Da Newsletter da Jeduca
A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) foi um dos principais assuntos da cobertura jornalística de educação em 2017 e deverá permanecer como destaque em 2018. As matérias se intensificaram em dezembro por causa da possibilidade da aprovação definitiva do texto pelo CNE (Conselho Nacional de Educação). O fato de o documento revisado não ter sido divulgado para a imprensa antes das discussões finais esquentou a cobertura. A Base acabou chegando à opinião pública por meio de um vazamento ao jornal Folha de S. Paulo.
A votação no CNE, depois de discussões que estenderam desde abril, estava prevista para a primeira semana de dezembro. A imprensa se preparou para a cobertura, mas a decisão foi adiada porque três conselheiras pediram vistas, em meio a tensão e a protestos. A decisão do Ministério da Educação e do CNE de não divulgar a versão atualizada intensificou os debates – a própria Jeduca se posicionou a favor da transparência, para permitir uma cobertura jornalística mais qualificada.
A associação fez uma solicitação formal a ambos os órgãos. “Entendendo que a divulgação desse documento é importante para o debate público, a Jeduca solicita que o ministério ou o próprio conselho divulgue a nova versão, na íntegra, o mais rápido possível, para que seja analisada pela sociedade antes da votação do CNE. Essa medida permitirá que os jornalistas consigam contribuir para um debate de qualidade sobre política de tamanha importância”, dizia o texto. Não houve resposta.
Embora o texto não tenha sido divulgado, os jornalistas começaram a ter acesso a seu conteúdo. Em 5 de dezembro, O Estado de S.Paulo publicou a informação dada por conselheiros que haviam tido acesso ao texto de que o ensino religioso passaria a ser uma área da BNCC. A religião não fazia parte da versão 3 do documento e a sua inclusão como área causou polêmica. A religião é uma disciplina cuja matrícula é facultativa. Segundo a matéria, a mudança “desagradou a conselheiros que participaram do debate”.
No dia seguinte, a Folha de S.Paulo teve acesso ao texto revisado na íntegra da Base e o publicou no impresso e na internet. Em seu portal, era possível consultar página por página. Algumas delas tinham a inscrição “material embargado”.
A reportagem destacou alterações na Base em pontos sensíveis, como as questões de gênero, e confirmou a inclusão do ensino religioso como área: “O MEC já havia retirado, sem alarde, três menções ao respeito à identidade de 'gênero' e 'orientação sexual' da terceira versão da base. Agora, a Folha identificou ao menos dez trechos suprimidos pela equipe do ministro Mendonça Filho (DEM-PE)", relata o texto.
A despeito dessas supressões, o MEC ainda havia incluído na área de ensino religioso a abordagem de concepções de "gênero e sexualidade" de acordo com as tradições religiosas. Após repercussão negativa, esse trecho foi retirado do texto final aprovado no CNE.
As alterações no texto mobilizaram a cobertura nos dias seguintes, em veículos de diversas regiões, como o jornal O Tempo (MG) e a Gazeta de Alagoas (AL). Paralelamente, alguns dos principais jornais – Folha e O Globo – abordaram a BNCC em editoriais, defendendo a criação de referenciais comuns de aprendizagem.
Embora, de maneira geral, os grandes jornais tenham se posicionado em editoriais a favor da BNCC, enfatizando sua importância para reduzir as desigualdades e para o avanço da aprendizagem, o tom da cobertura variou. Enquanto O Estado de S. Paulo e O Globo optaram pela análise e discussão das áreas específicas, como português, matemática, alfabetização, a cobertura da Folha de S. Paulo destacou mais a questão política, enfatizando os movimentos do governo Temer para acelerar a votação da Base.
No dia seguinte à aprovação da Base pelo CNE, a notícia não foi manchete nos principais jornais, mas teve chamada nas respectivas primeiras páginas. O texto final aprovado no CNE retirou a menção a gênero e sexualidade do bloco de ensino religioso e deixou os dois temas para discussões futuras. Quando o MEC homologou a BNCC, a Folha deu manchete para o assunto e destrinchou detalhes das áreas do documento.
Na internet, o G1 foi o site que mais acompanhou todo o processo de tramitação da Base no CNE em matérias que, em geral, sistematizaram os principais pontos de maneira didática. O material foi organizado num especial, o que facilitou a compreensão do processo.
A diferença entre a Base e o currículo tem sido enfatizada no debate e já foi enfocada por diversas matérias, sobretudo após a homologação pelo MEC. A essa altura, já havia mais entendimento por parte da mídia e da sociedade sobre a BNCC. Do G1 ao Diário do Pará, passando por sites do terceiro setor, como o Porvir, jornalistas se dedicaram a explicar os efeitos da BNCC sobre o dia a dia de estudantes, professores e das famílias.
Para quem vai se aprofundar nessa cobertura, é preciso lembrar sempre que a Base é uma espécie de ordenamento geral que estabelece o que deve ser assimilado ou desenvolvido pelos alunos em cada ano da educação infantil e do ensino fundamental. Ela deve funcionar como um norte, uma referência, para que os sistemas de ensino construam currículos alinhados com os objetivos de aprendizagem nela definidos.
Então, a expectativa é a de que os currículos não sejam todos iguais, pois cada sistema pode eleger suas prioridades e as estratégias conforme suas características e necessidades locais, respeitando a autonomia das escolas. Por exemplo, a BNCC estabelece que a alfabetização deverá ser concluída até o 2º ano do ensino fundamental e descreve as habilidades previstas para o 1º e o 2º anos. Mas quais habilidades serão prioritárias e como elas serão trabalhadas cabe a cada sistema de ensino – e em última instância, cada escola – definir.
Este é um processo complexo e para que a BNCC produza o efeito desejado – reduzir as desigualdades na educação e melhorar a aprendizagem –, é essencial o engajamento de uma gama grande e diferenciada de atores – desde técnicos das Secretarias de Educação a professores, passando pelos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação e a comunidade escolar, além de universidades, organizações sociais, entre outros.
Considerando o tamanho do desafio e a importância da cobertura jornalística da implementação da BNCC, três pontos podem auxiliar os jornalistas nas futuras pautas:
O texto final da Base afirma que o regime de colaboração entre União, estados e municípios deve ser o caminho para viabilizar sua implementação. De fato, sem colaboração, parcerias e alianças a implementação da BNCC corre o risco de ser inviabilizada, já que boa parte das redes municipais (que concentram a maior parte das escolas e matrículas na educação infantil e no ensino fundamental) não dispõe de recursos financeiros nem de capacidade técnica para reformular seus currículos.
MEC, Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), organizações sociais, universidades já estão mobilizados e se movimentando nesse sentido em reuniões, como a que ocorreu em Brasília em 17 de janeiro, para definir os primeiros passos e as estratégias. O tempo é, contudo, o maior desafio: pela lei, os novos currículos devem começar a vigorar em 2019, ou seja, os sistemas de ensino têm um ano para se ajustar à nova configuração.
Conta a favor o fato de que muitos estados e municípios passaram pela experiência de renovar seus currículos recentemente: entre 2009 e 2014, 19 de 23 estados reformularam seus currículos de ensino fundamental, segundo a pesquisa "Currículos para os anos finais do ensino fundamental: concepções, modos de implantação e usos”, realizada pelo Cenpec para a Fundação Victor Civita. Essa experiência prévia pode tornar o processo mais ágil ao longo de 2018.
Além disso, nem todos estão partindo do zero. Alguns sistemas de ensino já estão reformulando seus currículos ou mesmo encerraram o processo, e podem se tornar referências. É o caso da rede municipal de São Paulo, que apresentou seu novo currículo em dezembro, no mesmo dia do anúncio da BNCC. O currículo paulistano foi discutido em matérias do Estadão, Folha e Rádio CBN, entre outros. Da mesma maneira, experiências consideradas bem-sucedidas, como a do Ceará, têm potencial para se tornar modelos, o que pode enfraquecer os processos locais de reformulação curricular.
Em contrapartida, o fato de 2018 ser um ano eleitoral pode pesar contra. O ministro Mendonça Filho já anunciou que vai deixar o MEC para concorrer nas eleições, o que deve levar a mudanças na direção da pasta e pode tumultuar o processo, considerando o protagonismo do ministério em articulação com o CNE para a aprovação da BNCC. Da mesma maneira, nos estados também deve haver trocas de secretários de Educação, o que pode truncar o andamento das atividades.
Por isso, é importante que os jornalistas acompanhem a movimentação em fevereiro e março, especialmente as articulações entre estados e municípios. É o período em que devem ser definidos os grupos de trabalho, os cronogramas e as estratégias para a construção dos novos currículos. Quanto mais articulados e estruturados os grupos, menor tende a ser o efeito das mudanças de governo.
Os jornalistas de educação também devem ficar atentos às dinâmicas que serão adotadas para construir os currículos, aos atores que vão participar (por exemplo: Qual será a participação dos professores? E dos Conselhos Municipais?), ao cronograma de execução, bem como produzir matérias para mapear as condições de infraestrutura e oferta das redes de ensino.
Essa configuração inicial dos grupos e ações pode ser decisiva para o formato do currículo de cada estado e município ao fim do processo. As linhas pedagógicas, o grau de autonomia das escolas e a articulação com as demandas e características locais, interfaces com as avaliações externas, entre outros aspectos, estão em jogo no desenho do novo currículo.
Outro aspecto que merece atenção será o estabelecimento das relações entre os conceitos estabelecidos na BNCC e as avaliações em larga escala. Por ser um documento de caráter normativo, a BNCC não detalha os conceitos pedagógicos que utiliza para estabelecer os objetivos/direitos de aprendizagem. Essa definição terá de ser feita pelos sistemas no processo de elaboração dos currículos e é fundamental para o monitoramento e a avaliação.
Quando a BNCC diz, por exemplo, que uma criança será considerada alfabetizada se for capaz de ler textos com “complexidade adequada à faixa etária”, é preciso definir quais são eles – tendo em vista inclusive que não existe consenso entre os diferentes grupos acadêmicos quanto aos conceitos, como bem mostrou a sucessão de versões da BNCC, elaboradas por especialistas com visões diferentes de educação e das questões pedagógicas envolvidas. Em síntese, há um debate pedagógico que precisa ter mais espaço nos textos jornalísticos.
Além disso, a BNCC vai levar à revisão das matrizes das avaliações de larga escala, como Prova Brasil. Elas só fazem sentido, somente trazem informações relevantes para orientar as políticas e as atividades em sala de aula, se houver articulação entre essas duas pontas.
Mas há também o risco de o currículo se moldar à avaliação, reduzindo o que se ensina e aprende na sala de aula àquilo que é avaliado nos exames de larga escala. Esse é outro campo que merece ser explorado pelo jornalismo de educação.
CALENDÁRIO DA BASE ATÉ A HOMOLOGAÇÃO
26.jun.2014
Plano Nacional de Educação é sancionado e prevê que o governo crie a Base Nacional Comum Curricular
Set. a dez.2015
Primeira versão é apresentada pelo MEC, com consulta pública na internet
3.mai.2016
Sai a segunda versão. MEC manda o texto ao CNE e a estados e municípios
23.set.2016
Medida provisória sobre reforma do ensino médio é publicada e adia a conclusão da Base para esta etapa de ensino
6.abr.2017
MEC entrega 3ª versão da Base para o CNE apenas com educação infantil e ensino fundamental
Jul. a set.2017
Audiências públicas são organizadas em todo o país pelo CNE .
15.dez.2017
CNE aprova o texto final da Base sobre educação infantil e ensino fundamental
20.dez.2017
Base Nacional Comum Curricular é homologada pelo MEC
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