O afastamento de 25 diretores de escolas municipais pela Prefeitura de São Paulo em maio deste ano, justificado pelo baixo desempenho das unidades no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e Idep (Índice de Desenvolvimento da Educação Paulistana), trouxe para o debate a importância do papel da liderança escolar na educação e o impacto da gestão no aprendizado dos estudantes.
Os diretores, que foram convocados para um programa intensivo de requalificação, deveriam ficar afastados dos cargos de direção até o fim do ano letivo, conforme explica matéria publicada no jornal Estado de S.Paulo. Após pressão popular e reuniões com sindicatos, foi publicado ato normativo suspendendo o calendário previsto para o curso de formação.
Segundo matéria do Brasil de Fato, o conteúdo e duração da formação, bem como a indicação dos assistentes de direção que assumirão unidades durante o afastamento dos titulares, serão discutidos com os diretores.
Em nota técnica publicada no início de junho, a Repu (Rede Escola Pública e Universidade) avaliou que a intervenção em escolas foi arbitrária e sem critérios objetivos. De acordo com a análise, a decisão foi tomada a partir de uma mescla de dois indicadores, sem que as escolas sob intervenção tivessem resultados mais baixos da rede. Um pano de fundo para este argumento é que indicadores como o Ideb, entre outros, não são capazes de abarcar todas as dimensões da qualidade de uma escola ou da educação.
Neste material:
- A gestão escolar e o desempenho;
- A responsabilização do diretor;
- A gestão e os desafios do cotidiano escolar;
- Perfil dos diretores escolares;
- Como funciona a seleção de gestores escolares?;
- Pontos de atenção para a cobertura.
A associação do impacto da gestão escolar aos resultados de aprendizagem em testes e nos indicadores e avaliações nacionais é sugerida por estudos recentes, como:
O episódio dos diretores afastados em São Paulo levantou o debate sobre a atribuição de responsabilidade exclusivamente ao diretor por resultados insatisfatórios da escola em indicadores e avaliações nacionais.
Mesmo que o papel do gestor escolar seja relevante para o funcionamento da escola, pois é responsável por criar medidas que favoreçam bons resultados, como estratégias para melhorar o clima escolar e incentivar os professores, não é possível atribuir o mau ou bom desempenho em indicadores somente a ele. É o que explica pesquisador em matéria do Porvir.
Ao olhar para os resultados de uma escola, especialistas argumentam que é necessário considerar o contexto e o impacto da condição socioeconômica dos estudantes em avaliações de larga escala. Além disso, indicadores como o Ideb oferecem uma visão global, o que dificulta a avaliação do gestor, que é apenas um dos atores da educação.
O livro “Diretor escolar: educador ou gerente”, de Vitor Paro, professor da USP (Universidade de São Paulo), destaca que o papel da escola é possibilitar a formação humana e cidadã do educando. Nesse sentido, além de ser um administrador dos recursos, o diretor deve ser, antes de tudo, um educador, exercendo a função de mediador e facilitador da aprendizagem dos estudantes.
Para além da discussão em torno da influência da gestão escolar no desempenho, a cobertura pode aprofundar a discussão sobre o papel do diretor na educação, as políticas públicas voltadas para esses profissionais e os desafios da gestão no dia a dia escolar.
Em matéria do Estado de S.Paulo, especialista reflete que não houve construção de identidade da liderança do diretor escolar, que acaba lidando com funções administrativas financeiras e recebendo alunos em casos de indisciplina.
Além dos resultados das provas, outras variáveis que devem ser levadas em conta na avaliação do trabalho do diretor escolar são o engajamento, clima escolar, enfrentamento às desigualdades e a relação com a comunidade.
Em 2021, o CNE (Conselho Nacional de Educação) aprovou a Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar. O texto, que define diretrizes para o desenvolvimento dos diretores e parâmetros para as políticas de formação e trabalho desses profissionais, não chegou, no entanto, a ser homologado.
Para educador entrevistado em podcast do Instituto de Estudos Avançados Preto (IEA-RP) da USP, as competências de um diretor escolar devem estar alinhadas com questões pedagógicas, contábeis e financeiras, de gestão de pessoas e com a comunicação e novas tecnologias.
No contexto dos ataques a escolas e ameaças de violência no ambiente online, supervisora pedagógica consultada em matéria do Porvir destaca que a valorização de questões socioemocionais e a elaboração de soluções digitais são parte do papel do líder escolar, assim como buscar ampliar a relação e a parceria com as famílias.
Na Talis (Pesquisa Internacional de Ensino e Aprendizagem) 2018, realizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), 28% dos diretores brasileiros de escolas dos anos finais do fundamental apontam que situações de intimidação ou bullying acontecem semanal ou diariamente.
Relatório produzido pelo Instituto Unibanco destaca que a influência da gestão escolar na educação é indireta, estando relacionada a construção de contextos em que professores, estudantes e toda comunidade possam desenvolver o aprendizado de alta qualidade.
Segundo o material, as políticas de liderança escolar podem apoiar a prática de gestão, definir critérios de acesso ao cargo, desenvolver programas de qualificação profissional inicial ou continuada para os diretores, entre outras questões.
O diretor é a principal figura da liderança escolar, que também inclui o vice-diretor e o coordenador pedagógico da unidade. Em 2024, segundo o Censo Escolar, havia 190.623 gestores escolares no país, sendo 86% diretores e 14% exercendo outros cargos. A maioria dos cargos de direção escolar é ocupada por mulheres (80,6%).
O QUE DIZ A LEI?
O Artigo 64 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) estabelece que os profissionais de educação para a administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação devem ter graduação em pedagogia ou pós-graduação na área.
Já o Artigo 14 prevê que as normas de gestão democrática no ensino público sejam estabelecidas conforme a legislação dos municípios e estados e Distrito Federal.
Os meios de acesso ao cargo de diretor escolar incluem a eleição com participação da comunidade escolar, concurso público e a nomeação política e seleções mistas, ou seja, que empregam dois métodos. Segundo o Censo Escolar:
Vale lembrar que a distribuição de recursos do VAAR (Valor Aluno Ano Resultado) do Fundeb está vinculada à utilização de critérios técnicos e de desempenho para escolha dos gestores escolares. Essa mudança passou a valer com a publicação da lei nº 14.113, de 2020.
Em 2024, Carlos Moreno, diretor do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), avaliou que a mudança no Fundeb contribuiu para o aumento de diretores escolares selecionados a partir de critérios técnicos, segundo matéria do O Globo.
O PNE (Plano Nacional de Educação) determina que a escolha dos diretores escolares seja por meio de processos seletivos qualificados. A Meta 19 estabelecia que, até 2016, deveriam ter sido asseguradas condições para garantir a gestão democrática da educação.
De acordo com a estratégia 19.1 do PNE, a transferência de recursos financeiros da União deveria priorizar estados e municípios com legislações sobre gestão democrática e adotassem critérios técnicos de mérito e desempenho juntamente com a participação da comunidade escolar na nomeação de diretores.
Em matéria do Centro de Referências em Educação Integral, especialistas argumentam que um único meio de seleção é insuficiente para escolha do diretor escolar, destacando a organização de seleções mistas, como eleições com participação da comunidade de profissionais selecionados com base em critérios técnicos.
Apesar do que diz a lei e dos avanços recentes, a nomeação persiste como o principal meio de escolha de diretores. A principal crítica a nomeação política é que, por não levar em conta critérios técnicos, pode resultar na escolha de diretores não qualificados. Outras críticas incluem a influência política negativa e a falta de autonomia da escola.
Os demais métodos de seleção reúnem argumentos contra e a favor. Por um lado, a eleição direta com participação da comunidade é vista como um meio democrático de escolha. Por outro, é criticada por ter poder absoluto, na qual o eleito não pode ser contestado, e pela valorização de critérios pessoais e de relacionamento dos candidatos.
A análise de critérios técnicos é um dos argumentos a favor do concurso público, que pode ter como instrumentos de seleção: provas, análise de títulos e tempo de atuação, por exemplo.
Em contrapartida, as críticas envolvem a falta de instrumentos de seleção que avaliam a prática, a escolha de diretores que não se identificam com a comunidade escolar e a dificuldade de retorno ao cargo de professor, caso o gestor não tenha se adaptado.
Outro aspecto importante é que, para além do processo de seleção, as secretarias de educação devem garantir o suporte contínuo e a oferta de formação continuada para os gestores escolares relacionada aos desafios cotidianos da função, destaca pesquisadora em matéria do Uol.
Líderes na escola (2020) - Livro do jornalista Antônio Gois, editado pela Fundação Santillana/Moderna
Liderança escolar (2022) - Relatório produzido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)
Liderança escolar para a melhoria da educação: Contribuições para o debate público no Brasil - Relatório do Instituto Unibanco e Universidade Diego Portales (Chile)
Eficácia escolar, liderança e aprendizagem nas escolas estaduais brasileiras: uma análise multivariada em painel (2020) - Tese de Doutorado de Filomena Siqueira, da FGV (Fundação Getúlio Vargas)
Desempenho acadêmico, Índice de Liderança do Diretor e Índice de Confiança do Diretor - Artigo publicado revista Estudos em Avaliação Educacional, da Fundação Carlos Chagas
Efeitos conjuntos da liderança compartilhada e transformacional no desempenho em burocracias de nível de rua: evidências do setor educacional - Estudo da FGV EBAPE Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas)
Diretor Escolar: educador ou gerente? - Livro lançado por Vitor Paro, editado pela Cortez Editora
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