Todo repórter sabe que um bom punhado de dados ajuda qualquer matéria. Mas se eles vêm desorganizados, sem tempo para análise, ou ainda resumidos por quem pretende divulgar só o que lhe interessa, nem sempre o resultado jornalístico vai ser bom. Por isso, o embargo, com acesso antecipado a estudos e a resultados de avaliações, contribui muito para qualificar as reportagens de educação.
A prática, no entanto, ainda não funciona tão bem no país. Recentemente, divulgações feitas pelos governo federal e estaduais deram pouco tempo para os repórteres analisarem os materiais ou não continham as informações brutas. Nas divulgações embargadas, o ideal para o jornalista é receber todos os dados provenientes do estudo ou avaliação. E não apenas arquivos de power point, por exemplo, com esquemas e destaques feitos pelos assessores que elaboraram o material. Isso aconteceu nas últimas divulgações da ANA (Avaliação Nacional de Alfabetização) e do Censo da Educação Básica, por exemplo.
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), maior produtor de dados sobre educação básica e superior no Brasil, reconhece a necessidade de tornar “mais amigáveis” as informações que divulga.
O Inep reativou a divulgação com embargo no segundo semestre de 2016, depois de uma mobilização da Jeduca pela divulgação antecipada do Enem por Escola e do Censo da Educação Superior.
Embora não exista dúvida sobre a relevância do embargo para a melhoria da qualidade da cobertura de educação, a divulgação antecipada tem algumas barreiras, diz o coordenador da Assessoria de Comunicação Social do Inep, Alexandre Retamal Barbosa. O tempo da política nem sempre coincide com o da mídia, afirma. Ou seja, os arranjos do cenário político ou o receio de uma repercussão negativa interferem na agenda de divulgação.
“Às vezes, não conseguimos divulgar antecipadamente para os jornalistas, mas sempre divulgamos os dados quando ficam prontos e realizamos entrevistas coletivas com técnicos”, diz. Em contrapartida, Barbosa faz uma ressalva: “Os jornalistas questionam quando não há embargo ou quando os dados são disponibilizados em cima da hora, mas não levam em conta quando conseguimos antecipar os resultados, como ocorreu este ano com o Encceja [Exame Nacional para Certificação de Competências para Jovens e Adultos].”
A OCDE (Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico), responsável pelo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, na sigla em inglês), adota as divulgações com embargo há mais de 30 anos. Segundo Spencer Wilson, oficial de Comunicação da OCDE, os embargos têm mais vantagens do que problemas. “É raro um desrespeito a um embargo, mas, quando isso ocorre, conversamos com o editor ou o repórter e pedimos uma explicação. Dependendo da gravidade, determinamos uma suspensão que varia de um a seis meses.”
A OCDE envia um aviso sobre o lançamento aos jornalistas de seu mailing, com sete dias de antecedência. Eles podem pedir uma cópia do material, enviado 24 horas antes do lançamento oficial. Segundo Wilson, o embargo é uma maneira de garantir que todos os jornalistas interessados tenham acesso à divulgação, evitando o favorecimento de alguns em detrimento de outros e colaborando para a ampla difusão de informações de interesse social.
Para o presidente da Jeduca, Antônio Gois, é essencial que os jornalistas tenham acesso aos dados educacionais com antecedência, para melhor apresentar ao público uma análise dos indicadores do Inep. “O embargo foi uma das primeiras demandas da Jeduca e é uma conquista da associação, mas sabemos que ainda há muito a melhorar.”
O modelo ideal, diz Gois, é o dos embargos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que entrega os relatórios com 48 horas de antecedência aos jornalistas, quase sempre com a oportunidade de conversa com os técnicos que produziram os dados. “A Jeduca vai intensificar as conversas com o Inep e o Ministério da Educação para que as divulgações sejam feitas com antecedência e qualidade”, afirma.
De acordo com Barbosa, o Inep está desenvolvendo uma plataforma acessível para abrigar todas as bases de dados sobre educação básica e superior. O lançamento está previsto para o primeiro semestre deste ano. “Vamos começar com o Censo Escolar de 2017 e progressivamente incluiremos as outras bases”. A promessa é que até 2020 todas as informações educacionais produzidas pelo Inep, inclusive os microdados, estejam disponíveis na nova plataforma.
O jornalismo regional
Quem trabalha fora do eixo São Paulo-Rio de Janeiro-Brasília enfrenta outras dificuldades para obter as informações de que precisa. “Nem sempre o MEC divulga os dados regionais. Isso sempre foi assim e é muito grave para quem não está em Brasília. Os correspondentes priorizam a pauta política e raramente podem ir a uma entrevista coletiva sobre educação”, afirma Ângela Chagas, repórter da Rádio Gaúcha e Zero Hora em Porto Alegre (RS).
Ângela conta que já teve de entrar no ar para anunciar resultados de levantamentos oficiais tendo em mãos apenas os dados nacionais. “Isso é muito ruim. No Rio Grande do Sul, as pessoas têm uma cultura de acompanhar o Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] e as avaliações, até porque o desempenho do estado tem piorado. Então, quando o MEC anuncia novos resultados, todo mundo quer saber quais são os dados locais”, diz.
Mesmo quando as informações estão disponíveis, geralmente há pouco tempo para analisá-las, o que aumenta o risco de errar ou de perder o melhor enfoque, comenta a jornalista.
Competição x aprofundamento
Nesse cenário em que predominam o volátil e a busca frenética por novos fatos, o embargo é visto como possibilidade de trazer novas angulações e aprofundamento ao material. Mas nem sempre é assim. Não raro, nesse universo competitivo, ele não é só ignorado, como também objeto de controvérsias.
“Os embargos muitas vezes esbarram na cultura de exclusividade da imprensa. Às vezes, os jornalistas querem se diferenciar na divulgação de um tipo de informação que não deve ser exclusiva, por exemplo, quando há dados novos envolvidos”, analisa o economista Ernesto Faria, diretor executivo do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional). Para ele, a busca pelo furo é equivocada quando se trata de informações de interesse público, que colaborem para o debate educacional.
Outra questão na qual os jornalistas esbarram é o acesso e a análise dos dados, algo nem sempre simples. Alguns grandes veículos, como a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, já têm núcleos especiais, com profissionais especialistas em programação, para analisar grandes massas de dados.
A jornalista Thays Lavor, freelance em Fortaleza (CE), conta que já enfrentou dificuldade para conseguir uma informação simples, como o número de matrículas em um município. “A informação estava disponível nos microdados do Inep, que eu não conseguia acessar porque estava sem o software adequado. A apuração acabou ficando truncada.”
Como nem sempre é fácil acessar os bancos de dados e no dia a dia há pouco tempo para se aprofundar nos estudos e relatórios, o jornalista tende a se limitar às informações disponíveis em releases. Ou recorre às plataformas online, que nem sempre contêm a informação desejada e acaba moldando suas pautas pelo que há disponível.
“Outra dificuldade é que os sistemas mudam”, aponta Thays. “Houve períodos em que o Inep permitia download. Agora, algumas plataformas permitem acesso aos dados e comparações, mas não é mais possível baixar o resultado da análise ”, complementa. “Eu ainda consigo extrair informações porque conheço técnicas para isso, mas e o restante da população? E os jornalistas que não sabem?”, questiona.