Num contexto de intensificação da pandemia de Covid-19 e em que a plena retomada das aulas presenciais não se coloca no horizonte, o ensino híbrido ganha força como alternativa para possibilitar a continuidade da aprendizagem dos estudantes. Embora se fale muito sobre essa abordagem, há uma série de confusões conceituais em torno dela.
Esse foi um dos temas de debate do webinário “Ensino híbrido: oportunidades e desafios da abordagem pedagógica”, realizado pela Jeduca no dia 2 de dezembro, com Lilian Bacich (Instituto Singularidades), Maria Luiza Süssekind (UniRio, ANPEd e Fórum Nacional Popular de Educação) e Grabriela Néspoli (Fundação Lemann) - que substituiu Lucas Rocha. A mediação foi da jornalista Tatiana Klix (Porvir e diretora da Jeduca). Assista ao webinário na íntegra aqui.
Entre os pontos de interesse da cobertura, destacamos:
O conceito de ensino híbrido
É uma abordagem pedagógica que envolve momentos/atividades presenciais e a distância. As atividades devem ser complementares, de modo a favorecer o desenvolvimento do estudante, a personalização da aprendizagem e a promoção de sua autonomia. O ideal é que as atividades a distância sejam online, mas não é obrigatório que seja assim.
“No ensino híbrido, o conteúdo presencial precisa estar alinhado ao conteúdo remoto, online de preferência. Dentro desse contexto, é possível ter várias abordagens: projetos, rotação por estações, sala de aula invertida. São várias as metodologias. Mas a abordagem é conectar o que o aluno faz online com o que ele faz presencialmente”, explica Lilian Bacich.
Nesse sentido, Lilian diferencia o ensino híbrido da educação a distância e do ensino remoto, difundido durante o isolamento social. “No contexto da pandemia e do ensino remoto, têm surgido algumas confusões”.
A educação a distância é uma modalidade prevista em lei, que possui uma organização e uma estrutura de funcionamento específicas, que envolvem conteúdo pedagógico elaborado especialmente para atender a este formato.
O ensino remoto é um formato implantado no contexto da pandemia em que o aluno não frequenta a escola e as aulas são entregues em diferentes formatos (online em ambientes virtuais de aprendizagem, via TV, rádio, WhatsApp e impressos). Neste caso, a aula acontece remotamente, longe do espaço físico da escola.
“O ensino híbrido envolve o retorno presencial, mesmo que parcialmente, em pequena escala”, reitera Lilian.
Desse modo, uma aula dada para estudantes que estão na sala de aula e transmitida ao vivo não é ensino híbrido, exemplifica ele: “Não é ensino híbrido porque não envolve essa articulação entre o que o aluno faz na presencialmente e a distância. É só ouvir a mesma aula em dois ambientes distintos”.
Então, um aspecto essencial na definição de ensino híbrido, é a estabelecer a conexão entre o presencial e o híbrido, unindo as vantagens dos dois meios.
“Quando faz a conexão, torna-se possível a personalização. Ou seja, o que o aluno fizer remotamente oferece informações para que o professor perceba suas dificuldades e as facilidades. A aula presencial é mais qualificada porque o professor conhece o que cada um precisa. O aluno pode assistir um vídeo no tempo dele, quantas vezes ele quiser. Responde à atividade e com essa resposta, melhora e potencializa o presencial. Junta o melhor dos dois mundos”.
O risco da padronização
Maria Luiza Süssekind enfatizou que o ensino híbrido pode ser uma alternativa, pensando na qualidade social. No entanto, para que isso aconteça o ensino híbrido – assim como o currículo – deve dar visibilidade às comunidades escolares.
“Há oportunidades de nos colocar mais em rede, de fazer mais troca. O ensino híbrido pode ser uma oportunidade de discutir a redução da presencialidade, dando visibilidade ao chão da escola, ao currículo como um espaço-tempo de criação didática e de conteúdo de maneira permanente”, reitera Maria Luiza.
No entanto, o uso atual do ensino híbrido no processo de implementação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) nem sempre dá margem a isso, na opinião de Maria Luiza. “É preciso negar qualquer possibilidade de transformar a escola em produto, em negócio”, argumenta ela referindo-se à processos de comercialização de metodologias ligadas ao ensino híbrido por parte de empresas, descoladas da realidade local.
“É preciso fazer a defesa dos projetos político-pedagógicos locais. O currículo é um espaço de negociação com as comunidades escolares e de autonomia na formação da pessoa”.
Segundo ela, nos últimos anos tem havido um processo de “redução do currículo”, com a exclusão das pautas de gênero por exemplo, bem como um aumento da tendência mercadológica nesse campo, num processo que ela entende como sendo de alinhamento do “Estados com a agenda do mercado”, por meio de uma ênfase no desenvolvimento de competências e habilidades instrumentalizantes em detrimento do desenvolvimento para a cidadania.
Os desafios da infraestrutura
Para Gabriela Néspoli, o ensino híbrido traz a possibilidade de ampliar o leque possibilidades de ensino e aprendizagem oferecidas e praticadas nas escolas públicas brasileiras, abrindo margem à personalização do ensino. “Este é um dos principais benefícios”, avalia Gabriela com base na experiência da Fundação Lemann na implantação de projetos de ensino híbrido.
Ao mesmo tempo, Gabriela chamou a atenção para os desafios, especialmente em relação às condições estruturantes que permitem a prática do ensino híbrido com qualidade, na escola pública.
Outro ponto destacado por Gabriela é a formação de professores para a oferta de ensino híbrido, a fim de que sejam capazes de estruturar suas atividades.
Esses pontos, explica ela, devem ser vinculado a um plano de ação que envolva visão de ensino que será praticado, diagnostico dos territórios, formação necessária para professores, recursos disponíveis e infraestrutura que é um grande desafio. “É muito importante ter uma visão de como enfrentar momento não presencial das aulas”.