{Atualizado em 10/3]
O Senado aprovou, por unanimidade, nesta quarta-feira (9/3), PLP 235/2019, de autoria do senador Flávio Arns (Podemos-PR), que cria o SNE (Sistema Nacional de Educação). Agora, o texto vai para a Câmara dos Deputados, onde pode ser aprovado como está ou sofrer alterações.
Um dos objetivos centrais do SNE é criar mecanismos para que, por meio da colaboração e atuação conjunta entre União, estados e municípios, as políticas e ações na área da educação sejam mais conectadas e promovam mais sinergia entre as redes de ensino.
Hoje em dia, não é incomum que escolas estaduais e municipais, mesmo aquelas localizadas numa mesma cidade, sigam orientações diferentes. Isso se tornou especialmente visível no contexto do ensino remoto, em que as condutas, metodologias e calendários, entre outros aspectos, variavam, dependendo da conduta da secretaria estadual ou municipal.
Com o Sistema Nacional de Educação há a expectativa de que exista mais conexão e sinergia entre redes de ensino, com impacto na qualidade do ensino e da aprendizagem, na otimização dos recursos, no estabelecimento de parâmetros mínimos de qualidade, entre outros pontos.
Isso não quer dizer que haverá uma uniformização, que será um sistema unificado, como acontece com o SUS (Sistema Único de Saúde). O SNE é diferente, pois a ideia é que ele promova a articulação entre as estruturas que já existem e que, pela lei, possuem autonomia.
Hoje em dia, cada rede municipal possui autonomia, assim como as redes estaduais. E continuará a ser dessa forma, se o SNE for aprovado. A diferença é que haverá instâncias, formalmente constituídas, com o objetivo de promover a articulação entre as redes municipais, as redes estaduais e a rede federal.
Para isso, está prevista a criação de uma Comissão Tripartite de nível nacional (com representantes do governo federal e dos governos estaduais e municipais) e de Comissões Bipartites nos estados, reunindo representantes do governo estadual e dos governos municipais. A atuação desses grupos abrange várias frentes: gestão, pedagógica, financeira, avaliação etc..
O processo também não é imediato, pois, uma vez aprovado, o SNE terá de ser regulamentado.
Embora não seja exagerado dizer que existe praticmaente um consenso na área da educação quanto à importância do SNE, existem críticas à proposta aprovada. Entre elas estão a necessidade de se fortalecer o papel dos municípios nas instâncias de decisão e a exclusão da comunidade escolar desses espaços.
Alguns pontos de atenção para a cobertura
1 - Da aprovação à sanção
Os dois projetos – do Senado e da Câmara - foram elaborados de forma alinhada, com o objetivo de facilitar avaliações, estudos e pesquisas sobre as propostas. Quadro elaborado pelo site SNE em Pauta ajuda a compreender as semelhanças e diferenças entre os projetos.
Se, como esperado, o PLP 235/2019 for a votação nesta quarta-feira e for aprovado, como esperado, ele será encaminhado à Câmara. Se não for alterado, vai à sanção presidencial. Se for, volta para o Senado. O processo inverso ocorre se o PLP 35/2019 da Câmara for encaminhado para votação. Então, é importante acompanhar essa movimentação, atentando a eventuais mudanças do texto que for aprovado no Senado ou na Câmara.
2 - Regulamentação
Depois de sancionada lei que cria o SNE, a implementação não será imediata. Será necessária a definição de uma série de regras e normas regulamentando como ele vai funcionar na prática – um processo que deverá levar tempo e será decisivo para delinear o peso efetivo que o sistema terá no desenho e na implementação das políticas educacionais.
Por isso, é importante que a imprensa o acompanhe tanto em nível nacional, quanto em nível estadual, já que cada estado vai criar suas leis com as regras para o funcionamento das comissões bipartites.
3 - CAQ e CAQi
A regulamentação do CAQ (Custo Aluno Qualidade) e do CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial) deverá ocorrer no âmbito da regulamentação do SNE. Os dois indicadores estabelecem parâmetros mínimos de qualidade traduzidos em valores que devem ser investidos nas escolas.
Uma critica à maneira como o CAQ e o CAQi são tratados nos projetos em tramitação no Congresso diz respeito, por exmeplo, à destinaçao de recursos para os indicadores.
O projeto do senador Arns, por exemplo, define que serão destinados "recursos disponíveis" para a implementação do CAQ e do CAQi, ou seja, não parte do investimento necessário para assegurar às escolas os insumos para uma educação de qualidade, segundo os critérios dos indicadores.
Cooperação entre os entes federados
Atualmente, União, estados e municípios realizam vários tipos de ações em conjunto na área da educação e existem alguns formatos legalmente delineados. Mas esta não é uma prática generalizada no país.
Um exemplo é o ADE (Arranjo de Desenvolvimento da Educação) – ou redes de colaboração entre municípios - existente em algumas parte do país, como na região da Chapada Diamantina (BA) ou no noroeste do estado de São Paulo, entre outras.
Outro tipo são as cooperações entre governos estaduais e municipais, como ocorre no Ceará, por meio da Copem (Coordenadoria de Cooperação com os Municípios para Desenvolvimento da Aprendizagem na Idade Certa).
De maneira geral, os resultados dessas articulações são positivos e se traduzem em bons resultados educacionais, mensurados por meio de indicadores como Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Porém, esses são minoria, considerando as dimensões do país.
Segundo o MEC, em agosto de 2021, havia 13 ADEs ativos em seis estados (RS, SC, SP, BA, MA, PI), reunindo 225 municípios e 414 mil matrículas da educação básica. Vale lembrar que o Brasil possui 5.570 municípios e 46,7 milhões de matrículas na educação básica.
Base legal
A Constituição Federal define no artigo 211 a organização do sistema de ensino brasileiro, distribuindo responsabilidades entre a União, estados e municípios e afirma que os três níveis de governo devem atuar em regime de colaboração. No entanto, não existe ainda uma definição de como essa colaboração deve ocorrer. É esta lacuna que o SNE vai suprir.
No artigo 214, a Constituição menciona o Sistema Nacional de Educação e o associa à existência de um Plano Nacional de Educação. Em linhas gerais, o texto diz que o Plano é o instrumento de articulação do SNE, ou seja, por meio de diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação o PNE deveria “materializar” ações e atividades desenvolvidas de maneira articulada entre União, estados e municípios na área da educação.
Só que desde 1988 já tivemos dois planos nacionais de educação – de 2001 a 2010 e de 2014 a 2024 -, sem que o Sistema Nacional de Educação existisse, o que, além de ser um paradoxo, é interpretado por especialistas como uma dos motivos das fragilidades que perpassam a educação brasileira.
A lei 13.005/2014, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE), atualmente em vigor, prevê, no artigo 13, que o Sistema Nacional de Educação deveria ser criado até 2016, a fim de efetivar as metas do Plano – o que não foi cumprido.
Além da Constituição, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) também aponta, no artigo 8, que União, estados e municípios devem atuar em regime de colaboração.
Para saber mais:
Campanha Nacional pelo Direito à Educação: Sistema Nacional de Educação e Posicionamento e Nota Técnica sobre o PLP 235/2019
Todos pela Educação: O que é e para que sereve o Sistema Nacional de Educação?
Cenpec: Precisamos falar sobre o Sistema Nacional de Educação e Por dentro do SNE
Reportagens do Nexo: Sistema Nacional de Educação e Regulamentação do Sistema Nacional de Educação.