Greve de professor geralmente significa paralisação do trabalho de docentes de escolas ou universidades públicas. Mas, no fim de maio, um dos temas de destaque da cobertura educacional foi a paralisação dos professores de escolas particulares paulistas, que afetou mais de cem instituições.
O movimento teve destaque no noticiário pela forte adesão da categoria e por ser incomum. Há 15 anos não ocorria um impasse tão acirrado entre patrões e empregados do segmento, que, durante cinco meses, mantiveram uma negociação em torno da convenção coletiva sem chegar a um acordo, noticiou o portal G1.
A convenção coletiva é um documento com 64 cláusulas sobre as condições de trabalho, definidas por patrões e empregados ao longo de 20 anos, como informou o Nexo. Um dos receios da categoria era o rompimento desse acordo, abrindo a brecha para que algumas escolas o mantivessem e outras não, explicou matéria do Estadão.
O forte apoio das famílias e dos estudantes – principalmente de escolas de elite, principais leitores da grande imprensa – também ajudou a dar destaque para o assunto. Os professores não pediam aumento de salário e, sim, defendiam a preservação de direitos adquiridos há anos pela categoria. Entre eles, a garantia semestral de salários, 30 dias de recesso remunerado no fim do ano, férias coletivas e concessão de duas bolsas de estudo para filhos de professores em escolas com até 200 alunos.
O sindicato patronal alegou motivos relacionados ao planejamento e à saúde financeira das escolas para justificar suas propostas. Defendia a redução do recesso remunerado de 30 para 23 dias, a suspensão das bolsas de estudo e a possibilidade de fragmentar o período de férias.
Como noticiou a Folha de S. Paulo, as escolas argumentaram que a diminuição do recesso era necessária para viabilizar a organização da oferta dos 200 dias letivos anuais previstos pela legislação. Já a concessão de bolsas de estudos para filhos de docentes, afirma o sindicato patronal, prejudicaria escolas de pequeno porte. A fragmentação das férias, segundo o sindicato das escolas, está prevista na legislação trabalhista pós-reforma, em vigor desde 2017.
Para a repórter Isabela Palhares, do jornal O Estado de S.Paulo, a relação do movimento reivindicatório dos professores e a reforma trabalhista é uma das chaves da cobertura. “Essa greve é representativa, entre outras coisas, por se tratar de uma categoria grande e por ser uma das primeiras afetadas pela reforma.”
Ela acredita que este foi um fator que atraiu o apoio dos pais de alunos ao movimento. “Não se imaginava que direitos consolidados e muito representativos da categoria, como as bolsas de estudo e o recesso de fim de ano, pudessem ser retirados com a reforma trabalhista, o que levou à indignação e mobilização de muitos pais.”
O jornalista Paulo Saldaña, responsável pela cobertura do movimento na Folha, tem uma percepção parecida. Para ele, a relação entre o movimento dos professores e a reforma trabalhista é um ponto central. Ele destaca a proposta de fragmentação das férias como uma das principais novidades desse movimento. “Essa questão não se colocava antes da reforma trabalhista e por isso precisa ser tratada com cuidado pelo jornalista”, diz.
O risco, analisa o repórter, é cair na armadilha de se fazer uma leitura ideológica da disputa. Para evitar isso, ele defende que é necessário levar em conta dois aspectos: guiar-se pelo que diz a lei e pelos desdobramentos factuais e ter sempre em conta os pontos de vista de todos os atores envolvidos. “O importante é ficar atento ao que está na lei, ao que é permitido ou não.”
Nesse sentido, a proposta dos patrões é legítima, na medida em que se situa dentro dos parâmetros legais. Ao mesmo tempo, é preciso contextualizá-la dentro de uma problemática maior.
Ou seja, a fragmentação das férias e a reconfiguração de direitos adquiridos são aceitáveis a partir da perspectiva da legislação e do novo contexto imposto pela reforma, mas existem outros aspectos que precisam ser considerados: qual seria o efeito dessas medidas, se chegassem a ser implementadas, sobre as condições de trabalho do professor? E sobre a qualidade da educação ofertada nas escolas?
“O importante e desafiador na cobertura é não deixar que as matérias se restrinjam à disputa trabalhista, mas mostrar seus efeitos na qualidade da educação. Mostrar aos pais como esses direitos trabalhistas influenciam não só os custos das escolas e das mensalidades, mas o ensino dos seus filhos”, analisa Isabela.
Para isso, o repórter precisa conhecer e compreender como funciona a categoria. Quem são os professores das escolas privadas? Qual a sua condição salarial? Como é a condição de trabalho nas grandes escolas? E nas pequenas? Este é, precisamente, um dos desafios centrais da cobertura. “Existe uma unidade enquanto categoria em termos da convenção coletiva, mas ao mesmo tempo a fragmentação é enorme”, analisa Saldaña.
No estado de São Paulo são mais de 10 mil escolas – 4 mil na capital – com perfis muito diferenciados. As características dos profissionais e as relações entre patrões e empregados variam muito. “A realidade das escolas grandes e localizadas nas regiões centrais é diferente da de escolas pequenas e na periferia, onde tende a existir mais proximidade entre o dono da escola e os professores”, exemplifica o jornalista.
Essa fragmentação dificulta a visão geral da categoria e, até, a percepção da representatividade da mobilização. “Quando noticiamos que cem escolas aderiram à paralisação parece muito, mas é preciso lembrar que isso é 2% do total”, diz Saldaña. “As escolas de elite e grandes têm representatividade porque são famosas, mas não são a realidade do professor em termos de condições de trabalho, carreira, salário. Elas não representam a totalidade da categoria de escolas particulares.”
Os docentes da rede privada correspondem a cerca de um quarto dos 2,2 milhões de professores brasileiros e são vistos como profissionais que atuam em condições mais favoráveis do que seus colegas da rede pública. Mas, como assinalou a jornalista Sabine Righetti em seu blog, apesar de os problemas da educação serem associados à rede pública, a mobilização dos professores nas escolas particulares evidenciou que elas enfrentam desafios parecidos com relação a condições de trabalho, por exemplo.
A repórter Isabela Palhares também acredita que o movimento colocou em xeque a percepção de que a escola privada está distante dos problemas educacionais do País. Na matéria “Paralisação de professor cria racha de escolas privadas”, ela mostrou as discrepâncias entre as escolas grandes e as pequenas quanto às possibilidades de manter a convenção coletiva.
Na semana passada, o movimento dos professores saiu vitorioso ao conseguir por um ano garantir os termos da convenção coletiva, assinada entre os dois sindicatos, como mostrou o G1. Mas as discussões não devem acabar. Para Paulo Saldaña, o acordo foi firmado dentro do que foi possível no momento e, no próximo ano, pode haver nova disputa em torno da convenção coletiva.