No debate sobre o uso de tecnologia por crianças e adolescentes, é preciso evitar a “demonização”, reforçaram os palestrantes de mesa do 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca. Para promover a navegação consciente e segura dos jovens no ambiente digital, eles defenderam a integração da tecnologia no currículo da educação básica e a importância de ouvir a nova geração.
A mesa “Tecnologia na educação: riscos e oportunidades em tempos de redes sociais e IA”, realizada em 26 de agosto, contou com Felipe Fortes (médico hebiatra), Patrícia Blanco (Instituto Palavra Aberta), e Giselle Santos (consultora em inovação e educação) e José Brito, diretor da Jeduca e fundador da Pupa Educação Digital, na mediação.
Da esquerda para a direita estão Giselle Santos (consultora em educação e inovação), Felipe Fortes (médico hebiatra),
José Brito (Jeduca e Pupa Educação Digital) e Patrícia Blanco (Instituto Palavra Aberta)
Créditos da imagem: Tiago Queiroz/Jeduca
Fortes, que também integra a equipe de saúde do Nesa (Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente) da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), falou sobre o cenário de adoecimento mental e cognitivo de crianças e adolescentes que, segundo ele, está relacionado à hiperconexão às redes sociais e ao momento de "Tiktorização" e brainrot.
Brainrot: termo da cibercultura para se referir ao adoecimento do estado mental decorrente do consumo excessivo de conteúdo superficial e pouco desafiador e reflexivo.
O controle do acesso dos jovens às tecnologias e redes sociais, para o médico, não envolve apenas a escola e família, mas toda a sociedade. Ele tomou como exemplo a aprovação da Lei nº 15.100/2025, sancionada no início do ano, que restringe o uso de celulares nas escolas.
“A gente mergulhou na hiperdigitalização na pandemia e as famílias têm dificuldade de dar alguns passos para trás e recombinar acordos. Não tem como fazer isso sem ser de modo coletivo, precisa de regulamentação“, afirmou Felipe.
“Educação digital e midiática não é sobre tecnologia. E sobre e com tecnologia”, disse a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco. Segundo a palestrante, a tecnologia deve ser incluída nas matrizes curriculares, assim como o debate precisa ser “menos alarmista e mais educativo".
“Eu acredito em olhar a tecnologia não pela lente da demonização do acesso, mas pela lente da democratização do conhecimento”, disse Patrícia.
Ela lembrou alguns dos marcos legais da tecnologia na educação: o complemento de Computação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), a PNED (Política Nacional de Educação Digital, a resolução nº 2/2025 do CNE (Conselho Nacional de Educação), que prevê introdução obrigatória da educação digital e midiática no currículo a partir de 2026.
A consultora em educação Giselle Santos observou que é necessário olhar para o contexto brasileiro. Além disso, boas práticas do uso de tecnologia digitais já existem em escolas públicas: um exemplo, de acordo com ela, é a rede estadual do Piauí, que implementou em 2024 a inteligência artificial como disciplina no currículo das escolas.
“A conectividade não vai resolver o problema da desigualdade. Não enquanto a gente achar que a resposta está lá fora. Precisa olhar para as pessoas e os contextos, como chega para a criança de periferia, de áreas ribeirinhas”, disse Giselle.
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Na cobertura, os palestrantes enfatizaram a importância de ouvir os adolescentes. “Eu acho que uma pauta importante seria dar voz às adolescências do nosso país, que são diversas e múltiplas. A adolescência do jovem periférico é diferente do jovem de uma população ribeirinha, que a gente beba dessa hiperculturalidade”, disse Felipe.
“Dentro da educação e do jornalismo, é sempre bom ouvir quem estamos mencionando. Se estamos falando de adolescentes, temos que ouvir essa galera”, concluiu Giselle.
Ela ressaltou que a utilização da IA não representa um problema, desde que o jovem seja capaz de realizar diferentes leituras de contexto, questionar as fontes de referência, verificar as informações e identificar os vieses da ferramenta.
“Vamos sair do punitivismo, vamos fazer pautas positivas em relação ao uso da tecnologia”, pontuou Patrícia. Além de ouvir os jovens, ela pontuou que a cobertura pode olhar para o que está sendo feito para estimular a construção de um ambiente digital ético, saudável e com a participação da juventude.
Diante dos debates sobre adultização infantil e da monetização da exposição de menores na internet, estimulados após a publicação do vídeo-denúncia do influenciador digital Felca, em agosto deste ano, Giselle lembrou que: “Adultização também é achar normal que criança tenha que trabalhar”.
Logo, para ela, uma vez que o impacto da tecnologia e das redes sociais varia conforme diferentes infâncias e juventudes, o letramento digital também precisa ser diferente segundo recortes de socioeconômicos, de raça e gênero.
Felipe destacou que a adultização de crianças e adolescentes não é exclusiva dos dias atuais. Ao mesmo tempo, muitas vezes os jovens também são infantilizados pelos adultos, o que dificulta o diálogo. “É entender que os adolescentes têm uma capacidade abstrata de dialogar sobre os assuntos mais complexos, eles conseguem contribuir com as suas realidades. As questões tecnológicas chegam primeiro neles”, concluiu.
O 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca contou com o patrocínio de Imaginable Futures, Instituto Unibanco, Fundação Bradesco, Fundação Lemann, Fundação Itaú, Arco Educação, Fundação Telefônica Vivo, Grupo Eureka, Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura e Santillana Educação e apoio da Fecap, Instituto Sidarta, do Colégio Rio Branco e da Loures. Conta também com apoio institucional da Abej, Abraji, Ajor, Canal Futura, Coalizão em Defesa do Jornalismo e Instituto Palavra Aberta.