrada de intolerância se expande para outras direções e vai se somando a uma coleção que parece não acabar. Revela profunda intolerância e uma enorme ignorância técnica, com visões anacrônicas, ultrapassadas e longe do que a ciência mostra”, opinou.
Decreto da educação especial
Sobre o Decreto Federal 10.502/2020, que cria a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida - e está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal desde dezembro de 2020 -, Mendes afirmou que ele gera uma confusão nas famílias das pessoas com deficiência.
Isto porque o decreto dá margem para que a criança seja direcionada à escola comum ou à escola especial, num contexto em que, muitas vezes, as famílias chegam a cogitar se não seria mais adequado procurar uma escola especial. “Na hora que uma política nacional considera isso como opção, você enfraquece todo o processo de conscientização, de ampliação das possibilidades. Gera problemas não só na educação, mas numa questão cultural, de paradigma da sociedade”, comentou.
Formação de professores
Mendes defende que a diversidade seja contemplada na graduação dos futuros professores. “Se conseguirmos incluir, nos currículos de licenciatura, conteúdos amplos e atuais, teremos uma estratégia interessante de não canalizar todo o esforço para a formação continuada, quando os profissionais já estão formados. A gente acompanha algumas instituições repensando a sua programação curricular, que é uma estratégia potente”, classificou.
Caso Clarisse Fleury
Mendes trouxe como exemplo de boa prática de educação inclusiva o caso da escola Clarisse Fleury (Rio Branco-AC), que desenvolveu um modelo de ensino que dialoga com a concepção de educação inclusiva.
Na escola, quase 5% dos alunos apresentavam algum tipo de deficiência e os professores se encontravam frequentemente para discutir ações a serem experimentadas em sala de aula. Além disso, a a Libras (Língua Brasileira de Sinais) era ensinada a todos os alunos e à comunidade escolar e, em parceria com a secretaria de Saúde, eram identificados estudantes que necessitavam de atendimentos clínicos.
Outras boas práticas são adotadas em todas as partes do Brasil e compõem uma biblioteca de práticas exitosas, disponível na plataforma Diversa.
Cobertura da imprensa
Segundo Rodrigo Mendes, ainda predomina na mídia a exploração de uma narrativa sobre a pessoa com deficiência a partir do esforço individual. “Nos Jogos Paralímpicos, observei histórias bem construídas em termos de audiovisual, que emocionam. Mas esse tipo de abordagem, da superação individual, é um bom caminho? Depende do que a gente almeja para o futuro”.
Ele continuou: “Se a gente está satisfeito com essa participação pontual, talvez seja adequado. A questão é que existe, por trás dessa abordagem, a ilusão de que o problema está resolvido, quando na verdade a gente não consegue promover uma transformação estrutural se não houver reflexão coletiva. Não adianta a gente torcer, se emocionar, se no dia seguinte, a gente segue tocando a nossa vida colocando essas pessoas numa situação de heróis. A vitória vai ser duradoura se a superação deixar de ser individual e passar a ser coletiva”.
O 5.º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação conta com o patrocínio de Fundação Lemann, Fundação Telefonica Vivo, Instituto Unibanco, Itaú Social, Itaú Educação e Trabalho, e apoio do Colégio Rio Branco e Loures Consultoria.