Desde que a Covid-19 começou a se espalhar pelo Brasil, levando ao fechamento das escolas, vários estudos vêm sendo produzidos no país sobre os impactos da pandemia sobre a educação em diferentes perspectivas. Compilamos, nessa matéria, alguns dos principais achados desses estudos que podem ser úteis aos jornalistas envolvidos na cobertura de educação.
Um tema que merece atenção, especialmente agora que se começa a falar na retomada das aulas presenciais é o financiamento: o recuo da atividade econômica desencadeado pelo avanço da Covid-19 no Brasil, afeta diretamente a área da educação, já que os recursos para manutenção, compra de equipamentos, implementação de ações de recuperação da aprendizagem vão exigir das redes estaduais e municipais investimentos adicionais, justamente num contexto em que há menos dinheiro disponível, como mostram três estudos divulgados recentemente.
O Todos pela Educação e Instituto Unibanco já divulgaram dois relatórios sobre esse tema. O primeiro analisa a situação dos estados, mostrando que a implantação do ensino remoto gerou aumento de R$ 2 bilhões de despesas, num cenário de queda de arrecadação de impostos. O segundo relatório enfoca as redes municipais, que devem perder até R$ 31 bilhões, gerando uma redução média do investimento por aluno ao ano de até R$ 1,3 mil.
A Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) divulgou um estudo, em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que calculou uma diminuição de até 21% da arrecadação de impostos e tributos. O estudo considerou estados e municípios.
Oferta de ensino remoto
Uma parcela significativa das redes municipais não está oferecendo atividades a distância, o que poderá impactar ainda mais as desigualdades de aprendizagem entre os estudantes, já evidenciadas durante o isolamento social.
Mapeamento da oferta de ensino remoto nas redes municipais realizado pela Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) e Consed (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação), com apoio do Cieb (Centro de Inovação para a Educação Brasileira) e Itaú Social, mostra que 40% das 3,9 mil redes que participaram da pesquisa não oferecem atividades remotas. Dessas, 90% são de municípios pequenos, que alegam precisar de apoio para implementar as atividades não presenciais. A ausência de regulamentação é outro argumento usado para justificar a ausência de oferta. Apesar disso, muitos desses municípios gostariam de oferecer atividades aos estudantes durante a suspensão das aulas presenciais.
Outro resultado do estudo que merece atenção, tendo em vista a equalização das desigualdades de aprendizagem é o perfil do alunado da rede pública, identificado pelo estudo: 83% dos alunos das redes públicas vivem em famílias com renda de 1 salário mínimo per capita.
Com relação ao acesso à internet foi constatado que 79% dos estudantes têm acesso à internet, porém 49% destes dependem do celular para acessar a rede. Esse dado é relevante não somente no contexto durante o período em que as escolas permanecem fechadas, mas na retomada, quando a expectativa é que o ensino híbrido (parte presencial e parte remoto) seja adotado. Será necessário planejar e pensar em estratégias para assegurar a oferta e o acesso à educação em um universo o mais amplo possível de localidades e de estudantes.
Outro levantamento, do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) em parceria com o Instituto Rui Barbosa com 249 redes municipais mostra que 82%delas oferecem atividades pedagógicas não presenciais, adotando uma diversidade de estratégias. Entre as redes estaduais, todas oferecem ensino remoto. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é a referência usada em 93% das atividades para o ensino fundamental e a educação infantil (estas são, prioritariamente, orientações aos pais), o que pode contribuir para facilitar a reorganização dos currículos quando as aulas presenciais voltarem.
A Fundação Lemann, o Itaú Social e o Imaginable Futures encomendaram uma pesquisa DataFolha sobre se os problemas estruturais da educação brasileira impactam na oferta e acesso ao ensino remoto: enquanto na região Norte, 52% dos estudantes da rede pública receberam atividades escolares durante a pandemia, no Sul, a porcentagem chega a 92%.
Um foco de atenção da cobertura deve ser, então, as ações e políticas para diminuir as desigualdades esturutrais, agravadas com a pandemia. Por isso, é essencial que os jornalistas fiquem atentos aos processos de reorganização do calendário escolar e à transparência das informações disponibilizadas - por exemplo, às prioridades consideradas nessa decisão e às medidas adotadas para atender àqueles que foram mais prejudicados, como alerta a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará), Dieppe/UFABC (Grupo de Pesquisa "Direito à Educação, Políticas Educacionais e Escola da Universidade Federal do ABC) e a Repu (Rede Escola Pública e Universidade) em nota técnica sobre o monitoramento ativo das políticas educacionais no contexto de emergência.
A perspectiva dos professores
Os professores são figuras-chaves, tanto no contexto da oferta do ensino não presencial quanto na retomada das aulas presenciais. Eles foram fortemente impactados com a transição para o ensino remoto, tanto do ponto de vista psicológico e emocional, quanto da prática pedagógica, como mostram três pesquisas: do Instituto Península, da FCC (Fundação Carlos Chagas), em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e da Nova Escola.
A pesquisa “A situação dos professores no Brasil durante a pandemia”, da Nova Escola, ouviu 8,1 mil professores sobre quatro aspectos: saúde emocional, situação das redes, participação dos alunos e das famílias e perspectivas sobre o retorno. Segundo a pesquisa, 30% dos professores avaliam a experiência do ensino remoto como ruim ou péssima e 50% disseram que não receberam orientação para oferecer aulas e atividades remotamente.
Na mesma direção, o Gestrado (Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente) da Universidade Federl de Minas Gerais e a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) mostra que a maioria dos professores diz não ter preparo para lidar com as tecnologias remotas. A proporção de docentes que não recebeu orientação para o ension remoto na rede municipal (53,6%) é o dobro da rede estadual (24,6%).
A pesquisa do Instituto Península mostrou que 83,4% dos professores não se sentem preparados para atuar no ensino a distância, 50% dizem que estão preocupados com sua saúde mental e 55% gostariam de ter apoio psicológico.
O estudo da FCC/Unesco destaca que 65% dos entrevistados afirmam que o trabalho pedagógico mudou e aumentou e 49,7% deles acreditam que a aprendizagem dos alunos diminuiu. Na retomada, 84,6% acreditam que será necessário readequar os modelos de avaliação.
Esses resultados remetem a questões relevantes para o planejamento da retomada das aulas presenciais, tanto no que diz respeito ao suporte, inclusive psicológico, ao professor, quanto a reprogramação das aulas e atividades didáticas.