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Trump sugere armar professor; imprensa ignora efeito na educação

Veículos brasileiros não ouviram educadores para analisar a influência da medida no ambiente escolar; jornais americanos fizeram alguma discussão nos dias seguintes à declaração

05/03/2018
Marta Avancini

 

Violência na escola é caso de polícia ou de educação? A pergunta volta à cena diante da proposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de armar professores para defender as instituições de ensino de ataques, como o ocorrido em 14 de fevereiro na escola Marjory Stonemann Douglas em Parkland, Flórida, que resultou na morte de 14 estudantes e 3 adultos.

 

Trump defendeu a ideia num encontro com estudantes e pais de vítimas de massacres realizado na Casa Branca. Para ele, uma estratégia para combater a violência é transformar a escola em um território armado, a fim de intimidar eventuais agressores. Assim, professores treinados poderiam portar armas escondidas e utilizá-las para defender suas escolas em situações de ataques. Em troca, o presidente ainda ofereceu um “pequeno bônus” aos docentes. “Os professores teriam uma arma escondida, teriam treinamento especial e estariam lá. E não haveria mais uma zona livre de armas”, disse.

  

O assunto, que, como era de se esperar, repercutiu amplamente nos Estados Unidos e em várias partes do mundo e foi notícia predominantemente nas editorias de Política. No primeiro momento, as discussões ficaram em torno da legislação sobre porte e uso de armas nos Estados Unidos ou dos custos envolvidos no pagamento do bônus aos docentes. Foi assim no New York Times e na CNN, por exemplo.

 

O jornal The Washington Post publicou duas matérias, uma na editoria de Política e outra na de Educação. Nesta última, foram ouvidos representantes de sindicatos e sistemas de ensino que rebateram a ideia.

 

Ao longo dos dias, a voz dos educadores ganhou algum espaço, como numa matéria do New York Times que discutiu, numa perspectiva crítica, a proposta de Trump a partir da experiência de professores e gestores. Uma articulista do Washington Post também abordou o assunto, falando que não se trata apenas de “colocar uma arma na escola, há enormes questões envolvidas”. Ela citou que mesmo policiais precisam passar por extensos treinamentos até estarem aptos a reagir numa situação de conflito. Fora isso, dizia o texto: como o professor com uma arma reagiria a uma criança fingindo atirar nas outras numa escola?

 

No Brasil, que também já teve episódios de violência desse tipo nas escolas, a cobertura reproduziu a abordagem apenas sob o ponto de vista da política e da segurança. A proposta de Trump foi destaque nas editorias de Internacional dos grandes veículos, que, de maneira geral, replicaram ou se pautaram pelas notícias das agências internacionais ou usaram seus correspondentes. Mas a questão educacional não apareceu.

 

Assim, em jornais como o Estadão e a Folha, o enfoque foi semelhante ao dos veículos norte-americanos, centrado no debate legal sobre as armas nos Estados Unidos, excluindo da pauta as questões da educação.

 

Na Folha, um editorial chamou a atenção para o absurdo envolvido na ideia, mas também não aprofundou muito as influências para a escola, alunos e professores. O texto citou que o “raciocínio chegou a merecer alguma acolhida, embora a maioria tenha aplaudido a declaração do pai de uma vítima”. Ele disse que os professores “já têm responsabilidades suficientes; carregar uma arma para tirar uma vida não deveria ser uma delas”. O Estadão se limitou a matérias descrevendo a ideia e ouvindo alguns representantes de sindicatos para criticá-la.

   

O G1 também deu a notícia em Internacional e reproduziu um texto da BBC Brasil, chamando a atenção para o fato de que a proposta reacendeu o debate sobre armar professores nos Estados Unidos.

 

Ao deixar a educação fora da pauta, perde-se a oportunidade de enfocar questões que ajudem na compreensão mais aprofundada da violência nas escolas. E, mais grave, como não há contextualização nem análise, a proposta de Trump acaba sendo tratada como apenas mais uma ideia para a questão da segurança, desconsiderando o lugar do professor e o papel social da escola.

 

A imprensa poderia ter ouvido educadores para discutir as consequências do armamento de professores em sala de aula para o ambiente escolar. Como isso influencia a vida dos alunos e o desempenho desse professor? Onde ficaria essa arma? Que tipo de riscos isso representa? Como ensinar com uma arma na cintura ou guardada na gaveta? Uma análise de um educador, por exemplo, enriqueceria a cobertura dos veículos nacionais.

 

Outro aspecto que aparece em várias matérias é a caracterização do autor dos disparos: o jovem Nikolas Cruz, de 19 anos, havia sido expulso da escola por mau comportamento e possui diagnóstico de autismo, déficit de atenção e depressão. Veja aqui matéria da EBC sobre Cruz.

 

Ao se chamar a atenção para as “patologias” do atirador, o risco é reforçar a visão da violência na escola como um fenômeno episódico, que acontece por causa de desvios de comportamento, dissociando-o das dinâmicas do ambiente escolar e das próprias práticas pedagógicas que podem fomentar a violência, em suas variadas formas de manifestação (psicológica, física, simbólica etc.).  

 

Estudos mostram que uma escola que não sabe lidar com a diferença, com os conflitos e com a indisciplina torna-se um ambiente propício à violência – das agressões veladas às lutas corporais entre alunos, passando pelos ataques a professores. Nesse sentido, pesquisas também enfatizam o papel do ambiente escolar na prevenção ou na intensificação da violência.

 

Do lado do professor e do gestor, estudos apontam para a importância desses profissionais para prevenir e evitar episódios de violência na escola, seja na resolução de conflitos, seja na criação de um ambiente escolar inclusivo e pautado pelo diálogo e o respeito.

 

A socióloga Miriam Abramovay coordenou várias pesquisas sobre violência nas escolas que apontam para essa direção (eis o link para uma delas). Pesquisadores como Telma Vinha e Yves La-Taille (link para vídeo) reiteram a importância da qualidade do ambiente escolar e da existência de ações voltadas para o diálogo e a resolução de conflitos no cotidiano, visando à prevenção da violência. Uma arma na mão do professor vai totalmente contra essa ideia.

 

Em síntese, o recado das pesquisas é que, em se tratando de violência na escola, um professor bem preparado vale mais do que um professor armado.

 

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