[Atualizado em 18/3/2020]
Com o avanço do novo coronavírus no Brasil, muitas redes públicas de ensino, escolas privadas e instituições de ensino superior suspenderem as aulas por um período indeterminado, as tecnologias de ensino a distância surgem como uma alternativa para evitar que os estudantes sofram prejuízos. Esse cenário inédito gera uma série de dúvidas e questionamentos por parte dos jornalistas que estão na cobertura.
O MEC (Ministério da Educação) publicou uma portaria autorizando as instituições de ensino superior a adotarem tecnologias de comunicação e informação para a oferta de disciplinas presenciais por 30 dias, prorrogáveis.
O Consed (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação) criou um blog para acompanhar as medidas tomadas pelos estados. Em 17/3, 22 estados e o Distrito Federal haviam suspendido as aulas.
Em São Paulo, a secretaria estadual de educação pretende disponibilizar um aplicativo, ainda em fase de protótipo, para os alunos assistirem às aulas a distância.
Entidades como a ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior) e o Semesp (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior) estão recomendando que as instituições que já atuam na educação a distância usem essa modalidade para manter as aulas. A ABMES também está monitorando as instituições de ensino superior afiliadas que estão suspendendo as aulas.
Nas universidades e institutos federais as condutas variam em cada localidade, seguindo orientações dos comitês técnicos para o Covid-19 estaduais, municipais e o Ministério da Saúde, de acordo com a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Federais de Ensino Superior). A Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo), por exemplo, suspendeu as atividades presenciais e vai orientar a comunidade a usar as plataformas a distância.
As três universidades estaduais paulistas, USP (Universidade de São Paulo), Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e Unesp (Universidade Estadual Paulista), suspenderam aulas e recomendam o uso de meios eletrônicos para manter as atividades didáticas, nas situações em que for possível.
Paralelamente, empresas de tecnologia e de comunicação estão liberando o acesso a ferramentas e conteúdos para viabilizar aulas e atividades educacionais a distância. É o caso do Google e da Microsoft, que liberaram em todo o mundo, o acesso às suas ferramentas.
No Brasil, o MEC mantém a plataforma MEC Red, que reúne recursos digitais. O canal de TV Futura oferece o Telecurso, disponível no YouTube, que pode ser usado como material de estudo no ensino fundamental e ensino médio, e diversas plataformas educacionais privadas liberaram o acesso gratuitamente a quem desejar.
Essas medidas seguem uma tendência presente em diversos países que se viram frente à necessidade de suspender as aulas por causa do novo coronavírus.
Segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em 16/3, cem países anunciaram o fechamento ou fecharam escolas como medida de contenção. Em 85 países monitorados, 776,7 milhões de crianças e jovens foram afetados. Os dados constam de um site (em inglês) criado especialmente para monitorar o impacto do coronavírus na educação. Ela contém um repositório de plataformas online mantidas por governos e uma lista de recursos digitais gratuitos que podem ser usados por escolas e famílias no contexto da pandemia.
Ao mesmo tempo em que o uso das tecnologias e recursos educacionais a distância se configura como alternativa num cenário em que as escolas precisam se manter fechadas, delineiam-se alguns pontos que merecem atenção dos jornalistas:
Usar tecnologias a distância não caracteriza EAD
O uso massivo de tecnologias a distância no contexto das ações para tentar conter a disseminação do coronavírus não significa que a educação a distância substituirá o ensino presencial. As medidas adotadas por governos e instituições têm a intenção de suprir uma necessidade do momento, evitando que os estudantes percam o ano letivo.
A EAD exige metodologias de ensino específicas, apropriadas para os ambientes virtuais. No atual cenário de quarentena por causa do coronavírus, o mais comum será a simples transposição dos conteúdos que seriam dados presencialmente para o meio virtual.
Nem todos têm acesso a computadores e internet
Embora a tecnologia seja amplamente disseminada na nossa sociedade, é sabido que nem todos têm acesso igual à internet, nem mesmo a computadores. No Brasil, 58% dos domicílios não têm acesso a computador e 33% não dispõem de internet, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019, do Cetic (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação). Como garantir, então, que todos os estudantes tenham acesso às aulas online durante o período em que as escolas permanecem fechadas?
Os mais vulneráveis tendem a ser os mais prejudicados
Geralmente, os mais pobres são os mais afetados pela falta de acesso à tecnologia – mas não é só por isso: alguns dependem, por exemplo, das refeições oferecidas na escola para se alimentar, o que sugere que os estudantes mais vulneráveis tendem a ser os mais prejudicados pelo fechamento das escolas, ampliando as desigualdades educacionais.
Instituições de ensino e professores têm pouca familiaridade com a EAD
Ensinar a distância não é igual a ensinar presencialmente. Apesar do avanço da educação a distância no ensino superior, muitas instituições de ensino, inclusive neste nível, não estão familiarizadas com o uso dessas ferramentas tecnológicas, nem com as metodologias envolvidas na EAD, o que pode acabar criando dificuldades e prejuízos aos estudantes.
Este é um desafio presente mesmo em países com alto grau de disseminação das tecnologias de comunicação, como os Estados Unidos, como relata reportagem da NPR (em inglês).
Estratégias para sustentar a aprendizagem
Na educação básica, esse desafio tende a se acentuar, pois a tecnologia não é parte do cotidiano escolar da maioria das escolas. Um dos desafios centrais do ensino à distância é manter o engajamento do estudante, que Então, num cenário em que o fechamento das escolas pode se prolongar por meses, surgem algumas perguntas: como as escolas e educadores farão para adequar currículos e metodologias ao ensino online? É possível sustentar a aprendizagem das crianças por meio de aulas online?
Uma pesquisa realizada na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, com charter schools (escolas públicas com gestão privada) online concluiu que é mais difícil manter a atenção e a interação com o professor em aulas virtuais do que presencialmente. Nestas escolas, o número de alunos por professor é maior (30 para 1) do que nas escolas convencionais (17 para 1).
Para compensar essa limitação, as escolas esperam que os pais deem o suporte ao filho - embora eles não sejam necessariamente preparados para desempenhar essa função. No 4.º ano, equivalente ao nosso 5.º ano do ensino fundamental, 78% dos diretores esperam que os pais sejam ativos na orientação aos filhos.
Na China, onde as escolas estão fechadas desde janeiro e as aulas migraram para plataformas online, há relatos de que os alunos se sentem sozinhos, o que afeta seu engajamento. Muitas escolas estão recorrendo a projetos integradores e atividades alternativas, envolvendo também os pais.
Uma janela de oportunidade
Apesar dos desafios envolvidos, o atual cenário pode ser uma oportunidade para que as escolas e redes de ensino passem a incluir as tecnologias de comunicação em suas práticas pedagógicas.