A educação infantil deverá ter mais destaque na formação inicial de professores no Brasil. Isso porque o país estabeleceu algumas novas referências para promover a oferta de qualidade da etapa de ensino nos próximos anos.
O aumento de conteúdos e práticas de educação infantil nos cursos que formam novos professores é uma das medidas que está prevista nas Diretrizes Operacionais Nacionais de Qualidade e Equidade para a Educação Infantil, do CNE (Conselho Nacional de Educação), apresentadas em outubro de 2024.
As diretrizes foram elaboradas a partir dos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, lançados em março de 2024, pelo MEC (Ministério da Educação). Como o próprio nome diz, o documento estabelece uma série de parâmetros para oferecer o que se define como uma educação de qualidade para as crianças até os 6 anos de idade.
A revisão dos parâmetros é considerada um passo importante para a melhoria da qualidade da oferta, pois estabelece definições do que significa qualidade na educação infantil, tema que historicamente mobilizou o debate entre pesquisadores e analistas desse campo e que deve ganhar espaço na cobertura jornalística em 2025. As últimas referências para esta etapa de ensino datavam de 2006 e 2018.
Os parâmetros de qualidade “fornecem referências, orientações, condições que devem ser alcançadas e garantidas na organização e planejamento do sistema de ensino e das creches e pré-escolas”.
No texto, os indicadores estão organizados em cinco dimensões:
Infraestrutura |
Tipo de instituição |
|
Pública |
Privada |
|
Água inexistente |
3% (2.301 escolas) |
0% (27 escolas) |
Sem energia elétrica |
2% (1.746 escolas) |
0% (10 escolas) |
Esgoto inexistente |
6% (4.474 escolas) |
0% (78 escolas) |
Acesso a internet |
85% (68.401 escolas) |
99% (32.860 escolas) |
Fonte: Qedu - dados de infraestrutura do Censo Escolar 2023/MEC e Inep
Além disso, o texto contempla o que deve ser assegurado pelas instituições de educação infantil, como acessibilidade a todos os espaços. De acordo com dados do Qedu, a partir do Censo Escolar 2023, 36% (29.007 escolas) possuem acessibilidade. Entre as instituições privadas, 49% (16.26).
Climatização do ambiente, mobiliários específicos para ambientes de bebês e crianças bem pequenas, móveis que obedeçam a parâmetros de segurança e livros infantis de qualidade e adequados à faixa etária, por exemplo, também devem ser assegurados nas creches e pré-escolas.
Um ponto de atenção é que o CNE ainda estabeleceu o prazo de 200 dias para regulamentação das diretrizes pelas redes de ensino e pelos estados a partir da publicação do documento, o que ocorreu em 17 de outubro de 2024. A regulamentação deverá trazer orientações para que as diretrizes sejam de fato implementadas.
Dentro desse prazo, os conselhos de educação municipais e estaduais devem construir uma normativa local, acolhendo as diretrizes de acordo com as condições locais e as prioridades da rede. Entre os pontos que precisam ser regulamentados estão:
Além disso, nos parâmetros e nas diretrizes, um dos pontos de melhoria apontados é o reconhecimento das diversidades de infâncias que existem e como os documentos olham para a educação infantil, considerando a educação indígena, quilombola, especial e no campo, diferentes territórios e comunidades tradicionais.
Em ambos os documentos, há itens que reiteram a preocupação com a promoção de equidade e respeito à diversidade e singularidade desses grupos.
De acordo com o texto que revê os parâmetros, as novas referências “englobam e são válidos para a totalidade dos territórios urbanos e rurais, com as suas identidades e diversidades internas e externas”.
Para Maria Ferreira, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, um avanço da revisão dos parâmetros é a criação de condições para viabilizar um atendimento de boa qualidade para a diversidade de infâncias que existem no Brasil, bem como a inclusão de referências específicas para o atendimento de crianças com deficiência.
Além de contribuir para promover o enfrentamento à iniquidade, os parâmetros também avançam na prevalência de direitos, destaca Maria Thereza Marcílio, presidente da Avante - Educação e Mobilização Social.
O financiamento é um dos possíveis desafios na implementação da política pelos municípios, responsáveis pela oferta da etapa da educação infantil, principalmente nos casos dos mais vulneráveis.
O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação) estabelece que 50% da complementação-VAAT (Valor Aluno Ano Total) seja destinada à educação infantil, ou seja, é obrigatório que os estados e municípios invistam recursos de complementação da União para esta etapa. No entanto, a complementação só é repassada a estados e municípios que não atingem o valor anual mínimo por alunos.
Em novembro, durante seminário realizado pelo MEC, foi sinalizada a estruturação de uma política, que recebeu o nome provisório de “Compromisso Nacional pela Qualidade e Equidade na Educação Infantil”, para apoiar os municípios na implementação dos parâmetros e das diretrizes, o que deve incluir a priorização do orçamento e a construção de estratégias com as redes.
Tendo em vista que os municípios possuem realidades diferentes, Angela de Brito, vice-presidente da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) no Mato Grosso do Sul, ressaltou, no seminário, a importância do diálogo com o Ministério Público e Tribunais de Contas para a implementação dos parâmetros.
A falta de infraestrutura para atender ao aumento da demanda, a adequação dos espaços físicos e a necessidade de investimentos na contratação de professores e profissionais de apoio são alguns dos desafios citados pelo presidente da Undime, Alessio Costa Lima.
De acordo com Costa Lima, a quinta dimensão (Infraestrutura, edificações e materiais) pode servir de orientação para que as redes possam adaptar os espaços físicos que hoje recebem crianças menores. Ele pontua que muitas instituições de educação infantil funcionam em edificações que ofereciam o ensino fundamental ou médio, podendo inclusive ter passado pelo processo de municipalização.
Com a aprovação das diretrizes operacionais, outro desafio é o acompanhamento das políticas para garantir que as condições de qualidade esperadas sejam de fato ofertadas na educação infantil, aponta Marisa Ferreira, pesquisadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas.
Na educação infantil, a desigualdade começa pela falta de acesso à creche e pré-escola, sendo que também são observadas diferenças de acordo com a região, tipo de área, condição socioeconômica e raça/cor.
Segundo levantamento do Todos pela Educação a partir dos dados do IBGE, 2,3 milhões de crianças de até 3 anos não estão na creche por causa de alguma dificuldade de acesso ao serviço.
A Meta 1 do PNE 2014-2025 prevê a universalização do acesso à educação infantil para crianças de 4 a 5 anos. Em 2023, nesta faixa etária, a frequência escolar foi de 89,95%, é o que mostram dados do portal Primeira Infância Primeiro. Já na faixa etária de 0 a 3 anos, a meta é o atendimento de, no mínimo, 50% das crianças, mas 37,76% frequentavam a pré-escola ou creche em 2023.
O projeto de lei do novo Plano Nacional de Educação (PL 2.614/2024), em tramitação no Congresso Nacional, possui como objetivo a ampliação da oferta da creche e universalização do acesso à pré-escola.
Na faixa etária de até 3 anos, a meta do novo PNE é garantir, no mínimo, 60% das crianças na creche até ao final da vigência do plano. A terceira meta do plano é universalizar o acesso à educação infantil na pré-escola para crianças de 4 a 5 anos até o terceiro ano de vigência.
Taxa de escolarização de crianças de 0 a 5 anos
Região |
Faixa etária |
||
0 a 1 ano |
2 a 3 anos |
4 a 5 anos |
|
Brasil |
16,3% |
58,5% |
92,9% |
Norte |
4,2% |
37,4% |
86,5% |
Nordeste |
5,9% |
60,2% |
94,4% |
Sudeste |
24,3% |
63,8% |
94,5% |
Sul |
25,9% |
63,0% |
91,4% |
Centro-Oeste |
15% |
47,7% |
90,6% |
Fonte: Pnad Educação 2023/IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
O percentual de crianças brancas na creche (35,12%) é maior que de pardas (31,33%), pretas (3,40%), amarelas (0,31%) e indígenas (0,46%), enquanto que crianças com raça/cor ignoradas compõem 29,38% das matrículas, segundo o portal Primeira Infância Primeiro, a partir de dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
Na pré-escola, o maior percentual de matrículas é de crianças pardas (31,84%), seguida por crianças brancas (31,84%), pretas (3,21%), indígenas (0,79%) e amarelas (0,32%), enquanto que 28,94% não tiveram raça/cor declarada.
Em 2022, na faixa-etária de 0 a 3 anos, a cobertura também foi maior em áreas urbanas (40,3%), do que rurais (20,7%), segundo dados do o 5º relatório de monitoramento do PNE, publicado em junho de 2024.
Um dado que evidencia a desiguladade de acesso entre crianças negras e brancas é a situaçao do Rio de Janeiro, onde 54% da população declara ser preta ou parda, somente 118 creches e pré-escolas em período integral (cerca de um terço do total) superam esta porcentagem de matrículas de estudantes negros. Foi o que revelou a reportagem publicada no Gênero e Número.
De acordo com estudo realizado pela Fundação Maria Cecília Vidigal, 59,8% (5.274.976) das crianças na primeira infância e que estão no Cadastro Único da União, que identifica famílias de baixa renda, nunca frequentaram a creche ou pré-escola.
No debate sobre educação infantil, é importante considerar que os desafios vão muito além da falta de acesso à creche, uma vez que estudos e especialistas têm apontado que o atendimento de baixa qualidade na primeira infância é prejudicial para o desenvolvimento infantil.
A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) possui diretrizes de aprendizagem específicas para crianças de 0 a 5 anos. São cinco campos de experiência para a educação infantil (Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações), que asseguram os direitos de aprendizagem e desenvolvimento: conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se.
Estudo conduzido por um grupo de pesquisadores analisou o desempenho em matemática de crianças do 4º ano do ensino fundamental no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). A baixa qualidade das creches e a ausência de estímulos são apontadas como possíveis causas para os maus resultados de crianças com mães com baixa escolaridade.
Elaborada pelo Núcleo de Ciência pela Infância, a pesquisa destaca que os efeitos no desenvolvimento gerados por desigualdades socioeconômicas, educacionais e na saúde podem afetar diferentes gerações.
Para saber mais:
1º Simpósio Internacional de Educação Infantil, organizado pela Fundação Bracell - Assista aqui.
Seminário Implementação dos Parâmetros de Qualidade e Equidade da Educação Infantil, organizado pelo MEC - Assista aqui.
Seminário Regional do Nordeste - Parâmetros de Qualidade e Equidade para a Educação Infantil, promovido pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em parceria com o MEC - Assista aqui.
Tem mais sugestões e indicações para este material? Escreva para contato@jeduca.org.br.