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Agência Brasil

MEC entrega hoje Base do ensino médio. Veja dicas para cobertura

Há vários pontos que podem render pautas, como a nova estrutura que só descreve habilidades específicas de 2 disciplinas, a interdisciplinaridade e a formação do professor para se adequar às mudanças

02/04/2018
Sergio Pompeu

O Ministério da Educação entregará ao CNE (Conselho Nacional de Educação) às 15 horas desta terça-feira a nova versão da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) do ensino médio. Ela foi desmembrada da parte da educação infantil e do ensino fundamental depois da aprovação, no ano passado, da reforma que flexibilizou o ensino médio.

 

O CNE agora deve discutir o documento, decidir se organizará audiências públicas para colher sugestões e aprovar ou não a Base. Não há prazo definido para essa etapa. A BNCC do infantil e fundamental, por exemplo, foi entregue ao Conselho em abril de 2017 e só aprovada em dezembro.

 

O MEC fez duas apresentações sobre o documento para o Consed (Conselho Nacional dos Secretários de Educação), em 26 de fevereiro e 12 de março. Entre uma e outra, o ministério acatou sugestões de técnicos dos estados sobre aspectos como a necessidade de padronizar nomenclaturas e a estrutura das diferentes áreas do conhecimento, para facilitar a compreensão da BNCC. No site do Consed é possível ver uma síntese das apresentações, que abordam tanto a estrutura geral da Base como a das áreas do conhecimento (link para as apresentações de fevereiro e março).

   

A Base é um documento inédito na história da educação brasileira. A que será entregue agora é condição básica para viabilizar outra iniciativa que já provocou polêmica, a reforma do ensino médio, e propõe inovações, como a interdisciplinaridade, que exigem reformulações profundas na organização das redes e no trabalho dos professores.

  

Esse contexto só torna mais desafiador o acompanhamento pelos jornalistas dos desdobramentos do debate – que pode ser ainda mais acirrado pela coincidência com o calendário eleitoral. Veja alguns pontos de atenção para a cobertura:    

 

DISCIPLINAS 

 

Hoje o ensino médio tem 13 componentes curriculares obrigatórios – língua portuguesa, inglês, espanhol (de oferta obrigatória, mas o aluno pode optar por cursar ou não a disciplina), educação física, arte, matemática, física, química, biologia, história, geografia, filosofia e sociologia. Na nova BNCC, os únicos componentes, ou disciplinas, com habilidades descritas individualmente são língua portuguesa e matemática, como adiantou Renata Cafardo em reportagem no Estadão.  

 

Isso não quer dizer que as demais disciplinas sumiram da BNCC. Elas ficaram inseridas nas áreas de conhecimento: arte e educação física em Linguagens; biologia, física e química em Ciências da Natureza; história, geografia, filosofia e sociologia em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. 

 

Com esse desenho da Base, a questão que se coloca é o peso que terão as disciplinas tradicionais dentro das áreas. Educadores temem que a sinalização dada pelo MEC leve redes de ensino e escolas a priorizar em demasia o ensino de língua portuguesa e matemática, deixando em segundo plano conhecimentos de Ciências da Natureza e Humanas essenciais para a construção da cidadania e o desenvolvimento de uma visão de mundo autônoma e crítica.

 

Um risco já apontado por especialistas é o de professores de disciplinas diluídas nas áreas de conhecimento não se “reconhecerem” na Base, o que afetaria seu grau de engajamento com as mudanças propostas.  

 

Na versão anterior da BNCC, por exemplo, educação física tinha cerca de 90 objetivos de aprendizagem. Alguns especialistas consideraram exagerado na época esse número para uma disciplina que em boa parte das escolas tem uma ou, no máximo, duas aulas por semana. De qualquer forma, como explicar agora aos professores uma eventual redução drástica das menções a educação física no novo documento sem que eles se sintam desvalorizados?

 

Por isso, é importante que os jornalistas ouçam professores sobre o texto da BNCC. E também as sociedades científicas que os representam, que podem articular posições coletivas sobre a proposta do MEC. Várias dessas entidades são associadas da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

 

Outro ponto que vale a pena esclarecer na Base diz respeito à língua inglesa. Quando anunciou a reforma do ensino médio, o MEC informou que ela seria uma disciplina obrigatória, juntamente com língua portuguesa e matemática. Mas nas apresentações feitas ao Consed não há menção a habilidades específicas para língua inglesa. 

 

INTERDISCIPLINARIDADE 

 

A aposta do MEC na interdisciplinaridade é um dos grandes pontos de interrogação da Base do ensino médio, tema já abordado em reportagem da revista Nova Escola. Isso porque não existe uma cultura interdisciplinar nas escolas brasileiras; mesmo em sistemas de ensino de alto rendimento essa é uma diretriz para qual não há uma receita pronta. Há dois anos, correu o mundo o anúncio de que os finlandeses tinham abolido o ensino por disciplinas, o que foi desmentido depois.

 

No Brasil, o discurso de que é preciso integrar os conhecimentos é antigo, mas nunca chegou de fato às escolas – com exceção de experiências isoladas, muitas delas restritas à rede particular. Os currículos sempre foram divididos em disciplinas. A formação dos professores, tanto a inicial quanto a continuada, também segue essa lógica – assim como a dos técnicos responsáveis pela elaboração dos currículos.

 

A própria dinâmica de tempos e espaços da escola não favorece a articulação dos saberes, especialmente no ensino médio. Como colocar professores em contato com colegas de outras disciplinas se eles dão aulas em horários diferentes, em vários casos alternando-se durante a semana em mais de uma escola?

 

Sem a cultura da interdisciplinaridade, muitos estados podem adotar uma estratégia intermediária: seguir a divisão por disciplinas nos currículos e investir em metodologias que estimulem o diálogo entre elas, como o ensino por projetos. "O estado que quiser pode manter a organização do currículo pelos componentes", diz o secretário de Educação de Santa Catarina, Eduardo Deschamps, presidente do CNE.

  

Outro aspecto que vale ressaltar é o da articulação da Base do ensino médio com a etapa anterior, o fundamental. O fato de a BNCC do fundamental 2 seguir a lógica da divisão por disciplinas e a do ensino médio apostar na interdisciplinaridade pode, de alguma forma, tornar mais complicada a já difícil transição entre as duas etapas? 

 

PAPEL E FORMAÇÃO DO PROFESSOR 

 

A nova estrutura da Base do ensino médio reforça o discurso a favor de uma reforma nas licenciaturas e coloca um desafio adicional, o de incentivar o trabalho em equipe, sob uma ótica interdisciplinar. 

 

Quanto ao primeiro aspecto, o governo anunciou as diretrizes gerais da Política Nacional de Formação de Professores, que prevê investimentos de R$ 2 bilhões, segundo o MEC

 

Entre os seus objetivos está o de induzir a uma formação mais voltada à atividade prática em sala de aula. Um dos instrumentos para isso está o Programa de Residência Pedagógica, para o qual o MEC anunciou a abertura de 80 mil vagas este ano – aliás, vale conferir se essa meta será cumprida.  

 

O diagnóstico feito por dirigentes do MEC, muitos secretários estaduais e especialistas, é de que os cursos atuais são excessivamente teóricos, não preparam o futuro docente para a realidade que vai encontrar nas escolas. Essa visão é criticada por professores e a acadêmicos para os quais o curso superior é o espaço por excelência da reflexão sobre o papel social e político do docente e o da educação como agente de transformação da sociedade.  

 

TRAMITAÇÃO 

 

Esse é um aspecto chave do debate sobre a BNCC no Conselho. Para analisar a Base do fundamental e da educação infantil, o Conselho realizou audiências públicas nas cinco regiões do país entre 7 de julho e 11 de setembro. Se essa dinâmica for repetida, elas vão coincidir com o início da campanha para a Presidência, para a Câmara e parte do Senado, governos e legislativos dos estados. 

 

Já ocorreram discussões a esse respeito no CNE. Uma ala dos conselheiros é favorável a uma tramitação mais rápida da Base.

 

Segundo Deschamps, os conselheiros devem debater a dinâmica do trabalho na próxima reunião da Comissão Bicameral do BNCC, na segunda-feira (9/4). Ele disse que é favorável à realização de audiências públicas nos mesmos moldes do que ocorreu no ano passado. “Mas isso vai depender das deliberações da comissão e até do apoio que teremos das secretarias estaduais, que no ano passado cuidaram da parte operacional das audiências”, afirma.

 

O presidente do CNE não deu um prazo para a votação da BNCC, embora a perspectiva do MEC seja a de encerrar o processo este ano. “O Conselho é um órgão de Estado, tem seus próprios tempos – pode haver casos de conselheiros que pedem vistas de pareceres, como no ano passado. Nossa preocupação é fazer a discussão mais adequada possível num prazo razoável, que não se prolongue indefinidamente.”

 

Deschamps disse que já houve sugestões no CNE para mudar a dinâmica de trabalho adotada em 2017, diminuindo o intervalo entre as reuniões – no ano passado, os conselheiros se reuniram uma vez por mês para debater a Base. “Esse é outro aspecto que vai ser discutido na Comissão.”

 

Durante a elaboração da BNCC, o MEC já recorreu a consultas por meio de canais digitais. Mais recentemente, o ministério reformulou o Portal da Base para colher sugestões específicas sobre o ensino médio de centenas de técnicos das secretarias estaduais, gestores e professores. 

  

CARGA HORÁRIA 

 

Outro aspecto da Base que provoca discussões no CNE desde o anúncio do Novo Ensino Médio é o da carga horária que será reservada para o currículo comum.  

 

A reforma prevê a ampliação da carga horária mínima durante o ensino médio de 2.400 horas (800 horas por ano) para 3 mil horas (1 mil por ano) no prazo de cinco anos a contar de março de 2017.  

 

O governo defende que, desse total, a parte destinada à Base não exceda 1.800 horas. Alega que toda a lógica da reforma é a de permitir ao estudante optar por conteúdos do seu interesse dentro dos itinerários formativos. 

 

Presidente da Comissão Bicameral da Base no CNE, Cesar Callegari discorda do limite de 1.800 horas e deixou isso claro em um webinário realizado pela Jeduca em 2017, que contou com a participação da secretária-geral do MEC, Maria Helena Guimarães de Castro. “Essa métrica hora-aula é indevida. Base se refere a currículo, como eles devem ser implementados. Falar em horas é amesquinhar o direito de aprendizagem do jovem brasileiro”, disse, em entrevista posterior à Jeduca.  

 

O discurso de Callegari ecoa temores de que a reforma possa ampliar desigualdades no sistema de ensino, pela dificuldade que estados mais pobres terão para ampliar a oferta de conteúdos exigida pela criação dos itinerários formativos. 

 

Uma reportagem de Luiz Fernando Toledo no Estadão mostrou o tamanho do desafio em escala nacional. Dos 5.570 municípios brasileiros, 53% têm apenas uma escola de ensino médio regular ou de ensino profissionalizante. Assim, se cada escola oferecer um único itinerário formativo (o mínimo previsto na reforma), só em 15% dos municípios os estudantes teriam acesso às cinco modalidades. 

 

 

AVALIAÇÃO   

 

A aprovação da Base do ensino fundamental já iniciou o debate sobre a revisão da matriz de avaliações de larga escala como a ANA (Avaliação Nacional de Alfabetização) e a Prova Brasil, um dos pilares do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que mede conhecimentos dos alunos da educação básica em matemática e língua portuguesa. 

 

A BNCC do ensino médio, por sua vez, terá impactos na matriz da Prova Brasil e também na do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).  

 

Este ano, pela primeira vez a Prova Brasil será aplicada a todos os estudantes do 3º ano do ensino médio das redes pública e privada, uma população estimada em 2,4 milhões de jovens (antes a prova ficava restrita a uma amostra dos alunos).  

 

A mudança atende ao diagnóstico de especialistas de que o Enem, ao se tornar o grande vestibular do país, perdeu progressivamente a capacidade de avaliar a qualidade da educação no ensino médio: uma coisa é determinar o que os alunos sabem, outra é classificá-los de acordo com o desempenho para determinar quem vai ou não para a faculdade. 

 

De qualquer forma, a ampliação da Prova Brasil não elimina os efeitos da nova BNCC sobre o Enem. Para alguns especialistas, o exame passará a privilegiar ainda mais a avaliação de matemática e língua portuguesa. Com isso, migraria para um modelo mais próximo do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), exame internacional que avalia jovens de 15 anos em leitura, matemática e ciências. 

 

Se isso de fato ocorrer, pode haver repercussões até no uso do Enem pelas instituições de ensino superior. Se a prova limitar demais as questões de outras áreas do conhecimento, pode fazer sentido para algumas universidades retomar exames próprios de seleção? Como fazer a triagem de candidatos em cursos de Física e Biologia, por exemplo, sem uma aferição mais aprofundada da sua proficiência nas duas disciplinas? 

 

DIRETRIZES CURRICULARES E ENSINO A DISTÂNCIA 

 

A reforma do ensino médio não exigiu apenas mudanças na BNCC. Como alterou a arquitetura geral da etapa e a própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), também criou a necessidade de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais desse ciclo, que não ocorreu com a educação infantil e o ensino fundamental.

 

É nas Diretrizes que será definido como as redes e escolas vão se organizar para lidar, por exemplo, com a ampliação da carga horária, a parte diversificada dos currículos (que não está na Base) e a criação dos itinerários formativos. 

 

Foi no âmbito da discussão das Diretrizes, e não da BNCC, que surgiu uma proposta que causou polêmica no mês passado, a partir de uma reportagem de Paulo Saldaña na Folha de S. Paulo. A reforma autorizou o uso da EaD (Educação a Distância) para ministrar parte do conteúdo do ensino médio, regulamentação que cabe às Diretrizes.  

 

Apresentada no CNE pelo conselheiro Rafael Lucchesi, dirigente do Sistema S, o projeto de atualização das Diretrizes prevê liberar um porcentual de 40% de aulas a distância no ensino médio regular – pela proposta, nas turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) o índice pode chegar a 100%. 

 

Horas depois da publicação da reportagem, o ministro Mendonça Filho disse à Folha que discorda do porcentual e vetaria uma eentual resolução do CNE nesse sentido. Mas, como Mendonça está de saída do MEC para disputar as eleições, nada está definido quanto ao assunto. 

 

De qualquer forma, o episódio mostra que os jornalistas precisam ficar atentos também à elaboração das Diretrizes. Porque, enquanto as atenções se concentram no debate sobre a Base, podem sair daí decisões cruciais sobre as mudanças no ensino médio. 

 

 

 

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