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Jeduca

Veja as orientações para a cobertura de massacres em escolas

Literatura nacional e internacional apresentam dados e análises que servem de referência para a produção de reportagens mais aprofundadas sobre o tema

18/03/2019
Marta Avancini

(Atualizado em 5/4/2023)


Esta semana, a escola estadual Raul Brasil, de Suzano (SP), retoma suas atividades, após o massacre na última quarta-feira (13/3), que resultou na morte de sete pessoas ligadas à instituição, entre estudantes e funcionários, após a invasão por dois ex-alunos. Ao todo, o atentado resultou em dez mortos, incluindo os atiradores e o tio de um deles.

 

Segundo um comunicado da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, na segunda-feira, 18/3, a escola reabre apenas para professores e funcionários, e na terça começa a receber os alunos para atividades de acolhimento. Ainda não há previsão de quando as aulas serão retomadas.

 

Assim como o atentado, a reabertura da escola deverá receber ampla cobertura jornalística, o que é natural por conta das características do acontecimento. Desde o dia 13/3, estão circulando reportagens, fotos, vídeos nas mídias tradicionais e na internet, especialmente nas redes sociais, revelando detalhes sobre os atiradores e as circunstâncias que os teriam levado a agir.

 

Essa cobertura, porém, suscita alguns questionamentos: até que ponto o destaque dado ao massacre e a maneira como ele é noticiado não contribuem para que outros episódios semelhantes ocorram? Como a mídia deve abordar esse tipo de caso? E mais: de que maneira, a cobertura pode incorporar questões de fundo envolvidas no episódio – a violência na escola, o papel da escola na vida do jovem, a relação da escola com seu entorno, as condições de aprendizagem, entre outras.

 

Neste texto, reunimos alguns pontos relevantes, baseados na literatura nacional e internacional, sobretudo dos Estados Unidos, que podem servir de referência para esta cobertura jornalística.

 

O conceito de "mass shooting"

Nos Estados Unidos, onde massacres como o de Suzano são recorrentes, é adotado o conceito de “mass shooting”, tiroteio em massa em português.

 

Segundo o sociólogo Túlio Kahn, a literatura criminológica norte-americana traça uma caracterização e um perfil dos autores dos tiroteios em massa: os crimes ocorrem em locais públicos, com quatro ou mais vítimas aleatórias e resultam em mortes próximas. 

 

Quanto aos autores de tiroteios em massa, eles são, predominantemente, homens brancos, alguns com histórico de distúrbios psiquiátricos variados ou histórico de violência doméstica. A disponibilidade de armas, favorece esse tipo de crime. Nos massacres em escolas, é comum que os autores tenham sofrido bullying – esta também é uma das hipóteses no caso de Suzano.

 

O "efeito contágio"

O chamado “efeito contágio” é um dos eixos de debate na literatura sobre o efeito da repercussão dos tiroteios em massa. Nos Estados Unidos, pesquisas apontam que, depois de um massacre, intensifica-se o debate sobre porte e uso de armas, levando a um aumento da procura por armas. Além disso, os estudos mostram que a repercussão na mídia de um “mass shooting” acaba estimulando outros casos semelhantes.

 

O Nexo fez um podcast sobre esse debate, apresentando as conclusões de estudos sobre os efeitos desse tipo de cobertura. Um dos estudos citados, “The effect of media coverage on mass shootings” (O efeito da cobertura midiática de tiroteios em massa), de Michael Jetter e Jay K. Walker, aponta uma relação estatística entre a cobertura da mídia de massacres e a ocorrência de casos semelhantes nos Estados Unidos. Segundo os autores, a cobertura jornalística pode desencadear até três massacres na semana subsequente.

 

O atirador não é o protagonista

 

Uma maneira de se evitar o "efeito contágio" é não usar repetidamente o nome e fotos do atirador (a menos que seja necessário entender a história) e não mostrar imagens que possam sugerir uma glorificação do agressor, segundo matéria publicada no site da EWA (Education Writers Association, a Jeduca dos Estados Unidos).

 

Em entrevista à Folha, o jornalista Dave Cullen, autor de um best-seller sobre o massacre de Columbine, afirma que foram cometidos muitos erros na cobertura do caso, entre eles o foco excessivo no assassino. “Isso o torna um herói. Nós não achamos que estamos fazendo isso: não falamos nada de heroico sobre ele! Mas o fato é que assim o transformamos numa estrela”, diz Cullen.

 

Nessa linha, em 2012, os pais de uma vítima em um massacre numa escola na cidade de Aurora, no estado do Colorado, criaram o movimento No Notority, que defende que as coberturas de tiroteios em massa em escolas sejam centradas nas vítimas, não nos atiradores.

 

 Evite conclusões apressadas

Outro equívoco nesse tipo de cobertura, segundo Cullen, é tirar conclusões apressadas sobre as motivações de tiroteios em massa em escolas.

Um massacre numa escola é um caso extremo de violência escolar que, em si, é um fenômeno complexo. E como detalhou Tulio Khan, são vários os fatores que levam uma pessoa a entrar num ambiente público e descarregar uma arma aleatoriamente contra as pessoas.


Os jornalistas devem ficar atentos a essa complexidade, entrevistando fontes que analisem o caso por diversas perspectivas e fenômenos associados (sociais, culturais, políticos, econômicos etc.) a ele.

 

Não aumente o trauma

O texto da EWA cita uma recomendação de LynNell Hancock, professora da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia, sobre entrevistas com crianças: "Primeiro, não faça mal". Este deve ser o ponto de partida para entrevistar crianças e adolescentes que testemunharam um incidente violento, como um tiroteio na escola, e estão estressadas e traumatizadas.

Além disso, peça permissão aos pais antes da entrevista e procure não ser invasivo.


Não é demais lembra que, no Brasil, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece uma série de regras para evitar a exposição desnecessária de crianças - artigos 17 e 241.


Outra fonte que pode ser útil para os jornalistas é o guia da EWA com orientações para entrevistar crianças, disponível no site da Jeduca.

 

A memória pode trair

Nas entrevistas, é essencial confirmar os principais detalhes informados pelas fontes ao invés de construir uma história em torno do ponto de vista de uma única pessoa. Os tiroteios em escolas envolvem crianças e jovens, que podem estar particularmente sugestionados pela situação e, por isso dar informações imprecisas, baseadas na memória, numa entrevista.

 

Há evidências de que nessas circunstâncias, nossa memória tende a ser pouco confiável, especialmente as chamadas memórias de flashes.

 

Por que a escola?

É importante levar em conta o sentido simbólico de um tiroteio em massa numa escola. O jornalista deve se perguntar, então: por que a escola e não outro lugar qualquer?

 

O Brasil já possui uma literatura considerável sobre a violência na escola, que aponta que dinâmicas inerentes à instituição podem colaborar para alimentar as diversas formas de violência – verbal, simbólica, física etc. – culminando em casos extremos como o de Suzano.

 

A precariedade da infraestrutura, a falta de espaços de convivência e de expressão, professores sem formação para lidar com conflitos, a ênfase em medidas repressivas e até a aprendizagem precária são fatores que contribuem para a violência na escola, mostram pesquisas como as realizadas por Telma Vinha e Miriam Abramovay.

 

Nas matérias, sempre que possível, é recomendável abordar e contextualizar essas questões. Assim, a violência na escola deixa de ser tratada de maneira isolada e como episódios isolados. Um exemplo de reportagem nessa direção foi publicada pelo site Jornalistas Livres.

 

Tente ampliar o debate

 A escola pode ser cenário de violência, mas também é um espaço privilegiado de prevenção de conflitos, agressões e ataques.

 

Para isso, ela precisa ser um território de promoção de boa convivência, marcado pela qualidade das relações. Isso é possível por meio de ações concretas voltadas para a melhoria da convivência, desenvolvidas a partir das necessidades e da realidade de cada escola – o que é política pública em países como a Espanha, onde cada escola tem de elaborar um plano de convivência com objetivos e ações concretas a serem implementadas.

 

Além disso, é importante que os jornalistas aprofundem a compreensão de problemas, presentes em muitas escolas públicas e que podem funcionar como fatores de estímulo á violência. Um deles é a evasão escolar, citada em váriias matérias como motivo que teria levado um dos atiradores atacar a escola Raul Brasil. 

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