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Direito à educação é pano de fundo do debate sobre homeschooling

Papel do Estado e da família na formação da criança e do adolescente, além da violência na escola são outros temas envolvidos na discussão

02/06/2021
Demétrio Weber, Especial para a Jeduca

Enquanto a Câmara dos Deputados debate um projeto de lei (PL 3.179/2012) para regulamentar o ensino domiciliar ou homeschooling no Brasil, a Jeduca promoveu um webinário para aprofundar e contextualizar a discussão sobre o tema, com o objetivo de colaborar com a cobertura jornalística.

 

Sob o título "Homeschooling: o modelo e o direito à educação", o webinário contou com a participação do professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Carlos Roberto Jamil Cury, do professor titular aposentado da FE-USP (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo) Romualdo Portela e da presidente do Instituto Livre pra Escolher, Anamaria Camargo. O jornalista e diretor da Jeduca Antônio Gois foi o mediador.

 

O projeto em tramitação na Câmara dos Deputados prevê, entre outros pontos, que as crianças atendidas no ensino domiciliar não precisam frequentar a escola, mas terão que se matricular em uma instituição escolar. Além disso, os conteúdos oferecidos terão de ser alinhados à BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e um dos pais precisa ter formação de nível superior.

 

Além deste projeto em nível federal, existem propostas de regulamentação do ensino domiciliar tramitando em pelo menos nove capitais e quatro estados: entre as capitais estão Curitiba, Rio de Janeiro, Goiânia, Natal, Porto Alegre, Manaus, Fortaleza, São Luís e Belo Horizonte. Entre os estados estão Paraná, Rio de Janeiro, Goiás e a Bahia.

 

O Distrito Federal foi a primeira Unidade da Federação que regulamentou o ensino domiciliar, em dezembro de 2020. Já o Conselho Estadual de Educação de São Paulo se antecipou a uma eventual aprovação do projeto em tramitação na Câmara e criou uma série de regras para o modelo no estado.

 

A regulamentação do ensino domiciliar é apontada como uma das prioridades do governo Bolsonaro na área da educação. A expectativa do governo é que o projeto seja aprovado ainda no primeiro semestre de 2021. Mesmo antes de o projeto ser votado na Câmara, o MEC (Ministério da Educação) divulgou uma cartilha sobre o tema.

 

A Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar) estima que cerca de 15 mil famílias sejam adeptas desse modelo no Brasil. No mundo, ele é reconhecido, permitido ou regulamentado em mais de 60 países, de acordo com a associação.

 

O debate sobre o ensino domiciliar envolve diversos aspectos relacionados ao direito à educação, ao papel da escola na sociedade, à formação das crianças e adolescentes e à violência na escola. Confira, a seguir, alguns dos principais tópicos enfocados no webinário:

 

Histórico

Se aprovado pelo Congresso, o ensino domiciliar não será novidade no ordenamento jurídico brasileiro, informou Carlos Roberto Jamil Cury.

 

Já no século 19, segundo ele, essa modalidade estava prevista em reformas educacionais do período do império. No século 20, o ensino no lar fez parte de mais de uma Constituição, começando na de 1934 e na de 1946. De acordo com Jamil Cury, o espaço ocupado pelo ensino domiciliar na sociedade brasileira refletia o perfil demográfico predominantemente rural até os anos 1970.

 

A Constituição de 1988, reflexo de um país urbanizado que queria se redemocratizar, não tratou de homeschooling. Jamil Cury observa que a atual Constituição estabelece um "elo de solidariedade" entre a família e o Estado na garantia do direito à educação. "O eixo em 1988 era cidadania e democracia, por isso, crianças e adolescentes na escola", concluiu ele.

 

Em 2018, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que, segundo a legislação atual, o homeschooling não seria inconstitucional, mas, por não estar previsto na legislação brasileira e pelo fato de que a educação deve ocorrer em parceria entre família e Estado, sua implementação dependeria de lei específica para ser permitido.

 

Estado versus família

Na origem do debate sobre o ensino domiciliar estão visões distintas sobre o papel da família e do Estado na construção da sociedade por meio da educação, o que perpassa o direito à educação.

 

De um lado, Romualdo Portela defendeu que o direito à educação é da criança. Logo, segundo ele, não deve ser prerrogativa da família decidir se uma criança vai ou não frequentar a escola, pois a educação é direito de todo ser humano e cabe ao Estado garanti-lo.

 

Em contrapartida, Anamaria Camargo disse concordar com a ideia de que a criança é o sujeito da educação. Porém, defendeu que cada família possa decidir onde se dará a educação dos filhos até o término do ensino fundamental – faixa etária em que, na opinião dela, os adolescentes já têm condições de ter a liberdade de escolher entre o ensino domiciliar ou frequentar uma escola.

 

O papel da escola

Por que o direito à educação deve necessariamente ser efetivado na escola e não no lar? De acordo com Portela, porque a escola possibilita a convivência com pessoas e pontos de vista diferentes, algo indispensável para a formação de cidadãos aptos a viver em uma sociedade plural na medida em que é um espaço de convivência com a diversidade.

 

Para Anamaria, um problema da escola é a dificuldade de dar conta das necessidades dos estudantes: os que aprendem mais rápido não receberiam os estímulos necessários e os que necessitam de suporte, acabam ficando para trás. Seu argumento se baseia na tese de doutorado “Ensino em casa no Brasil: um desafio à escola?”, de Luciane Barbosa, que entrevistou pais adeptos do ensino domiciliar.

 

Violência na escola

A presidente do Instituto Livre pra Escolher considera que existe uma “certa romantização” que ignora a violência no ambiente escolar. Ela mencionou enquete do DataSenado em que 77% dos participantes teriam apontado o bullying como motivo para optar pelo ensino domiciliar.

 

Portela contrapôs admitindo que a escola pública tem problemas, mas que a opção pelo homeschooling sob o argumento de que a escola é intolerante e pouco plural não faz sentido, pois a família é um ambiente menos diverso do que a escola. E contestou também a citação de uma enquete online como evidência científica.

 

Perfil dos adeptos à educação domiciliar

Portela relatou que faltam dados sobre o perfil das famílias que praticam a educação domiciliar no Brasil. Nos Estados Unidos, segundo ele, a pesquisa está mais avançada. Tomando por base um artigo de Elizabeth Bartholet, da  Universidade Harvard, ele afirmou que 90% dos pais que praticam a educação domiciliar nos Estados Unidos são fundamentalistas religiosos.

 

Jamil Cury, que já foi membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), contou que conversou com famílias vinculadas ao ensino domiciliar, antes de o CNE aprovar um parecer sobre o tema no ano 2000, a partir de uma demanda de um casal que queria educar os filhos em casa. Segundo ele, ficou evidente à época a preocupação das famílias com valores religiosos.

 

Anamaria, por sua vez, discordou quanto à preponderância de questões religiosas como fator que leva à opção pelo ensino domiciliar e questionou a metodologia da pesquisa de Bartholet, citada por Romulado. Para ela, os pais buscam, na verdade, prover uma educação alinhada com as individualidades dos filhos, ensiná-los a ser autodidatas, proporcionar um ambiente que seja seguro. Nos EUA, segundo ela, famílias negras têm aderido ao homeschooling para poder priorizar o ensino de história e cultura afro-americana (veja aqui estudo citado por ela).

 

Saiba mais:

Audiências públicas realizadas pela Câmara dos Deputados abordando os pontos de vista a favor e contra e experiências internacionais.

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Site da Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar).

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Homeschooling híbrido — o caminho para a diversidade educacional, artigo de Anamaria Camargo, publicado no site do Instituto Libercracia.

 

Dossiê Homeschooling e direito à educação, organizado por Romualdo Portela e Luciane Barbosa na revista Pro-Posições, da Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

 

Educação escolar e educação no lar: espaços de uma polêmica, artigo de Jamil Cury, publicado na revista  Educação e Sociedade.

 

Posicionamento da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação).

 

Manifesto da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, assinado por mais de 350 entidades da área da educação.

 

Posicionamento do Todos pela Educação.

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