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Alice Vergueiro/Jeduca

Entenda lei chilena que exige gratuidade na universidade pública

Jornalista chilena Elisabeth Simonsen conta em entrevista como o movimento estudantil foi hábil em construir uma narrativa que deu rosto a famílias endividadas pelo alto custo das universidades do país

14/02/2018
Marta Avancini

Da Newsletter da Jeduca

 

Em 24 de janeiro, o Congresso chileno aprovou, quase que por unanimidade, a gratuidade no ensino superior público do país. Diferentemente do que ocorre no Brasil, as universidades públicas chilenas cobravam mensalidades e os valores estavam entre os mais altos do mundo.

 

A notícia não foi repercutida pela grande imprensa brasileira. Carta Educacão publicou matéria sobre o tema e a Agência Brasil reproduziu uma nota da agência de notícias EFE relatando o resultado da votação. O assunto também foi tema de artigos assinados por pesquisadores e professores universitários, como os publicados no blog Justificando, da Carta Capital, e no Jornal da Unicamp.

 

Ambos analisaram a medida fazendo comparações com a recomendação feita pelo Banco Mundial para que universidades públicas brasileiras passem a cobrar mensalidades. A análise fazia parte do relatório Um ajuste justo”, divulgado no fim do ano passado. O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S.Paulo deram matérias sobre o estudo.

  

A gratuidade do ensino superior público no Brasil é um tema complexo e frequentemente aparece no noticiário, principalmente em tempos de crise econômica. O debate envolve visões diferentes sobre o papel da universidade na sociedade, financiamento e desigualdades no acesso à educação.

 

No Brasil, também está diretamente relacionado a temas que podem render boas pautas, como o impacto das cotas e outros tipos de ações afirmativas nas universidades públicas, as recentes mudanças no Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) ou a nova legislação para educação a distância num cenário de queda das matrículas nos cursos presenciais.

 

A experiência da mídia chilena pode funcionar como referência para jornalistas brasileiros. Houve intenso debate no país sobre a gratuidade na educação superior, que começou em 2011 e ainda não acabou, mesmo com a aprovação da lei.

 

Na entrevista a seguir, a jornalista chilena Elizabeth Simonsen, que criou e editou a seção de educação do jornal La Tercera e atualmente é chefe de Comunicação na Universidade do Chile, traça um panorama da cobertura jornalística sobre o tema em seu país e analisa a medida no contexto do debate sobre acesso à educação superior. Elisabeth já é conhecida dos associados da Jeduca – ela participou, em junho de 2017 do 1º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, realizado pela associação em São Paulo.  

 

O tema da gratuidade na educação superior despertou o interesse da mídia chilena?

A principal reivindicação do movimento estudantil chileno de 2011 foi a gratuidade. Segundo a pesquisa CEP [Estudio Nacional de Opinión Pública] daquele ano, 52% dos entrevistados achavam que as universidades que recebiam financiamento estatal deveriam ser gratuitas para os estudantes mais vulneráveis e, além disso, 42%  acreditavam que elas deveriam ser gratuitas para todos.

 

Essa posição dos entrevistados explica-se, essencialmente, porque as universidades chilenas estavam – e ainda estão – no grupo de países da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico] com as mensalidades mais altas (comparáveis às dos Estados Unidos). As universidades privadas chilenas estão em quarto lugar entre as mais caras da OCDE e, no universo das universidades públicas, estão em segundo lugar.

 

Considerando que, em média, as tarifas cobradas pelas instituições de ensino superior chilenas são o dobro do salário mínimo, as famílias têm que recorrer a financiamentos com juros elevados para arcar com os custos dos estudos dos filhos.

 

O movimento estudantil de 2011 foi muito hábil no sentido de chamar a atenção da opinião pública para o tema. Por exemplo, fazendo flashmobs sobre o endividamento na educação. Foi criada uma página na internet na qual as pessoas contavam histórias sobre como sua família havia se endividado, como estavam hipotecando seus bens etc.

 

Foi construída uma narrativa e o endividamento ganhou um rosto. Dessa maneira, a reivindicação dos estudantes rapidamente conseguiu um amplo respaldo dos cidadãos.

 

O único debate que permanece no momento é para quem a educação superior deve ser gratuita: para todos ou somente para os mais vulneráveis? E, se for para os mais vulneráveis, até que ponto contamos quem são os mais vulneráveis?

 

Considerando os altos custos das mensalidades chilenas, somente os 10% mais ricos da população têm condições de arcar com esse custo sem muita dificuldade. E, mesmo assim, a carga é pesada para quem tem dois ou mais filhos na educação superior.

 

Qual o destaque que o tema teve? Chegou às primeiras páginas?

Desde 2011, o tema tem sido manchete nos veículos escritos, na TV e no rádio. Naquele ano, o assunto ganhou espaço na mídia e rapidamente foi incorporado ao programa de governo da atual presidente Michele Bachelet [que termina em 11 de março]. Ela estabeleceu a gratuidade como uma medida orçamentária desde o primeiro ano de governo [em 2013].

 

Em 24 de janeiro último, o governo conseguiu aprovar no Congresso a lei que consagrou a gratuidade universal  – sujeita ao crescimento econômico do país. Além disso, no segundo turno da eleição presidencial [de 2017], o presidente eleito Sebastián Piñera incorporou o tema a seu programa de governo. Com isso, a questão da gratuidade permaneceu na mídia e chegou muitas vezes às primeiras páginas.

 

Houve divergência de opinião e enfoque entre os veículos quanto à gratuidade?

Toda a imprensa escrita do Chile é de centro-direita. Os editoriais e as manchetes enfocaram, desde o início, os altos custos que a gratuidade acarretaria para o país e o déficit que geraria para as universidades afetadas.

 

Contudo, o movimento estudantil  – bastante invisibilizado sob o governo de Bachelet  – continuava a insistir na gratuidade, mas não concordava com o modelo adotado pelo governo, o que gerou dúvidas na opinião pública quanto ao fato de a gratuidade ser realmente recomendável.

 

De qualquer modo, após a aprovação da gratuidade, foram publicadas notícias sobre o excelente rendimento acadêmico e a baixa evasão dos alunos beneficiados por ela (menor que a média do sistema). Apesar disso, de maneira geral, a grande maioria mantém-se a favor da gratuidade, embora não concorde com a gratuidade universal.

 

A gratuidade já era pauta da mídia antes de 2011?

O tema do endividamento das famílias por causa dos estudos universitários dos filhos aparecia antes de 2011 na mídia, mas não explodiu porque o CAE (Crédito com Aval do Estado)  – que permitiu um amplo acesso das famílias à educação superior e a instalação de grandes universidades privadas no Chile  – começou a funcionar em 2006.

 

Em 2011, já havia os primeiros egressos, os quais tinham de arcar com taxas de juros mais altas do que as dos financiamentos imobiliários e estavam recorrendo a seus bens para quitar as dívidas com crédito estudantil. Isso explica também, em parte, porque o tema ganhou tanta força em 2011 e não antes.

 

Qual o espaço da cobertura sobre educação superior na mídia chilena?

O tema continua despertando grande interesse dos meios de comunicação, embora a maior parte das notícias seja factual: a discussão no Congresso sobre o projeto de lei, a situação financeira das universidades envolvidas na gratuidade etc. Poucos veículos fazem uma cobertura de fundo dos temas de educação.

 

Hashtag: Se você quer ter a sua matéria divulgada na Newsletter da Jeduca, publique o link nas redes sociais com a #conteprajeduca, para que possamos encontrá-la! O espaço é aberto a autores de matérias de educação, mesmo quem não é associado da Jeduca 

 

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