Jeniffer Mendonça
Do Repórter do Futuro
Em 2009, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) sofreu mudanças e passou a ser o grande vestibular nacional, adotado em mais 20 universidades federais. A quatro dias da aplicação da prova com mais de 4 milhões de inscritos, a redação de O Estado de S. Paulo recebeu a ligação de que a prova havia sido furtada e, para tê-la em mãos, era necessário o pagamento de R$ 500 mil. A repórter Renata Cafardo encontrou os homens que diziam estar com o exame, viu rapidamente a prova, decorou questões e em cerca de 17 horas de apuração revelou o roubo, o que levou ao cancelamento do Enem.
"Um dos diferenciais foi a minha especialização na área para levar a denúncia para a frente, já que outros jornais foram procurados por eles mas eu era a única que cobria educação e acompanhava a dimensão da prova naquele ano", contou Cafardo no painel "Grandes Reportagens", realizado nesta quinta-feira (29), durante o 1º Congresso de Jornalismo de Educação. Ela vai lançar este ano um livro sobre os desdobramentos do episódio.
Com mediação do jornalista José Brito, do Canal Futura, Cafardo e os repórteres Paulo Saldaña (Folha de S.Paulo) e Beatriz Jucá (Diário do Nordeste) compartilharam os bastidores de matérias que foram premiadas e tiveram grande repercurssão.
Cafardo falou também sobre a consolidação do sistema de avaliação, do qual o Enem faz parte, que contribuiu para mudar a cobertura de educação no Brasil. "Começaram a surgir dados e as matérias de educação passaram a ser mais objetivas. O que a gente cobria antes era greve ou pedagogia na escola, por exemplo. Não se mensurava o que era feito no país em relação à política pública."
A fiscalização das finanças públicas também é um campo a ser explorado, mas precisa ser abordado com cautela. "É preciso fugir das certezas e de fatores causais. A maior dificuldade é que os problemas têm muitos diagnósticos, mas formas diferentes de resolver. Quem chega pela primeira vez [na cobertura de educação] costuma ter um preconceito contra ou a favor e a gente tem que ouvir o maior número de pessoas para ver os fatores que influenciam", disse Paulo Saldaña.
O jornalista recebeu o Prêmio Esso (atual ExxonMobil) em 2015 com uma série de reportagens feita a partir de dados do Portal da Transparência e do Ministério da Educação sobre os repasses do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) do governo federal a grupos educacionais privados de ensino superior. Os gastos alcançaram o patamar de 13,4 bilhões, sem um aumento equivalente no número de matrículas, engordando o lucro de universidades particulares. A explosão de gastos ocorreu principalmente depois de mudanças na lei do Fies, em 2010 -- como a queda dos juros e o aumento no prazo para quitar a dívida.
Já a repórter Beatriz Jucá desmitificou a questão da violência nas escolas de Fortaleza após pesquisar sobre a relação da comunidade com o espaço de aprendizado. "O assunto se tornou grande e complexo porque o que saía no jornal era a violência física na escola ou no entorno e a justificativa era a violência urbana. Comecei a ler teses que tentam avaliar isso e descobri que os alunos não conseguiam resolver conflitos e os indicadores de educação e as notas dos estudantes tinham influência nesses problemas."
Premiada pela Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação), a série "Vozes do Silêncio" buscou no jornalismo literário e nos relatos em primeira pessoa as visões de alunos, professores, familiares. "As pessoas não queriam se identificar e a solução foi a linguagem. Como contar a história sem perder a credibilidade do autor? Em cada matéria tem uma caixinha com os bastidores do texto e vem acompanhada de pesquisa, especialistas que se identificaram. Essa que foi a forma que a gente encontrou para dar amparo à complexidade e ao compromisso com o leitor."
Os palestrantes também frisaram que a cobertura de educação exige acompanhamento diário, investindo no contato com especialistas, mas também com a comunidade escolar. "O jornalista está perdendo fonte porque está cada vez mais na preso na redação, entrevistando por telefone. Tem que ir para o chão da escola", concluiu Jucá.