“A impressão é que voltamos à pandemia”, afirmou Kelly Matos, apresentadora da Rádio Gaúcha, em mesa do 8° congresso da Jeduca sobre a situação do Rio Grande do Sul após as enchentes de maio de 2024. As pessoas tinham acesso limitado aos espaços públicos e também tiveram desabastecimento de recursos básicos, como água. Nesse cenário, as escolas invariavelmente foram prejudicadas: algumas não tinham estrutura para receber os estudantes e muitas das que tinham se tornaram abrigos para famílias desprotegidas. Assim, mais uma vez, os estudantes ficaram sem ir às aulas.
Para Matos, essa “quebra do mundo presumido”, da mudança radical na rotina, surpreendeu negativamente os alunos num curto período de tempo. Além das defasagens de aprendizagem, afastar as crianças da escola, que sempre representou um lugar de proteção contra violências, significou o contato diário com agressores. Segundo ela, muitas pessoas, sem entender ao certo a dimensão do problema, dispuseram-se a prestar apoio nos abrigos com a intenção de retomar à normalidade o mais rápido possível.
Ainda sobre os impactos das cheias, Isabella Sander, repórter do jornal Zero Hora, indicou que em uma pesquisa recente feita pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, 42% dos gaúchos relataram sintomas de estresse pós-traumático. No período mais crítico, todas as editorias do jornal se uniram para fazer a cobertura de cidades. A tentativa de pautar a educação resvalava em obstáculos próprios daquele momento. Devido à dificuldade de acesso, nem os diretores das escolas sabiam avaliar o estado das suas escolas. “Demorou para entender o nível do estrago e não tínhamos noção de quanto tempo levaria para termos um senso de normalidade“, compartilhou.
Impactos do Katrina na educação
A convidada internacional Sarah Carr, diretora da Spencer Education Journalism Fellowship da Faculdade de Jornalismo da Universidade da Columbia, em Nova York, trouxe sua contribuição a partir dos impactos na educação causados pelo furacão Katrina, que assolou Nova Orleans em 2005.
Autora do livro ”Hope Against Hope”, que retrata experiências escolares na cidade depois do furacão, ela conta que a população se mobilizou após o desastre para “imaginar um sistema educacional a partir do rascunho”. Assim, uma grande reforma foi promovida no setor. Nova Orleans, uma cidade majoritariamente negra, tinha um corpo docente e uma administração escolar muito branca. A população, então, pressionou os agentes públicos para diversificar esse quadro.
Embora existissem opiniões controversas sobre a reestruturação educacional em New Orleans, como o próprio mediador da mesa, jornalista Antônio Gois, mediador da mesa, apontou que o caso pode oferecer algum aprendizado para o Rio Grande do Sul.
A repórter do Zero Hora contou como a comunidade escolar manifestou um sentimento forte de desesperança pelo ocorrido. Ao mesmo tempo, indicou a necessidade de as escolas sempre se voltarem ao presente e rever constantemente seus projetos: “O planejamento se faz a lápis”, concluiu.
Ao se tratar da inclusão da temática de mudanças climáticas no currículo escolar, Carr e Sander concordaram em se tratar de uma prioridade. Ao contrário do que acontece no contexto estadunidense, onde a jornalista já identifica uma atenção maior a esse tema, no Brasil, a repórter gaúcha acredita que as pessoas estão mais conscientes, no entanto, ainda não foram tomadas medidas práticas para uma mudança efetiva. Um esforço governamental para reconhecer a especificidade de cada território e comunidade, para Sander, é essencial para que as pessoas saibam identificar situações de risco e saibam agir em acontecimentos semelhantes.
Quando perguntada se a agenda das eleições municipais deste ano já incluíram essa pauta no debate, Matos respondeu que não. Segundo ela, as enchentes, evidentemente, são o assunto principal e os candidatos que não falarem sobre isso estão desconectados. No entanto, a discussão, ainda polarizada, restringe-se ao modelo de governo adotado, alguns defendem maior participação do estado para o controle dessa área e outros, parcerias público-privadas. “Não vi, até agora, um plano por parte dos candidatos que preveja o acolhimento das crianças nas escolas. Sinto falta de políticas públicas para educação climática de crianças e adultos”, concluiu.
Confira a íntegra da mesa:
O 8º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca contou com o patrocínio master de Fundação Itaú, Fundação Lemann e Instituto Sonho Grande, patrocínio ouro de Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Fundação Telefônica Vivo e Instituto Unibanco, patrocínio prata de Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura, Santillana Educação e Imaginable Futures e apoio da Fecap, Canal Futura, Colégio Rio Branco e Loures Consultoria. O evento contou também com o apoio institucional da Abraji (Associação de Jornalismo Investigativo), Abej (Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo), Ajor (Associação de Jornalismo Digital), Coalização em Defesa do Jornalismo, Instituto Palavra Aberta, Jornalistas&Cia e Unesco Mil Alliance.
* A cobertura oficial do 8º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação é realizada por estudantes, recém-formados e jornalistas integrantes da Redação Laboratorial do Repórter do Futuro, da OBORÉ. A equipe opera sob coordenação do Conselho de Orientação Profissional e do núcleo coordenador do Projeto, com o apoio da Editoria Pública e da equipe de Comunicação da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação).