Passado mais de um mês do início das ocupações de escolas, com um balanço que apontou para mais de 1,2 mil escolas e 139 universidades ocupadas no auge do movimento e o adiamento do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para 240 mil estudantes, algumas perguntas começam a surgir, a fim de que possamos enxergar um pouco mais fundo a atual conjuntura na área da educação.
De um lado, as ocupações dos estudantes ganham forma e fôlego, sob a bandeira de um protesto contra a reforma do ensino médio e a PEC que estabelece um teto de gastos para o governo federal, afetando diretamente a educação nos próximos 20 anos. De outro circula o discurso de reação ao movimento, que as caracteriza como uma afronta ao direito de estudar, como resultado de manobra política ou como “coisa de jovem”.
Para além do “cabo de guerra”, o movimento de ocupações traz ao debate educacional a voz e a ação dos estudantes. Afinal, o que querem eles? O que os mobiliza? Que pensam sobre educação? E sobre a escola?
Duas pesquisas recentes nos dão algumas pistas, ao sinalizarem para a importância da participação no cotidiano escolar para os estudantes. E participação significa se envolver diretamente nas decisões da escola e na sala de aula – o que não faz parte do dia-a-dia de 72% dos participantes da pesquisa “Nossa Escola em (Re)Construção”, lançada pelo Instituto Inspirare em outubro. O estudo ouviu 132 mil adolescentes e jovens de 13 a 21 anos, predominantemente do Sudeste, via internet, adotando uma metodologia participativa cuja amostra não é representativa da população.
Na pesquisa, 56% dos entrevistados disseram que a participação dos estudantes nas decisões da escola “não pode faltar” – assim como o grêmio (48%), o Conselho Escolar (46%) e atividades que integrem alunos, pais e professores (41%).
A pesquisa “A Voz do Jovem”, do Mapa Educação, aponta como um de seus resultados que a falta de participação dos alunos nas decisões da escola é um dos principais fatores para a desmotivação em relação aos estudos. Aponta ainda que os estudantes querem ter mais voz ativa e participar da gestão da escola e na sala de aula (escolher temas, planejar e gerir o conteúdo das atividades de ensino). A pesquisa analisou as respostas de 11.519 crianças, adolescentes e jovens entre 9 e 24 anos e também adotou uma metodologia participativa, cujo universo pesquisado não é representativo da população.
A demanda por participação evidenciada pelas pesquisas está diretamente relacionada com o “recado” das ocupações, analisa Anna Penido, diretora executiva do Instituto Inspirare: “Novos canais de diálogo precisam ser estabelecidos com os estudantes que querem uma participação mais efetiva na escola.”
Paulo Carrano, coordenador do Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense (UFF) enfatiza a demonstração de que os estudantes são sujeitos capazes de tomar decisões e agir. “Esse é um desafio com o qual governo e educadores têm de aprender a lidar”, afirma. “Os estudantes estão deixando claro que têm algo a dizer.”
As ocupações são transitórias, diz Carrano. No entanto, elas influenciam tanto os estudantes que estão diretamente envolvidos no movimento quanto aqueles que não participam dele, na medida em que afetam o funcionamento e as relações no ambiente escolar.
“As ocupações alteram as dinâmicas de tempo e espaço da escola, num processo de reconstrução da instituição que pode ser profundamente educativo. Elas representam uma oportunidade para a instituição se repensar, mas a tendência não é essa; é voltar ao ponto de inércia”.
Nesse sentido, assinala Anna, a abertura de uma escuta dos estudantes – inclusive daqueles que não participam das ocupações, já que estes são minoria – é um caminho para que a escola se torne mais significativa para os jovens. “As ocupações são uma oportunidade para que a abertura do diálogo aconteça”, diz.
O que aprender
Nas duas pesquisas, os entrevistados se mostram críticos do modelo de escola tradicional, com ênfase na transmissão do conteúdo, mas apresentam um forte vínculo com a instituição.
Na “A Voz do Jovem”, quase 90% do total informaram gostar de estudar. Em “Nossa Escola em (Re)Construção”, 70% dizem que gostam de estudar em suas escolas, 72% afirmam que aprendem coisas úteis para a vida na escola e 62% consideram que o ambiente é favorável à aprendizagem.
O estudo do Inspirare explorou as expectativas dos jovens em relação à escola, considerando quatro categorias: a escola para aprender, a escola que respeita a individualidade de todos, a escola inovadora e a escola que deixa feliz.
Em todas elas, as características demandadas pelos estudantes são semelhantes, com poucas variações. Nos quatro tipos, os estudantes defendem que o foco da escola deve ser a preparação para o Enem e o vestibular e para o mercado de trabalho – ou seja, pouco difere da escola que existe hoje.
Na escola para aprender, a preparação para o Enem e o vestibular foi citado como foco principal por 34% dos entrevistados. Nos demais tipos de escola, ficou entre 27% e 28%. Vale chamar a atenção que na escola que deixa feliz, o terceiro aspecto mais citado foi “preparar para relações humanas e sociais” (11%).
A preparação para o exercício da profissão é um aspecto que gera motivação para os estudos, segundo a pesquisa “A Voz do Jovem”. Para eles, a escola é um local de preparação para a futura vida profissional.
Como aprender
Se em termos da finalidade a escola que os estudantes desejam não diverge radicalmente da escola atual, o mesmo não pode ser dito sobre as metodologias de ensino e aprendizagem.
Os estudantes reivindicam metodologias ativas, que priorizem atividades práticas ou a resolução de problemas e que utilizem tecnologia. Para os entrevistados de “Nossa Escola em (Re)Construção”, projetos (23%) e rodas de conversa (18%), assim como pesquisas na internet (15%) são os principais recursos a serem usados.
Já o universo que participou da pesquisa “A Voz do Jovem” valoriza a preparação para a profissão enquanto aspecto que motiva para os estudos. Por isso, a escola deve trabalhar habilidades que efetivamente os ajudem no futuro, de criar seus próprios projetos, definir rumos, ultrapassando, portanto, a formação profissionalizante convencional.
Currículo
A flexibilidade curricular é um desejo dos estudantes, mas ela não deve ser absoluta: 25% desejam ter algumas disciplinas obrigatórias e poder escolher outras; outros 21% querem ter disciplinas obrigatórias no horário de aula, e eletivas no contraturno, diz a pesquisa “Nossa Escolas em (Re)Construção”.
Além disso, a flexibilização não exclui alguns conteúdos considerados essenciais. Um deles é a matemática, considerado uma prioridade pelos entrevistados na pesquisa.
“Os jovens querem flexibilidade, mas não precisa ser tão grande, porque entendem que a escola tem uma função de preparar para o mercado de trabalho e o Enem, mas não adianta flexibilizar o currículo se as práticas permanecerem as mesmas”, analisa Anna Penido.
“Nossa Escola em (Re)Construção”:
http://porvir.org/nossaescola/
“A Voz do Jovem”
http://mapaeducacao.com/manifesto/