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Fernando Frazão/Agência Brasil
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COP30 amplia debate sobre educação escolar indígena no Brasil

Dados e legislação revelam desafios estruturais enfrentados por estudantes indígenas em meio aos debates sobre clima e território

03/07/2025
Luiza Nobre

A educação escolar indígena ocupa um lugar estratégico no debate contemporâneo sobre justiça social, diversidade cultural e garantia de direitos. Em um momento em que a emergência climática e a preservação ambiental mobilizam o cenário internacional, o modo como os povos originários acessam e permanecem nas escolas se torna ainda mais urgente — especialmente com a escolha de Belém (PA), no coração da Amazônia, como sede da Conferência do Clima (COP30) em 2025.

 

A discussão sobre educação indígena ultrapassa a questão do acesso à escola e se volta para aspectos estruturais: que modelo de ensino está sendo oferecido, a quem ele serve e como pode fortalecer os projetos de vida dos povos indígenas. O deslocamento forçado, a exclusão digital, a ausência de políticas públicas específicas e a violação de territórios impactam diretamente o percurso educacional dessas comunidades. Ao mesmo tempo, práticas pedagógicas enraizadas na oralidade, no coletivo e na relação com a terra abrem caminhos para pensar modelos de ensino realmente plurais e conectados aos modos de vida tradicionais.

 

Este conteúdo foi criado para jornalistas que desejam aprofundar sua cobertura sobre o tema, especialmente, no contexto da COP30 na Amazônia, destacando o protagonismo dos povos indígenas na defesa do meio ambiente e ampliação da visibilidade de suas lutas — entre elas, a garantia de uma educação que respeite suas identidades e culturas.

 

Aqui, você encontrará conceitos-chave, dados atualizados, sugestões de pauta, indicações de fontes e alertas sobre abordagens que ainda reproduzem estigmas na cobertura da imprensa.

 

Neste material:
- O que é educação escolar indígena?
- Histórico e legislação
- Diversidade e realidades regionais
- Desafios da educação escolar indígena
- Território, mobilidade e crise climática
- Dicas para cobertura

 

 
 

O que é educação indígena?

 

É fundamental distinguir educação indígena de educação escolar indígena:

 

  • Educação indígena é a prática milenar dos povos indígenas para transmitir saberes, valores e cosmologias. Ela se baseia na oralidade, na observação, no convívio intergeracional e na relação direta com o território, com a natureza e com o sagrado.
  • Educação escolar indígena é uma forma institucionalizada de educação que passou a ser reivindicada pelos povos indígenas a partir da redemocratização do país, com demandas por uma escola bilíngue, intercultural, territorializada e comunitária.

 

Essa educação difere da educação ocidental em vários aspectos. Não está centrada na formação do indivíduo como sujeito isolado, mas na coletividade. Existe uma ética comunitária que valoriza a existência em relação com o povo e com o ambiente. A pedagogia indígena é, sobretudo, decolonial, pois se organiza a partir de saberes ancestrais e lógicas próprias, rompendo com os paradigmas impostos pela colonização.

 

Sugestões de pauta

  • Como escolas indígenas vêm sendo pensadas a partir das comunidades?
  • Projetos locais de transmissão de saberes tradicionais nas escolas.
  • A voz de anciãos e pajés como educadores.

 

 

 
 

Histórico e legislação

 

A educação escolar indígena no Brasil tem origem missionária, implementada por ordens religiosas que buscavam converter os povos originários ao cristianismo e inseri-los na lógica colonial. Por isso, sua estrutura inicial refletia um pensamento assimilação forçada e negava os saberes indígenas.


A partir da década de 1980, com a ascensão do movimento indígena, os povos começam a reivindicar uma educação própria. A Constituição Federal de 1988 garante o direito a uma educação diferenciada, bilíngue e adaptada aos modos próprios de aprendizagem. A Lei 11.645/2008 torna obrigatório o ensino da história e cultura dos povos indígenas em todas as escolas do país, de ensino fundamental e médio, públicas e privadas.


  • Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394/1996 – Garante que a oferta de educação escolar aos povos indígenas seja ministrada em línguas maternas e processos próprios, promovendo o respeito à diversidade sociocultural.

 

  • Lei nº 10.172/2001 – Plano Nacional de Educação (PNE) – Inclui metas específicas para a educação indígena, com foco na valorização da cultura e ampliação do acesso.

 

  • Lei nº 11.645/2008 – Torna obrigatório o ensino da história e cultura indígena nas escolas públicas e privadas de todo o país, em todos os níveis da educação básica.

 

  • Resolução CNE/CEB nº 3/1999 – Estabelece diretrizes operacionais para a educação escolar indígena, reconhecendo sua especificidade e autonomia pedagógica.

 

 

  • Decreto nº 6.861/2009 – Institui a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, reforçando a criação dos Territórios Etnoeducacionais.

 

  • Lei nº 12.960/2014 – Altera a LDB para incluir a obrigatoriedade da formação específica para professores indígenas.
 

Sugestões de pauta

 

  • A legislação sobre educação indígena está sendo cumprida no seu município?

 

  • Como escolas urbanas têm abordado a história e cultura indígena?

 

  • A luta pela criação de escolas em territórios tradicionais.

 

 

Desafios da educação escolar indígena

 

Segundo o Censo Escolar 2020, existem 3.359 escolas indígenas no Brasil. Um terço delas está no Amazonas, estado com maior concentração de povos originários. A realidade dessas instituições revela uma série de obstáculos estruturais e pedagógicos que impactam diretamente a qualidade do ensino ofertado.

 

  • Infraestrutura precária: quase metade das escolas indígenas (49%) não possui esgoto sanitário. Cerca de 30% funcionam sem energia elétrica e 75% seguem sem acesso à internet. Apenas 14% têm conexão por banda larga. Muitas dessas unidades operam em centros comunitários improvisados, sem salas adequadas para aulas.

 

  • Material didático inadequado: embora 74% das escolas ministrem aulas em línguas indígenas, menos da metade utiliza materiais bilíngues ou produzidos com base nos contextos locais. Há carência de livros, conteúdos audiovisuais e outros recursos desenvolvidos por e para indígenas.

 

  • Déficit na formação docente: grande parte dos professores que atuam nessas escolas não têm formação específica para lecionar em contextos interculturais. Faltam políticas públicas consistentes para formar, capacitar e valorizar professores indígenas, tanto em nível médio quanto superior. Há iniciativas em universidades federais, mas elas ainda não alcançam a totalidade dos territórios.

 

Sugestões de pauta

 

  • O que diz o orçamento municipal sobre educação indígena?

 

  • A existência de programas de formação de professores indígenas.

 

  • Como são desenvolvidos os materiais didáticos?

 

Território, mobilidade e crise climática

 

O acesso à educação escolar indígena está diretamente vinculado à garantia dos territórios tradicionais. A violação das terras impacta a permanência dos estudantes nas escolas, a oferta de ensino diferenciado e o próprio funcionamento das instituições. Além disso, a crise climática tem tornado ainda mais difícil a mobilidade de crianças e jovens em comunidades isoladas: secas severas, enchentes prolongadas e longas distâncias afetam o transporte escolar e a frequência às aulas.

 

Ao mesmo tempo, os saberes indígenas oferecem respostas fundamentais ao enfrentamento das mudanças climáticas. Com modos de vida que integram natureza e cultura, os povos originários mantêm práticas de cuidado com a terra que se contrapõem à lógica predatória do extrativismo e da monocultura.

 

Esse cenário ganhou destaque em janeiro de 2025, quando lideranças indígenas ocuparam a Secretaria de Educação do Estado do Pará, em Belém. O protesto foi uma resposta à aprovação da Lei Estadual 10.820/2024, que previa o ensino remoto para comunidades indígenas. A medida foi considerada um retrocesso por diversas organizações, que denunciaram a falta de consulta às populações envolvidas. 

 

Sugestões de pauta

 

  • Como as comunidades têm lidado com o acesso à escola em regiões impactadas por eventos extremos?

 

  • A exclusão digital em escolas indígenas e seus efeitos no ensino remoto.

 

  • Lideranças indígenas e sua visão sobre a relação entre educação e clima.

 

Dicas para a cobertura jornalística

 

Conheça a realidade local

Antes de entrevistar fontes ou escrever sobre educação indígena, pesquise a realidade dos povos daquela região. Quais povos vivem ali? Há escolas específicas? Que línguas são faladas? Qual o contexto histórico do território? Consulte mapas, dados do Censo e associações indígenas locais.

 

Apure a territorialidade

A escola indígena é uma extensão do território e da cultura. Entenda como a ocupação, o acesso a recursos, a demarcação de terras e a presença (ou ausência) do Estado afetam diretamente a experiência escolar. Ao apurar sobre fechamento de escolas, transporte, evasão ou currículo, investigue também os impactos sobre o território.

 

Evite generalizações e estereótipos

Não utilize termos genéricos como "índios", "tribos" ou "a cultura indígena". Prefira os nomes dos povos. Considere a pluralidade cultural, linguística e cosmológica existente. Evite imagens de indígenas estereotipados com cocares ou nus — privilegie o cotidiano das escolas, a presença das crianças, professores e lideranças locais.

 

Construa materiais com escuta ativa

O tempo das comunidades não é o tempo da redação. Combine entrevistas com antecedência, respeite as lideranças, e os modos de vida das comunidades. Seja transparente sobre a pauta e o destino da reportagem. Ouça com atenção, sem pressuposições, e valorize as falas no idioma original quando possível.

 

Use e valorize fontes indígenas

Priorize vozes de professores(as), estudantes, lideranças e pesquisadores(as) indígenas. Quando recorrer a fontes institucionais (governos, ONGs, universidades), busque também os posicionamentos das comunidades envolvidas.

 

Verifique orçamentos e dados públicos

Consulte orçamentos estaduais e municipais (no SIOPE, SIOP ou portais de transparência) para verificar quanto é destinado à educação indígena. Busque dados no Censo Escolar (Inep), IBGE, e sistemas estaduais de educação. Verifique se há recursos para infraestrutura, formação docente, alimentação escolar e transporte.

 

Explore marcos legais e políticas públicas

Conheça os dispositivos legais (Constituição, LDB, Plano Nacional de Educação) e diretrizes da educação escolar indígena. Verifique se o município cumpre a Lei 11.645/2008 e se participa de programas como o Compromisso Criança Alfabetizada ou projetos regionais de formação bilíngue.

 

Acompanhe mobilizações e denúncias

Esteja atento às ações das comunidades para manter suas escolas ativas, denunciar retrocessos ou reivindicar melhorias. Siga os comunicados da APIB, COIAB, organizações locais e perfis de educadores indígenas nas redes sociais. Cubra protestos, assembleias e audiências públicas.

 

Valorize experiências de sucesso

Nem toda pauta precisa focar em escassez. Dê espaço a experiências pedagógicas bem-sucedidas, projetos de autonomia curricular, produção de livros bilíngues, uso da oralidade e saberes tradicionais em sala de aula.

 

Glossário

 

  • Educação escolar indígena - Ensino institucionalizado dentro dos territórios indígenas, com respeito à cultura e língua.
  • Interculturalidade - Articulação de saberes indígenas e não indígenas em diálogo.
  • Bilíngue/multilíngue - Uso das línguas indígenas e do português na educação.
  • Territorialidade - Relação educativa que parte do território como lugar de saber.
  • Decolonialidade - Proposta que rompe com as estruturas coloniais de poder e saber.
  • Modos de vida - São as formas práticas e cotidianas pelas quais as comunidades vivem. Como organizam sua sobrevivência, trabalho, alimentação, moradia, relações familiares e sociais, rituais e hábitos diários. São as expressões concretas e práticas da cultura na vida diária.
  • Cosmovisão - É a forma como os povos originários entendem e se relacionam com o mundo. Ela reúne saberes, práticas e valores que orientam a vida em comunidade, o vínculo com a natureza e a organização do cotidiano. Mais do que um conjunto de crenças, é uma lógica própria de existência, que integra o espiritual, o coletivo e o ambiental em uma mesma experiência de vida.
  • “Índio” ou indígena - O termo “índio” surgiu de um erro geográfico: ao chegar ao continente americano em 1492, Cristóvão Colombo acreditou ter alcançado as Índias e assim nomeou, de forma genérica, os povos que ali viviam. Nenhum povo indígena, no entanto, se autodenomina “índio”, cada um possui nome, língua e identidade próprios. A partir da década de 1970, o movimento indígena passou a adotar o termo “indígena” como identidade coletiva e política, capaz de unificar lutas e reforçar os direitos dos povos originários do Brasil.
  • Etnia - Grupo formado por pessoas que compartilham identidade, origem comum, tradições culturais, língua e vínculo com um mesmo território.
  • Parente - Expressão usada entre indígenas para se referirem uns aos outros, mesmo quando pertencem a povos diferentes ou não compartilham laços de sangue.
  • Povos isolados - São aqueles que mantêm pouco ou nenhum contato com a sociedade não indígena. Eles vivem em áreas remotas, preservando seus modos de vida, culturas, línguas e tradições de forma autônoma, sem influência externa direta.
  • Povo indígena - Com sentido muito semelhante ao de etnia, indica uma população que se determina sob um nome (etnômio) e que compreende ter um território, origem, história e aspectos culturais específicos. 
  • Terra indígena - Espaço territorial historicamente ocupado por um ou mais povos indígenas. Segundo a Constituição, são aquelas “por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.  

 

 
 

Fontes de referência


 

 
 
Baixe aqui a versão em pdf deste material.
 
 
Tem mais sugestões e indicações sobre este tema? Escreva para contato@jeduca.org.br

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