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Desigualdade é ponto de atenção na cobertura de educação em tempo integral

Com a sanção da lei que cria o programa do MEC, é importante acompanhar como será a implementação nos estados e municípios, a fim de assegurar o aumento das matrículas e melhoria das condições de oferta

02/08/2023
Marta Avancini

(Com apuração de Isabella Siqueira)

 

O MEC (Ministério da Educação) oficializou nesta segunda-feira (31/7) o programa Escola em Tempo Integral, por meio de sanção da Lei 14.640/2023O programa foi anunciado em maio, mas precisou passar pelo Congresso para viabilizar a liberação de recursos aos estados e municípios para sua implementação.

 

Os detalhes da iniciativa ainda não foram anunciados, pois serão definidos após um ciclo de seminários nas cinco regiões. Os debates começam em Cuiabá (MT), nos dias 3 e 4. Haverá transmissão pelo YouTube do MEC

 

O objetivo anunciado é investir R$ 4 bilhões para ampliar a oferta de jornada em tempo integral. Até 2024, a meta é aumentar em 1 milhão o número de matrículas no formato, chegando a 3,2 milhões em 2026.

 

A intenção é avançar no cumprimento da Meta 6 do PNE (Plano Nacional de Educação): 50% das escolas públicas devem oferecer ensino em tempo integral de forma a atender pelo menos 25% dos estudantes da educação básica neste formato até 2024 - mas os dados do censo revelam que estamos distantes desta meta.

 

Embora seja um avanço, há críticas quanto à ausência de definição sobre as etapas prioritárias para implementação e critérios mínimos a serem cumpridos pelas escolas, na avaliação do Todos pela Educação.

 

O cenário atual

O Censo Escolar 2022 revela que o país está distante de cumprir esta meta, embora as matrículas em tempo integral estejam aumentando na rede pública. 

 

Nos últimos cinco anos, a alta foi de 9,9%, fazendo com que a proporção de alunos em tempo integral na educação básica passasse de 10,5% para 20,4% do total de matrículas em 2022 (47,4 milhões de estudantes).

 

Os dados por etapa mostram que nos anos iniciais do ensino fundamental 11,4% dos alunos estudam em tempo integral e, nos anos finais do ensino fundamental, 13,7%. No ensino médio, o Censo indica que 20,4% dos alunos da rede pública estudam em tempo integral, contra 9,1% na rede privada. Em 2019, eram 12% e 6,3%, respectivamente. 

 

Considerando a educação básica, as matrículas em tempo integral correspondem a 16,9% dos 47,7 milhões de alunos. Ou seja, uma minoria de estudantes têm acesso ao formato.

 

A análise por escola indica que 50,7% das cerca de 178 mil  escolas não possuem nenhum estudante em tempo integral. Nos últimos anos, diminuiu a quantidade de escolas que oferecem tempo integral: eram 44,6% em 2015 (a maior porcentagem na década) e em 2020, 29,5%, segundo o OPNE (Observatório do PNE).

 

A atual política tem, então, que recuperar perdas nos últimos oito anos e avançar aos níveis de oferta projetados pelo PNE até 2026 -  o que ajuda a dimensionar o tamanho do desafio. 

 

Tempo integral x  educação integral 

É importante ficar atento à diferença entre educação em tempo integral  e educação integral. A primeira se refere ao tempo em que o aluno permanece na escola em atividades didáticas e formativas - 7 horas ou mais, segundo a definição do MEC.

 

Já a educação integral é definida na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) como aquela que, independente da jornada escolar, se compromete com uma formação que abrange diferentes dimensões do indivíduo e está conectada com as necessidades, possibilidades, interesses dos estudantes e com os desafios da sociedade contemporânea.

 

O programa do MEC se estrutura na ampliação da carga horária, com o objetivo de melhorar as condições de ensino e a aprendizagem.

 

Desigualdades

Além de avançar significativamente nas matrículas a fim de atingir as metas anunciadas, será necessário equacionar grandes desigualdades de oferta. Estados como o Ceará e Pernambuco, por exemplo, já têm uma trajetória na educação em tempo integral.

 

O Ceará é o estado com maior número de estudantes em tempo integral no ensino fundamental (41%) - em contrapartida, o Amapá possui 2,2%. No ensino médio, Pernambuco é o estado que mais atende alunos em tempo integral (62,5%), enquanto no Paraná são 4,4%. Os dados são do Censo Escolar 2022.

 

Pesquisas e evidências

Estudos indicam que existe uma associação entre a oferta em tempo integral e o desempenho no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica): as escolas de ensino médio em tempo integral tiveram média de 4,7 no Ideb 2021, enquanto a média das escolas de ensino médio regular foi de 4, de acordo com análise do Instituto Sonho Grande. O bom desempenho no Ideb das escolas em tempo integral está associado à aprendizagem e a taxas de aprovação mais elevadas.

 

O ensino em tempo integral aumenta a probabilidade de o estudante ingressar na educação superior  - 63% contra 46% nas outras escolas, aponta pesquisa do Learn/FGV (Laboratório de Pesquisa e Avaliação em Aprendizagem da Fundação Getúlio Vargas) e Instituto Sonho Grande.

 

Outro estudo, do Itaú Social, indica que a educação em tempo integral pode reduzir as desigualdades de tempo de aprendizagem entre estudantes ricos e pobres.  Numa escola regular - 900 horas/ano -, a discrepância pode chegar a 7,9 anos ao final da educação básica. Numa escola em tempo integral, ela cai para 3,9.

 

Um aspecto importante de se levar em conta é a abrangência da oferta de ensino em tempo integral nas redes de ensino - se o modelo for implementado em poucas escolas, pode amplificar as desigualdades internas do sistema.

 

Outro aspecto que potencializa desigualdades internas são as discrepâncias infraestrutura, como mostra estudo da Repu (Rede Escola Pública e Universidade) sobre o PEI (Programa Ensino Integral) da rede estadual de São Paulo. 

 

Os dados da Repu também sinalizam para o fechamento de turmas nas escolas de tempo integral, sobretudo no período noturno, o que dificulta o acesso dos estudantes que trabalham à escola, pois eles são redirecionados a unidades de mais difícil acesso.

 

Uma linha de pesquisa envolvendo a educação em tempo integral é sua associação com a melhoria de indicadores de segurança pública (por exemplo, redução de homicídios de jovens em Pernambuco) e impactos positivos na empregabilidade e na renda. O primeiro estudo é assinado pelo Instituto Natura e, o segundo, pelo Centro de Evidências da Educação Integral, parceria entre o Insper, Instituto Natura e Instituto Sonho Grande. 

 

Pontos de atenção

  • O aumento da carga horária exige ajustes na base para a ampliação das atividades escolares - ou seja, é preciso melhorar a infraestrutura das escolas, contratar professores e outros profissionais, além das adequações pedagógicas. É preciso acompanhar todos esses aspectos tanto no desenho quanto na implementação.

 

  • Outro ponto relacionado à expansão da carga horária é que ela pode ser um impeditivo para estudantes que trabalham permanecerem na escola. O programa do MEC prevê a oferta de bolsas para assegurar a permanência dos estudantes, que é outro ponto que merece atenção. Como esses programas vão funcionar e quais serão os critérios adotados para distribuir os recursos?

 

  • É importante ficar atento aos critérios de seleção ou adesão das escolas que farão parte do programa.

 

  • Em várias partes do Brasil existem programas de educação em tempo integral, que podem ser fonte de reportagens para ajudar compreender os desafios e os avanços que esse tipo de iniciativa possibilita.

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