Os desafios do acesso ao ensino superior frente às demandas da sociedade foram o fio condutor da mesa do 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca, realizada em 26 de agosto. O debate ocorreu em um cenário que envolve a regulamentação da educação a distância neste nível de ensino, as novas regras para oferta de cursos de medicina, a desmobilização política dos estudantes, e as desigualdades no acesso e na permanência.
Da esquerda para a direita estão Márcia Lima (FFLCH-USP e Afro Cebrap), Wesley Gabriel (UNE), Paula Ferreira (Estadão),
Alessandra Carla de Almeida Ribeiro (Abem) e Rodrigo Capelato (Semesp)
Foto: Tiago Queiroz/Jeduca
Em maio, foi aprovado o marco regulatório que estabeleceu novas regras para a oferta de cursos de graduação a distância. Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, iniciou a discussão fazendo um panorama histórico dos desafios de acesso ao ensino superior no Brasil.
“Chegamos ao período de democratização de acesso, não de massificação. Apesar do período de crescimento, ainda temos taxas baixas de escolarização”, observou Rodrigo.
A ausência de vagas nas instituições públicas, a condição socioeconômica limitada de grande parte da população brasileira e a falta de políticas de financiamento, segundo Rodrigo, causaram um “nó do ensino superior”, o que levou à adoção, especialmente no setor privado - que detém a maioria das matrículas na educação superior -, de um modelo de EAD (Educação a Distância) com aulas assíncronas e pouca mediação pedagógica. “Precisamos entender como o novo marco vai evoluir, se vai ser efetivado e funcionar. Depois disso, se a EAD tiver qualidade, vamos entrar na pauta do financiamento e acesso”, argumentou.
A expansão da EAD é um dos fatores que está por trás da atual dificuldade de organização do movimento estudantil e do histórico do movimento nas ruas, na opinião de Wesley Gabriel: “Temos uma juventude cansada por causa das relações de trabalho, ou a pessoa trabalha na escala 6x1, ou está em um subemprego, ou não está na sala de aula pois está no ensino EAD”.
“Enfrentamos um desafio, que é a desarticulação do movimento estudantil, ele é anterior, mas se aprofundou durante a pandemia de Covid-19”, Wesley, representante dos institutos federais na UNE (União Nacional dos Estudantes).
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Promover a inclusão social diante das demandas e mudanças da educação superior é um desafio, apontou Márcia Lima, professora da USP Universidade de São Paulo) e coordenadora do Núcleo de Raça, Gênero e Justiça Racial do Afro Cebrap, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
Para Márcia, a inclusão, tendo em vista a transformação social, deve ir além da reserva de vagas nas instituições de ensino superior, pois exige também mudanças estruturais. Ela lembrou ainda que as políticas de cotas afirmativas, assim como o novo Marco Regulatório da EAD, demandam recursos.
“A educação é um marco da desigualdade”, disse. “Nem tudo que amplia o acesso é necessariamente inclusivo. O modelo inclusivo tem que ser gerenciado para dar conta da diversidade de público”, afirmou Márcia, que enfatizou a necessidade de ações para garantir a permanência dos estudantes no escopo das políticas afirmativas e a inclusão social. Ela também chamou a atenção para as lacunas de dados sobre estudantes com deficiência, negros e indígenas no ensino superior e para a necessidade de se produzir esse tipo de informação.
“A nossa preocupação na educação médica é a quantidade e a qualidade da formação. Não sabemos de quantos médicos precisamos, onde mais precisamos e em quais especialidades”, disse Alessandra de Almeida Ribeiro, diretora de Inovação da Abem (Associação Brasileira de Educação Médica).
Com a instituição do programa Mais Médicos, lançado em 2013, e apesar da publicação da Portaria nº 328/2018 do MEC (Ministério da Educação), que suspendeu a abertura de novos cursos de medicina entre 2018 e 2023, houve um aumento no número de escolas de medicina no país, principalmente pela via da judicialização. Para Alessandra, essa expansão se deu de maneira “desorganizada, desregulada e não baseada nas necessidades do país”.
Sobre a discussão em torno do Projeto de Lei 2.294/2024, que tramita no Senado e prevê o condicionamento do exercício da medicina à aprovação em exame de proficiência, Alessandra ponderou: “Em medicina, a avaliação da qualidade da formação deveria considerar o projeto pedagógico e o corpo docente das instituições de ensino. O exame terminal dá um privilégio para os estudantes que conseguem pagar um cursinho preparatório e passar na prova. Tira o foco da formação”.
Assim, segundo ela, a aplicação de um teste de proficiência ao final do curso poderia elitizar ainda mais a profissão médica, apesar das políticas de cotas nas instituições públicas de ensino.
Neste ano, o MEC anunciou a criação do Enamed (Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica), para avaliar anualmente os estudantes concluintes de cursos de medicina. No fim de setembro, foram homologadas novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do curso de graduação em medicina pelo MEC e pelo Ministério da Saúde.
O 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca contou com o patrocínio de Imaginable Futures, Instituto Unibanco, Fundação Bradesco, Fundação Lemann, Fundação Itaú, Arco Educação, Fundação Telefônica Vivo, Grupo Eureka, Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura e Santillana Educação e apoio da Fecap, Instituto Sidarta, do Colégio Rio Branco e da Loures. Conta também com apoio institucional da Abej, Abraji, Ajor, Canal Futura, Coalizão em Defesa do Jornalismo e Instituto Palavra Aberta.