A pandemia do novo coronavírus, que levou à suspensão das aulas em todo o Brasil desde meados de março, tornou mais visíveis as desigualdades que marcam a educação brasileira. Além disso, evidenciou a necessidade de repensar as políticas educacionais tendo em vista a equidade como um dos parâmetros centrais.
Esses foram alguns dos temas debatidos pelos participantes do webinário “Ensino remoto e equidade durante a pandemia de Covid-19”, realizado na última terça-feira, pela Jeduca. Participaram do evento Cecília Motta, presidente do Consed (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação) e secretária de Educação do Mato Grosso do Sul, Lúcia Dellagnelo, diretora-presidente do Cieb (Centro de Inovação para a Educação Brasileira) e Fernando Cássio, professor da UFABC (Universidade Federal do ABC), membro da Repu (Rede Escola Pública e Universidade) e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Cecília abriu o debate relatando que foi difícil para os secretários estaduais e municipais de educação tomarem as decisões quando as escolas fecharam, a fim de que os alunos não sofressem tantas perdas, recorrendo às alternativas e soluções possíveis em cada localidade. “Cada um usou os instrumentos que tinha: rádio, transmissão pelo YouTube, material impresso. Não houve tempo para planejar para aguardar a pandemia. Tudo o que foi feito como gestor, foi achar uma maneira de minimizar a perda”, relata a presidente do Consed.
A secretária defende que o atual cenário tornou evidente o quanto a conectividade pode ser essencial para reduzir as desigualdades sociais. “É essencial porque permite que o aluno estude, independentemente da pandemia. O Brasil tinha que ser voltado o olhar para a conectividade”, analisa.
Na avaliação dela, perdas de aprendizagem serão inevitáveis este ano, por isso é essencial que preparar a retomada das aulas presenciais, para que professores e estudantes sejam emocionalmente acolhidos e para apoiar o desenvolvimento cognitivo dos alunos.
“É preciso dar segurança para o professor para que o professor possa dar segurança para o aluno”, afirma. “Outro aspecto é a questão cognitiva porque os estudantes voltarão em tempos diferentes. Será necessário diagnostico para saber e que ponto cada um está e a escola terá que oferecer reforço para quem estiver em defasagem”, detalha Cecília.
Um dos principais desafios no contexto atual, analisa a presidente do Consed, é acompanhar a aprendizagem dos alunos. Segundo ela, várias redes estaduais têm condição de fazer um acompanhamento da distribuição e do acesso às atividades, mas não necessariamente se os alunos estão aprendendo.
Diversidade de situações
Baseando-se em resultados de estudos realizados pelo Cieb no contexto da pandemia, Lúcia chamou a atenção para as desigualdades de oferta de ensino remoto entre redes de ensino.
O Centro fez uma pesquisa no final de março, no início do período da suspensão das aulas presenciais, e constatou que estados e municípios que já tinham alguma experiência com o uso de tecnologia tiveram mais facilidade para implementar o ensino remoto. No final de abril e no início de maio foi feita uma nova rodada de pesquisa, que revelou que uma parcela significativa dos municípios, especialmente de pequeno porte, não está oferecendo atividades a seus alunos.
“Um grande número de municípios não está implementando nada. A intenção é fazer uma recuperação de aprendizagem quando as aulas forem retomadas”, detalha Lúcia. Segundo ela, esses municípios alegam que falta regulamentação, ou seja, querem saber quais são as regras para aproveitar o conteúdo ministrado a distância, apesar das diretrizes do CNE (Conselho Nacional de Educação) e da atuação do Consed e a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) nesse sentido.
Outro ponto destacado por Lúcia é que apesar dos esforços para ofertar ensino remoto, inclusive numa diversidade de meios, nenhuma rede está atingindo 100% dos alunos. “Isso vai ser uma realidade em vários estados”, complementa. Por isso, destaca a diretora-presidente do Cieb, é essencial definir quais são as competências essenciais aos estudantes e formular estratégias para que, no retorno das aulas, os estudantes tenham a oportunidade de aprender, inclusive incorporando a tecnologia como ferramenta na escola ou em casa.
Dados confiáveis
O professor Fernando Cássio enfatizou a importância de se coletar dados confiáveis sobre a audiência das aulas remotas para orientar tanto as ações para a oferta de atividades durante a suspensão das aulas presenciais, quanto para programar a volta.
“As redes de ensino precisam documentar isso com transparência. Não é suficiente voltar às aulas presenciais e fazer uma avaliação para verificar o que foi aprendido. É preciso ressignificar as expectativas de aprendizagem”, defende Cássio.
Na visão dele, um ponto de partida importante é ter informações confiáveis de quantos estudantes estão acessando as plataformas e conteúdos. “É preciso fazer uma coleta de dados confiável e torná-los públicos”, reitera o professor.
Cássio informou que os pesquisadores da Repu estão coletando informações sobre o acesso em São Paulo e constataram, por exemplo, que no primeiro dia de atividades remotas, cerca de um terço dos estudantes do 1.º ano do ensino médio acessaram o aplicativo da rede estadual.
O docente também chamou a atenção para a dificuldade de se pensar soluções baseadas na convalidação das atividades realizadas remotamente como parte do ano letivo de 2020, por causa da diversidade de situações existentes no país. As consequências da pandemia variam em cada estado e município, então pode ser inviável oferecer atividades remotas. É preciso ter no horizonte outros tipos de modelo, como a unificação dos anos letivos de 2020 e 2021, que podem ser mais adequadas dependendo do caso”.
Assista ao webinário na íntegra: