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Gustavo Morita / Revista Educação

A educação além das provas

Avaliações são importantes para analisar qualidade do ensino, mas impacto da educação é mais amplo do que o medido nos testes de aprendizagem

23/06/2016
Antônio Gois

Na cobertura da educação, é natural que um repórter dê especial atenção aos indicadores relacionados ao que acontece na escola. Desde 1995, quando o MEC começou a divulgar resultados de avaliação de aprendizagem, o desempenho de alunos em testes de português e matemática passou a ser um dos principais focos (talvez o principal) da cobertura da imprensa no setor.

 

A análise desses indicadores é importante, pois eles vêm mostrando o quanto ainda precisamos avançar para garantir o direito a uma educação de qualidade para todas as crianças. Apenas para ficar num número (o pior deles): somente 9% dos jovens brasileiros que concluem o ensino médio têm aprendizado considerado adequado em matemática. Isso sem falar que muitos outros ficam pelo caminho e sequer chegam a essa etapa final da educação básica.

 

Entender o que significam esses números (e também tudo o que eles deixam de captar) é essencial para um repórter de educação. Mas o risco é reduzir o efeito da educação apenas a isso: resultados medidos em testes de aprendizagem em português e matemática. Além de haver dimensões que não são mensuráveis por nenhum instrumento, no Brasil e no mundo, não faltam evidências do impacto da educação em inúmeras variáveis cujos efeitos são verificados no longo prazo e já bem longe da sala de aula.

 

Mais renda

 

O efeito mais fácil de ser verificado é o impacto da escolaridade na renda. A baixa qualidade de nossa educação é uma das causas de um problema sério de baixa produtividade do trabalhador, indicador em que estamos estagnados desde a década de 80. É ruim, portanto, para a economia como um todo. Mas essa mesma educação de qualidade insatisfatória continua gerando muitos ganhos individuais para aqueles que conseguem ir mais longe no sistema educacional.


A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, mostra que em 2014 a média salarial de trabalhadores com mestrado ou doutorado era mais do que o dobro da verificada entre aqueles que tinham somente o ensino superior completo. Estes que concluíram apenas um curso de graduação, por sua vez, também recebiam, em média, mais que o dobro em comparação com os que tinham só diploma de ensino médio. E quem completou o antigo segundo grau também apresentava médias maiores em relação aos que pararam no ensino fundamental.

 

Fonte: Tabulações a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, de 2014.

 

 

Apesar da baixa qualidade de nossa educação, o Brasil ainda é um dos países onde o diploma universitário faz mais diferença no mercado de trabalho, conforme revela o relatório Education at a Glance, publicado anualmente pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Isso não significa que nosso ensino superior seja de alta qualidade. O dado revela na verdade como ainda é alta nossa desigualdade. Como poucos conseguem acessar o ensino superior em comparação com o verificado em nações ricas, conseguir um diploma num desses níveis diferencia o trabalhador dos demais, dando a ele ganhos expressivos.

 

Menos filhos e mais saúde

 

Dinheiro não é tudo. Por causa da correlação tão forte entre renda e escolaridade, é difícil isolar o efeito de cada uma dessas variáveis. Mas um indicativo de que ter mais escolaridade tem impacto na vida de uma pessoa mesmo em situação de pobreza aparece num estudo dos demógrafos José Eustáquio Diniz Alves e Suzana Cavenaghi, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. Eles compararam no censo demográfico de 2000 o número médio de filhos por mulher em favelas do Rio e nas demais áreas da cidade.

 

O número de filhos, não é novidade, está muito relacionado à escolaridade da mulher. Quanto mais instrução, menos filhos. O que Alves e Cavenaghi conseguiram identificar, no entanto, foi que mesmo entre mulheres residentes em áreas mais pobres, aquelas com mais anos de estudo apresentavam um padrão de fecundidade diferente. A conclusão dos autores foi que, quando a mulher havia ao menos iniciado o ensino médio, a taxa de fecundidade era de apenas 1,6 filho por mulher, não importando se ela morava em favela ou não. Ou seja, mesmo em favelas, mulheres com mais instrução tinham padrão de fecundidade igual ao das que viviam fora dessas áreas mais pobres.

 

Além do impacto no número médio de filhos por mulher, é sabido também que mais estudo está altamente correlacionado a maiores taxas de realização de consultas pré-natais, menores taxas de mortalidade infantil e materna, e também a uma menor probabilidade de gravidez na adolescência.

 

Ter avançado mais nos estudos também está correlacionado com melhores indicadores de saúde. Um estudo do Hospital do Câncer de São Paulo feito com 2.741 pacientes mostrou, em 2004, que a baixa escolaridade diminuía a probabilidade de uma pessoa se curar do câncer. Um dos motivos que explicam isso é que pacientes com menos anos de estudo tendem a detectar a doença quando ela está em fase mais avançada. A baixa escolaridade, portanto, está associada a uma maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde e à menor probabilidade de informação sobre fatores de risco e prevenção. Na mesma linha, outros estudos mostram que há uma relação clara em mais educação e hábitos mais saudáveis que levam a uma maior expectativa de vida.

 

Menos homicídios

 

Outra evidência no Brasil dos efeitos da educação para além dos verificados em sala de aula veio de uma pesquisa divulgada em 2016 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O estudo mostrou que um aumento percentual de 1% no número de jovens entre 15 a 17 anos na escola representa uma diminuição de 2% na taxa de assassinatos de um município.

 

Para o autor da pesquisa, Daniel Cerqueira, os dados mostram que a educação é uma das melhores políticas públicas sociais para reduzir assassinatos, pois manter os jovens na escola reduz significativamente a probabilidade de envolvimento com crime.

 

Esse é um dado a ser sempre considerado na análise, por exemplo, de uma política de expansão do horário da escola, uma estratégia que consta do Plano Nacional de Educação. É justo que a sociedade espere que essa ação resulte em melhoria no desempenho dos estudantes, pois trata-se de um investimento alto do poder público. Mas passar mais tempo na escola pode reduzir, por exemplo, a chance de um aluno se envolver em atividades criminosas ou ter impacto positivo na renda das famílias, especialmente das mulheres, as mais sobrecarregadas com os afazeres domésticos. Ao entrevistar especialistas ou fazer uma reportagem numa área que passou a ter escolas de tempo integral, portanto, essas são perguntas que devem constar do repertório de um jornalista que cobre educação.

 

O mesmo raciocínio se aplica na avaliação de uma política de expansão de creches. O simples fato de a criança ter acesso à escola pode ter impactos positivos também na família. Talvez o caso mais evidente disso sejam as pesquisas que associam maior acesso a creches a uma melhoria na renda da mulher. A razão é simples: tendo alguém para cuidar de seus filhos, sobra mais tempo para procurar emprego ou trabalhar. Como um aumento na renda familiar ajuda a reduzir privações típicas da extrema pobreza, pode haver também um ganho futuro para a criança.

 

Isso não significa que um repórter de educação deva deixar de investigar se a creche tem ou não qualidade. Uma educação infantil de má qualidade pode ter até efeitos negativos no aprendizado futuro, como demonstram estudos. O ponto aqui é que, na análise dessa política pública, é preciso considerar tanto os efeitos dela na criança quanto nas famílias.

 

No longo prazo

 

Outro ponto que um repórter de educação precisa considerar ao fazer uma reportagem avaliando uma política pública é que muitos dos investimentos no setor tendem a ter efeitos apenas no longo prazo e nem sempre são verificados em testes de aprendizagem.

 

Um estudo mundialmente conhecido e que mostra isso foi conduzido pela equipe do prêmio Nobel de economia James Heckman, professor da Universidade de Chicago. Heckman e sua equipe acompanharam por décadas a trajetória de crianças pobres que tiveram acesso na década de 60 a um programa na educação infantil chamado Perry Pre-School Project.


Diante do alto investimento por aluno, os primeiros resultados, em termos de desempenho em testes dos alunos no ensino fundamental, foram frustrantes. No entanto, ao continuar acompanhando o grupo de crianças até completarem 40 anos, o estudo identificou que aqueles que foram beneficiados pelo programa apresentavam menores taxas de gravidez na adolescência, desemprego e envolvimento em crimes, além de terem taxas maiores de conclusão no ensino superior.

 

A conclusão de Heckman e sua equipe foi que aquela intervenção ajudou as crianças a desenvolverem outras habilidades que não são mensuráveis por testes, como a capacidade de lidar melhor com situações de estresse e a persistência na busca de objetivos de longo prazo.

 

Conclusão

 

Ao fim, diante de todas essas evidências, uma lição importante a ser considerada por qualquer jornalista que estiver avaliando o impacto de políticas públicas educacionais é não ficar restrito apenas aos indicadores que dizem respeito ao que se passa na escola. Isso não significa que seja desimportante olhar para resultados de aprendizagem medidos em exames oficiais. Eles são importantes instrumentos para verificar o direito de aprendizagem de todas as crianças. Apenas é preciso estar atento para entender que os resultados da educação vão muito além do verificado em testes aplicados a milhões de estudantes.

 

*Antônio Gois é colunista de educação do jornal O Globo, consultor do Canal Futura e comentarista da CBN-Rio  

 

 

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