“Nas discussões sobre educação, a pauta LGBTI+ não é algo a parte, ela integra tudo que envolve o processo de educação”, afirmou Caê Vatiero, jornalista da Transmídia, na abertura de mesa do 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca, realizada em 26 de agosto.
O jornalista mediou a mesa “Educação e LGBTI+”, que contou com os professores Cyndel Nunes Augusto (SME/SP) e Gean Oliveira Gonçalves (FIAM/FAAM) e a ativista Rafaelly Wiest (Aliança Nacional LGBTI+).
Da esquerda para a direita estão Cyndel Nunes Augusto (SME/SP), Gean Oliveira Gonçalves (FIAM/FAAM),
Rafaelly Wiest (Aliança Nacional LGBTI+) e Caê Vatiero (Transmídia)
Foto: Tiago Queiroz/Jeduca
No debate, os convidados ressaltaram que, embora a escola reflita a violência e o preconceito presentes na sociedade brasileira, ela também pode ser um espaço de aprendizado baseado no afeto. Além disso, ressaltaram que já existem boas experiências de resistência e acolhimento à população LGBT+ nas escolas que deveriam ganhar mais espaço na cobertura jornalística.
“A escola funciona como um espelho. Se a nossa sociedade é machista, racista, capacitista e LGBTfóbica, vamos ter uma escola que vai reproduzir isso”, disse Cyndel, professora da rede de ensino municipal de São Paulo. A educadora reforçou que as instituições de ensino não estão descoladas do cenário de violência e preconceito contra a população LGBTI+ e outras minorias sociais no Brasil.
No entanto, ela também destacou que, em um contexto de falta de diálogo, cabe à educação o papel de mostrar “condições de aliança”, ressaltando a importância de conhecer projetos e pessoas que trabalham a pauta de gênero nas escolas públicas e privadas e da responsabilização coletiva sobre informações e espaços de acolhimento para jovens da comunidade LGBTI+.
“Por mais que a escola seja um espaço de segregação, que produz violência contra os sujeitos que estão nela, ela tem mostrado como a gente pode se vincular e aprender através do afeto. As pessoas adultas têm muito a aprender com as crianças e jovens que estão nas escolas”, afirmou Cyndel.
No ambiente escolar, 90% das pessoas LGBTI+ já sofreram violência verbal, enquanto que 34% dessa população declarou já ter sofrido violência física. Esses dados são de pesquisa amostral feita pela Aliança Nacional LGBTI+, apresentados por Rafaelly Wiest na sessão.
Neste cenário, a ativista chamou atenção para o recorte de gênero e raça, uma vez que a violência e o risco de evasão são maiores entre estudantes trans e negros. A pesquisa mostra que 2% dos estudantes LGBTI+ já pensaram em abandonar a escola, percentual que sobe para 58% e 48% entre pessoas trans e negras, respectivamente.
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Durante o debate, os palestrantes enfatizaram que o jornalismo deve tratar das questões da população LGBTI+ de maneira transversal, não se limitando aos casos de violência, e valorizar as experiências positivas e boas práticas em escolas públicas brasileiras e os desafios que persistem no ensino superior.
Gean Oliveira Gonçalves, professor de jornalismo no Centro Universitário FIAM-FAAM, apontou que “Os temas LGBTI+ são muitas vezes colocados como ‘puxadinho’, vinculados a efemérides e à violência. Mas não é só isso. Podemos pensar a partir de vários recortes e interseccionalidades”.
Para ele, é importante refletir sobre os desafios específicos de cada tipo de instituição, públicas e privadas, de ensino superior. Apesar dos avanços em relação ao acesso proporcionados pela Lei de Cotas, o pertencimento de pessoas trans ainda representa um desafio nas universidades públicas. “Qual é a realidade das pessoas trans que já estão nesses espaços? Como elas estão conseguindo permanecer?”, questionou Gean.
Gonçalves lembrou do debate em torno da inclusão de cotas trans nas universidades públicas. Segundo matéria publicada no Jornal da USP, pelo menos 15 universidades federais e 5 universidades estaduais de ensino contam com cotas de acesso à graduação destinadas à pessoas trans em 2025. A primeira universidade a implementar a política afirmativa foi a UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia) em 2018.
“No jornalismo, acho que é perceber e construir pautas para transversalizar a temática. Às vezes a pauta não tem nenhum vínculo com a temática LGBT. Por que não trazer uma fonte ou um personagem LGBT, que pode pensar a realidade através de outras percepções?”, concluiu Gean.
Rafaelly reconhece a importância das cotas trans nas universidades públicas, mas, segundo ela, a maioria das pessoas LGBTI+ não conseguem concluir a educação básica. “Queria trazer a responsabilidade dos jornalistas de educação. Estamos evoluindo, mas é uma evolução tardia”, disse.
“A gente precisa cuidar do início e pegar as boas experiências. É importante trazer as dificuldades, podemos pegar isso como um ponto de atenção, mas como fazer para superar e melhorar em todos os níveis? A mídia e a comunicação têm o poder de mudar a sociedade se a gente quiser”, concluiu Rafaelly.
As notícias e reportagens, na opinião de Cyndel, muitas vezes enfocam apenas o que “falta” na educação pública. No entanto, ela enfatizou que: “A escola pública tem produzido marcas de resistência muito importantes”.
“A educação pública tem produzido muito mais do que aquilo que está na pauta. A gente precisa contar essas histórias. Estudantes LGBTs, negros, indígenas e imigrantes estão dentro da escola e produzindo coisas interessantes, não ficar mais na narrativa da violência”, finalizou.
O 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca contou com o patrocínio de Imaginable Futures, Instituto Unibanco, Fundação Bradesco, Fundação Lemann, Fundação Itaú, Arco Educação, Fundação Telefônica Vivo, Grupo Eureka, Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura e Santillana Educação e apoio da Fecap, Instituto Sidarta, do Colégio Rio Branco e da Loures. Conta também com apoio institucional da Abej, Abraji, Ajor, Canal Futura, Coalizão em Defesa do Jornalismo e Instituto Palavra Aberta.