O debate em torno da atualização da PNEEPEI (Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva) foi um dos temas do webinário realizado em maio pela Jeduca e pelo movimento Todos pela Educação sobre a Meta 4 do PNE (Plano Nacional de Educação), que aborda a educação especial/inclusiva. O assunto ainda não ganhou força no noticiário, mas já está mobilizando os movimentos e organizações ligadas aos segmentos envolvidos – os estudantes com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e superdotação/altas habilidades.
A notícia sobre a avaliação e possível atualização da política de educação especial e inclusiva foi dada pelo MEC (Ministério da Educação), que publicou nota em seu site sobre uma reunião com representantes de entidades ligadas ao setor para apresentar as diretrizes e os conceitos orientadores da revisão em estudo.
Segundo o MEC, o objetivo é promover a “inclusão efetiva e não apenas a matrícula”, além da “acessibilidade plena a todos os recursos que viabilizem o crescimento e aprendizagem dos alunos”. O texto informa ainda que será realizada uma consulta pública sobre o assunto para receber contribuições da sociedade, ainda sem data definida.
Outro motivo, de acordo com o ministério, é a necessidade de atualizar a política frente aos marcos legais aprovados após 2008, o que inclui mudanças na LDB (Lei de Diretrizes e Base da Educação).
“Esses marcos legais trouxeram exigências que devem ser observadas, entre elas alterações de terminologias e conceitos, a exemplo da denominação de transtornos globais do desenvolvimento, atualizada para transtornos do espectro autista, bem como a área das altas habilidades/superdotação, cuja identificação dos estudantes ainda é um grande desafio a ser enfrentado, com propostas de atenção especializada a serem desenvolvidas”, informou o MEC.
Diferenças de perspectiva
O debate sobre a política é visto com bons olhos pelos atores envolvidos, mas não existe consenso entre as organizações e grupos sobre as mudanças. Há grupos favoráveis à revisão, e outros que temem que a proposta do MEC altere a concepção de educação inclusiva atualmente em vigor, a qual preconiza que esses alunos sejam matriculados em classes comuns, junto com os demais estudantes. Para esses setores, além de não haver contradição entre a PNEEPEI e a legislação em vigor, é preciso manter e fortalecer as escolas regulares como espaços de formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e superdotação/altas habilidades.
Como reiterou durante o webinário a jornalista Lailla Micas, do Instituto Rodrigo Mendes, é fundamental preservar alguns princípios preconizados pela legislação em vigor. “Não se pode permitir retrocessos de pontos que vêm sendo acompanhados ao longo dos anos e têm melhorado”, diz ela, referindo-se aos dados de matrícula dos estudantes com necessidades educacionais especiais.
Dados do Censo Escolar, compilados na plataforma Observatório do PNE, apontam que, do total de matrículas desse grupo de alunos, 82% eram em escolas comuns no ano de 2016. Essa proporção representa uma inversão da tendência no período anterior à política, quando predominavam as matrículas em escolas especiais (ou seja, que atendem exclusivamente crianças e adolescentes com alguma deficiência ou outro tipo de necessidade educacional específica). Em 2007, menos da metade dessa população (46,8%) frequentava uma escola comum.
De acordo com Lailla, na perspectiva da inclusão é fundamental manter e ampliar o número desses estudantes em escolas comuns. “É papel da sociedade, segundo a legislação em vigor, eliminar as barreiras para que haja equiparação de oportunidades. Isso significa colocar as pessoas em ambientes comuns. E o atendimento educacional é feito pela escola”.
Nesse contexto, explica a jornalista, o AEE (Atendimento Educacional Especializado) é um dos recursos que garantem a equiparação de oportunidades da pessoa com deficiência dentro da escola, e por isso deve ser exercido preferencialmente na rede regular de ensino. “É somente colocando essas pessoas nas escolas que a gente consegue compreender os desafios, para enfrentá-los e fazer as mudanças de práticas pedagógicas e de gestão necessárias.”
O papel do AEE
A oferta de AEE em escolas é um dos pontos que estão no cerne do debate e deverá ser um dos aspectos enfocados na atualização da política, segundo informou a diretora de Educação Especial do MEC, Patrícia Raposo.
A política em vigor preconiza que os professores da sala de aula comum e os de AEE trabalhem em conjunto, criando e implementando estratégias capazes de promover a aprendizagem e a socialização dos estudantes com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e superdotação/altas habilidades. Entretanto, diagnóstico realizado pelo MEC em nível nacional, cujos resultados foram apresentados na reunião com as entidades, apontam para um baixo grau de articulação entre o professor da sala comum e o professor de AEE.
Em matéria sobre o assunto, a Inclusive, agência de notícias especializada em inclusão, contextualiza o debate no âmbito legal nacional e internacional, apontando os efeitos de cortes de recursos sobre os programas na área da educação especial. A agência divulgou o power point apresentado na reunião no ministério.
Um dos resultados da avaliação apresentados pelo MEC aponta que uma minoria de alunos com necessidades educativas especiais matriculados em escolas comuns recebe atendimento especializado: em 2016, eram 36,8%, proporção considerada baixa pelo ministério (clique aqui para ver a apresentação)
Reações à proposta
O Fórum Nacional de Educação Inclusiva publicou um documento que questiona os argumentos apresentados pelo MEC. Entre as ressalvas está a de que nem todo aluno com necessidade educativa especial precisa, necessariamente, do AEE.
Além disso, o documento diz que as definições e caracterizações propostas pelo ministério podem dar margem a um retorno a um modelo da educação especial como um sistema paralelo ao ensino regular, com salas e escolas especiais para estudantes com deficiência e outras necessidades específicas.
Outra crítica que surgiu diz respeito ao fato de entidades historicamente envolvidas no debate sobre educação especial/inclusiva não terem sido convidadas para a reunião do MEC. Nesse contexto, o Comitê Diretivo do Mieib (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil) enviou ofício ao ministério solicitando que movimentos sociais, universidades e entidades de classe sejam ouvidas e consideradas no processo, como informa texto em seu site.
Segundo os críticos, essa questão é relevante, pois a maioria das organizações convidadas seria favorável à diversificação dos espaços de atendimento especializado aos estudantes, de modo que ele não seja ofertado, necessariamente, na escola comum.
A Rede Brasil Atual noticiou que a Associação de Magistrados do Rio de Janeiro enviou ofício ao MEC solicitando uma audiência para discutir a proposta de atualização da PNEEPEI antes da consulta pública. A entidade considera que as propostas apresentadas são “inconstitucionais e restritivas aos direitos dos alunos da educação especial”. Outras entidades também enviaram oficio ao ministério, questionando a proposta.
Em resposta à reportagem, que procurou o MEC, a Assessoria de Comunicação informou que haverá consultas a especialistas e a entidades representativas da sociedade civil, bem como a representantes dos sistemas de ensino. Depois disso será elaborada uma proposta inicial que ainda irá para consulta pública, para que a sociedade possa dar sua contribuição.
Dicas para a cobertura
O que o jornalista precisa ter em mente nessa cobertura é procurar levantar informações que colaborem para trazer para o debate público elementos que ajudem na compreensão da própria política, seus efeitos e os desafios existentes. Não é simples fazer essa cobertura porque, de um lado, ela envolve conceitos e aspectos legais bastante específicos que precisam ser bem compreendidos.
Além disso, existe uma carência de dados. Não se sabe, por exemplo, o tamanho do público-alvo de educação especial no Brasil, já que inexistem dados que dimensionem a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e superdotação/altas habilidades.
Esse fato impõe uma série de dificuldades para a implementação de políticas e monitoramento de metas – inclusive a Meta 4 do PNE, que prevê a universalização do atendimento educacional especializado desse grupo preferencialmente na rede regular de ensino até 2024. Afinal, se o tamanho da população é desconhecido, não há como saber quantas crianças e adolescentes estão fora da escola. Os dados disponíveis são do Censo Escolar, que permitem um retrato parcial da realidade (como compreender características da trajetória escolar desses estudantes, por exemplo).
Também são escassas as informações disponíveis sobre financiamento dos programas governamentais associados à implementação das políticas de educação especial/inclusão, o que pode merecer um esforço de investigação dos jornalistas.
A formação dos professores, sobretudo a formação continuada, e demais profissionais da escola é um fator crucial para a inclusão, constituindo outra frente de análise para quem está na cobertura.
Não menos importante, nessa cobertura, é ir às escolas. O jornalista precisa ouvir professores, gestores, os próprios estudantes e suas famílias sobre a educação que recebem e suas expectativas.