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Só cadernos de economia destacam fusão da Kroton e Somos

Negócio deveria também ser discutido em matérias de educação, porque afeta a vida de mais de 1,2 milhão de alunos na rede privada e pode ter implicações na rede pública, que usa apostilas dos dois grupos

15/05/2018
Marta Avancini

A aquisição do Somos pela Kroton deverá mexer com a vida de mais de 1,2 milhão de alunos e 95 mil professores só no segmento privado. A fusão de dois dos maiores grupos educacionais do país pode ter ainda implicações nas escolas públicas. Apesar disso, a notícia circulou predominantemente nas editorias de economia, recebendo, portanto, um tratamento de negócio, sem levar em conta aspectos relacionados à educação.

 

A efetivação da compra depende de aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que, como destacou a revista Veja, vetou a fusão da Kroton com a Universidade Estácio de Sá no ano passado. Mesmo assim, a pauta merece atenção dos jornalistas de educação, principalmente por causa das consequências para o ensino básico.

 

Entre os grandes jornais impressos, Folha e Estadão deram a notícia de forma parecida, chamando a atenção para aspectos como o valor envolvido (R$ 4,7 bilhões) e o impacto positivo sobre o desempenho dos grupos no mercado financeiro – as ações do Somos subiram 49,3% e as da Kroton, 5,26%. O G1, como outros veículos, informou que a aquisição foi uma alternativa encontrada pela Kroton para efetivar seus planos de expansão após a negativa do Cade no outro negócio.

 

Nesse contexto, a educação básica é descrita como uma nova frente de negócios da Kroton, com um mercado avaliado pela empresa em R$ 100 bilhões, segundo O Globo. A Agência Brasil informou que, se a fusão se confirmar, a educação básica passará a ser responsável por 28% do faturamento da empresa.

  

Em meio a essas notícias, o site da Exame publicou a matéria “O que a expansão da Kroton representa para a educação no país”, identificando, com base em análises feitas por educadores e pesquisadores, possíveis efeitos da fusão. A intenção foi trazer a perspectiva de educadores e, de fato, o texto contempla alguns aspectos relevantes que podem ser trabalhados por quem está na cobertura de educação, incorporando mais vozes, dados e aprofundando análises.

 

Entre esses aspectos está a possibilidade de uma disseminação mais intensa dos sistemas apostilados tanto na rede privada quanto na pública, o que poderia influenciar na qualidade da educação e levar a uma padronização dos conteúdos e métodos de ensino e aprendizagem. O Somos detém cinco sistemas de ensino e a Kroton, três. Unidos, os dois grupos deverão ter maior poder de expansão. Assim, uma das pautas possíveis relacionadas à fusão é acompanhar esse movimento.

 

Mas há quem tenha outro olhar. As ações de gestão formação docente típicas desses grupos poderiam repercutir positivamente sobre as escolas e o aprendizado dos alunos.

 

Para saber se isso, de fato, acontece, é preciso que os jornalistas tragam para as matérias a perspectiva das escolas, produzindo conteúdo que aborde como funcionam as instituições ligadas a esses grupos e os impactos das metodologias adotadas sobre a aprendizagem de seus estudantes.

 

Nesse cenário, é interessante atentar para a rede pública. Kroton e Somos calculam que, com a fusão, 1,7 milhão de professores da rede pública serão usuários de produtos e serviços da Saber, nome da nova holding. Também existem pesquisas, como a realizada pela Ação Educativa e pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais no estado de São Paulo (publicada em 2016), que analisam os efeitos da adoção de sistemas apostilados em diversas redes municipais.

 

Em 2015, cerca de um terço das redes geridas por municípios paulistas adotavam esse tipo de material didático, segundo notícia no Estadão sobre a pesquisa. Os autores criticam a ampliação dos sistemas padronizados de ensino na rede pública por entenderem que isso significa, "na prática,o desvio de recursos públicos originalmente destinados à população em geral para a formação de lucro de grandes corporações econômicas" (veja a íntegra da pesquisa). 

  

Em outro estudo, publicado em 2012 na revista científica Economics of Education Review, Maria Carolina Leme, Paula Louzano, Vladimir Ponczek e André Portela Souza identificaram efeitos positivos dos sistemas apostilados no aprendizado dos alunos em municípios paulistas. No trabalho, porém, os próprios autores sugerem mais investigações. Por serem poucas as pesquisas já publicadas em relação ao tema, não há ainda evidência conclusiva a respeito do impacto desses sistemas na aprendizagem dos alunos.

 

Mas há várias frentes de investigação aqui: por que as prefeituras optam por esse tipo de material didático? Qual o impacto da compra desse material no conjunto dos gastos com educação de um município? E qual a opinião dos professores sobre as apostilas?

 

Outro tema que requer um olhar mais detalhado é a concentração decorrente da criação da holding no campo educacional. Juntas, a Kroton e o Somos responderão por cerca de 20% do mercado de apostilas. Mas, como o Somos atua em diversas frentes, inclusive em editoras, com a fusão calcula-se que serão atendidos 33 milhões de alunos de escolas públicas por meio do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). Quais as implicações disso em termos do tipo de material que chega às escolas?

 

Além disso, em artigo na Carta Educação, Theresa Adrião e Romualdo Portela, defendem que a aquisição do Somos pela Kroton colabora para a descaracterização da educação como direito e como dever do Estado, na medida em que alimenta a criação de mercados. Esse é um debate que permeia a notícia e merece aprofundamento, pois diz respeito à concepção de educação preconizada na legislação brasileira.

 

 

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