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Webinário destaca desafios do ensino médio

Risco de ampliação de desigualdades e dúvidas a respeito da implementação da reforma e da BNCC foram alguns dos alertas feitos em debate sobre as metas 3 e 11 do Plano Nacional de Educação

02/05/2018
Redação Jeduca

Considerada a etapa mais problemática da educação básica no país, o ensino médio tem sido um dos focos da cobertura de educação desde o anúncio da reforma do ciclo, anunciada em 2016 e sancionada em fevereiro do ano passado. Na série de webinários sobre o Plano Nacional de Educação realizada pela Jeduca em parceria com o OPNE (Observatório do PNE) do Todos Pela Educação, o tema de abril foram as metas 3 e 11, que tratam dessa etapa de ensino.

 

Veja aqui um resumo do debate, realizado no dia 17, que reuniu Robson Rubenilson Ferreira, gerente de Ensino Médio da Secretaria da Educação da Paraíba e integrante do GT (Grupo de Trabalho) do Ensino Médio do Consed, o conselho dos secretários estaduais de Educação, e Tiago Borba, especialista do Instituto Unibanco.

 

Ambos analisaram o quadro atual do ensino médio a partir dos indicadores do OPNE e comentaram sobre o possível impacto das mudanças previstas na reforma e na nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular), encaminhada pelo governo federal ao CNE (Conselho Nacional de Educação) no início do mês passado. Os debatedores afirmaram que a reestruturação era necessária, para aproximar o ensino médio das expectativas dos jovens. Mas mencionaram vários pontos que permanecem obscuros e manifestaram o receio de que ela aprofunde as desigualdades já gritantes no sistema educacional brasileiro, prejudicando estudantes de regiões mais carentes.

 

Metas

 

A meta 3 previa universalizar até 2016 o atendimento escolar no ensino médio para toda a população de 15 a 17 anos. Também estabelece, para 2024 (quando termina a vigência do PNE), o objetivo de elevar a taxa líquida de matrículas para 85%.

 

A meta 11 prevê triplicar até 2024 as matrículas de educação profissional técnica de nível médio (em relação aos números de 2014), assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% da expansão no segmento público.

 

Dados do Observatório

 

O webinário foi aberto com uma exposição da coordenadora de projetos do Todos Pela Educação Vanessa Yumi, que navegou pelos indicadores do OPNE. A plataforma permite ao jornalista fazer comparações entre regiões, estados e, em alguns casos, por municípios, baixando tabelas e gráficos em vários formatos. No caso específico das metas 3 e 11, é possível desagregar informações sobre a população de 15 a 17 anos por localidade (urbana ou rural), raça, cor e renda familiar per capita. Veja abaixo um resumo dos dados:

 

Em 2015, o porcentual da população de 15 a 17 anos matriculada na escola (mesmo aquela retida no ensino fundamental) era de 84,3% – cerca de 1,5 milhão de adolescentes estavam fora da escola.

 

Quanto à taxa líquida de matrículas, porcentual da população de 15 a 17 anos atendida especificamente no ensino médio, em 2015 o indicador era de 62,7% – ainda bem distante do objetivo para 2024, de 85%.

 

Em 2014, 28% dos alunos não estavam cursando o médio na série indicada para sua idade no conjunto das redes pública e privada. A distorção idade-série permanece elevada, apesar de ter caído bastante nos últimos anos: o índice ficava perto de 45% em 2006. É importante notar aqui a disparidade entre as redes pública e particular. Na primeira a distorção idade-série é bem superior à da rede privada, 31% ante 7,5%.

 

Também em 2014, a taxa de alunos da rede pública que abandonam os estudos no ensino médio era de 8,6% e a de reprovação, de 13%.

 

Em relação à meta 11, o objetivo estabelecido para 2024 implica, em números absolutos, a oferta de 5,2 milhões de matrículas. Em 2015, porém, as redes ofereciam apenas 63,3 mil vagas.

 

Alerta sobre mudanças na Pnad

 

O debate começou com um alerta de Tiago Borba sobre mudanças adotadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), que serve como base para os indicadores das metas 1, 2 e 3 do Observatório. O IBGE incorporou nesta década uma nova metodologia de coleta de dados e passou a calcular duas Pnads: a tradicional – base dos indicadores de acesso do Observatório, entre elas os da meta 3 – e a Contínua. As duas não são comparáveis.

 

O IBGE manteve a divulgação da Pnad tradicional até 2015. Desde 2016, passou a divulgar apenas a Pnad Contínua. “Queria chamar a atenção para os jornalistas tomarem cuidado quando compararem um dado de 2015, 2016 ou 2017, para saber qual Pnad está sendo usada”, disse Borba.

 

Apesar de implicar uma quebra da série histórica (a Pnad tradicional começou a ser calculada em 1967), Borba elogiou a alteração. “A amostra da Pnad Contínua é bem maior do que a antiga, e territorialmente mais abrangente, porque cobre as regiões metropolitanas das grandes cidades, além de outras mudanças importantes”, disse.

 

Borba deu um exemplo do impacto significativo que a mudança de metodologia traz para as análises sobre o PNE. “Utilizando uma projeção de velocidade de melhora da Pnad Contínua a gente conseguiria atingir a universalização do atendimento prevista na meta 3 em 2028. Se você olhar para a Pnad antiga, a projeção indicava o ano de 2041.”

 

O Instituto Unibanco preparou no ano passado uma nota técnica sobre a Pnad, divulgada em conjunto com o Todos Pela Educação. Nela, sugere a troca da série histórica da Pnad tradicional pela da Pnad Contínua em análises sobre a meta 3. Isso porque, voltando ao exemplo citado por Borba, comparar as duas projeções de universalização do atendimento daria a impressão de que houve um avanço de 2016 em diante maior do que o efetivamente verificado.

 

Análise do quadro atual

 

Para o especialista do Instituto Unibanco, a situação do ensino médio continua sendo motivo de preocupação – como o contingente de 1,5 milhão de alunos fora da escola. Mas Borba também apontou avanços, mesmo que tímidos. “A melhora na distorção idade-série é muito relevante, o estudante está entrando no ensino médio, cursando na idade correta. Além disso tem o aumento da taxa de conclusão, que é muito importante” – em 2015, 56,7% dos alunos concluíram o médio até os 19 anos, ante 41,4% em 2005.

 

Mas o que fazer em relação à meta para 2016, que foi descumprida? “Acho que é preciso um debate, uma reflexão sobre como rever essa meta e suas estratégias e de como a gente parte daqui para um outro tipo de mensuração.”

 

A reforma e a BNCC

 

Ferreira falou a seguir sobre as discussões no GT do Consed a respeito da crise do ensino médio e da reforma patrocinada pelo governo Temer.

 

“O ensino médio vem passando por um processo de busca de identidade. Essa crise deve-se ao que gente espera para o aluno do médio e ao que o aluno espera do ensino. Principalmente no setor público nós temos hoje poucos estudantes que dão sequência aos estudos no ensino superior. E a demanda dos jovens que não vão para o superior? Eles estariam preparados para o mercado? O mercado tem condições de absorver todos com a formação que fazemos hoje?”

 

A avaliação no GT, que já vem de algum tempo, é de que era necessária uma mudança. “Se não esta, precisa passar por uma mudança na prática. A reformulação dos currículos, principalmente buscando a identidade do jovem com essa nova formação, essa nova estrutura curricular, é fundamental. Os jovens precisam entender que o ensino médio está dialogando com a sua formação enquanto pessoa, enquanto profissional.”

 

Borba chamou a atenção para outro ponto que enfatizou ao longo do debate: o risco de a implementação da reforma e da BNCC acentuar desigualdades entre regiões, estados e até mesmo municípios.

 

“Ambas, a reestruturação e a Base, dão diretrizes, regulações, mas elas não informam como implementar. Os desafios da implementação estão dados para os estados: tanto para construir os seus currículos, ampliar a carga horária (das atuais 2,4 mil horas anuais para 3 mil horas), quanto para ver como permitir que os alunos tenham acesso aos cinco itinerários formativos que a reforma propõe em municípios pequenos, que tem uma única escola”, disse. “É preciso estar muito atento. Mas acho que na Base, por exemplo, tem uma atratividade para os estudantes que, dependendo da forma como tudo for feito, pode mudar os indicadores que a gente viu no começo do webinário.”

 

Para Ferreira, a divulgação da proposta de BNCC do Ministério da Educação não respondeu às dúvidas levantadas pelo especialista do Unibanco. “A Base que foi apresentada ainda não está dentro das expectativas das escolas e das redes. O documento permite às redes construírem seus currículos, mas é ainda um pouco amplo ao ponto de as redes terem dificuldade de entender como farão isso.”

 

Um ponto ressaltado pelos dois debatedores foi a ausência de um diálogo mais aprofundado sobre as mudanças no ensino médio. Os dois criticaram a decisão do governo federal de encaminhar a reforma via medida provisória. Borba espera que o debate sobre a Base seja mais abrangente, apostando nas consultas públicas que o CNE vai realizar em todas as regiões do país. “Elas são necessárias e precisam incluir os próprios estudantes.”

 

“A gente esperava um processo de discussão muito mais amplo”, concordou Ferreira. “Contudo, entendemos que é uma oportunidade. Então é preciso que as comunidades e as escolas possam fazer uso desse momento de discussão para construir aquele currículo que esteja de fato dentro da sua realidade.”

 

Recursos

 

O representante do Consed falou da dificuldade de criação dos itinerários formativos previstos na reforma em municípios que, muitas vezes, tem uma única turma de ensino médio. Os técnicos chegaram a considerar a hipótese de o governo propor a adoção de itinerários que mesclassem conhecimentos de diversas áreas, o que acabou não vingando.

 

Uma opção que está sendo discutida é a de formar consórcios de municípios, para ampliar a oferta de itinerários – o que exigiria uma logística complexa, capaz de permitir aos jovens se deslocarem todos os dias para cidades próximas. O cenário é agravado pela crise financeira dos estados e pela contenção de investimentos em educação determinada pela emenda constitucional 95, que fixa um teto para gastos federais.

 

“Nós vemos a situação com muita preocupação, porque todos esses arranjos necessários para que o ensino médio tenha um pouco mais de sentido e contemple a realidade dos estudantes vão demandar investimento – e investimento alto”, disse Ferreira. “As diferenças entre os estados são muito gritantes. Em alguns deles, 80% dos municípios só têm uma escola de ensino médio.”

 

Borba ressaltou que em muitos casos não bastará ter professores suficientes para dar aulas nos diversos itinerários formativos: vai faltar espaço físico. “É o caso de municípios que têm uma única escola com turmas de ensino médio, fundamental 2 e até fundamental 1 todas  juntas. Como aumentar para 3 mil horas a carga horária se a escola está com os turnos todos tomados?”

 

O desafio da interdisciplinaridade na BNCC

 

O texto da BNCC encaminhado ao CNE só estabelece objetivos de aprendizagem específicos para duas disciplinas, língua portuguesa e matemática. As prescrições para as demais áreas seguem a lógica da interdisciplinaridade, algo que mesmo sistemas de ensino de alto rendimento, como o da Finlândia, ainda não conseguiram adotar na prática. Como fazer a interdisciplinaridade vingar se a formação básica do professor, além de ser considerada deficiente, ainda é muito calcada na divisão por disciplinas?

 

“Acho que o Consed, os secretários e secretárias estaduais, o CNE, fundações do investimento social privado que dão algum tipo de apoio, ajudam nas análises, e também alguns grupos de trabalho, todos temos que atentar para como conseguir acelerar o processo. A formação de professores é um dos pontos, a gente tem que pensar como dar conta da interdisciplinaridade tanto na licenciatura quanto com os professores já formados”, disse Borba. “Volto a ressaltar a importância tanto do OPNE quanto das evidências para a gente ter patamares e soluções adequadas para cada região, para cada estado e município. É um super desafio, mas eu acho que a Base é um ponto de partida que nos mobiliza.”

 

Para o especialista, é preciso considerar que a interdisciplinaridade também exigirá uma adaptação dos estudantes. “Não é só a questão dos professores. Os estudantes já vêm desde o fundamental operando na lógica das disciplinas.”

 

Ferreira disse que na Paraíba e em outros estados já existe um esforço de trabalhar a interdisciplinaridade antes mesmo da nova BNCC. “Desde 2015 temos tentado algumas alternativas na Paraíba, como a ampliação do ensino integral, buscando construir um currículo que dialogue com a interdisciplinaridade. Temos tido bons resultados. Agora isso depende também de um forte investimento da rede. É o que a gente tem feito aqui e muitas vezes com recursos próprios, porque os recursos que o MEC repassa não são suficientes. E nosso estado, do ponto de vista fiscal, está equilibrado, o que não é realidade no país como um todo”, disse. “Os professores que recebemos não estão formados para isso e não sei se todos os estados estão preparados para uma ação forte em formação complementar.”

 

Além do investimento em professores, a interdisciplinaridade implica investimentos em estrutura, a exemplo dos itinerários. “Eu até posso fazer uma atividade interdisciplinar dentro dos padrões tradicionais, mas, se a gente vai buscar um trabalho ligado a ciências, por exemplo, é preciso ter laboratórios”, disse. “E as nossas escolas, na maioria das vezes, ainda estão naquele padrão de salas e carteiras.”

 

Impacto das mudanças do médio no ensino profissionalizante

 

“De todos os itinerários, o do ensino profissionalizante é o que está mais nítido, até pela história que ele já tem na educação brasileira”, disse Ferreira. “Porém, ele enfrenta os mesmos desafios. Eu, como rede, preciso oferecer um ensino técnico que esteja dialogando com a realidade dos setores produtivos, com as expectativas dos estudantes. E mais uma vez vou precisar de recursos, porque o ensino profissionalizante exige laboratórios específicos.”

 

Ferreira também chamou a atenção para uma distorção existente hoje no ensino técnico. Por exigirem investimentos maiores, as escolas que oferecem a modalidade acabam sendo, na média, mais organizadas e estruturadas que as convencionais. Em muitos casos, elas têm demanda maior e fazem vestibulinhos, selecionando a elite dos estudantes da rede pública.

 

“Se eu pegar o exemplo dos institutos federais, a maior parte dos estudantes acaba se encaminhando para o ensino superior. Qual o sentido do ensino profissional? Ele realmente é para aquele estudante que quer entrar no entrar no mercado e atuar numa área com a qual ele se identifica e precisa de formação mais rápida?”, questionou. “Outra coisa que nos preocupa é a quantidade de estudantes que passam pelo ensino técnico e depois seguem para o superior em áreas diferentes da que cursaram no médio.”

 

O representante do Consed citou a certificação dos cursos profissionalizantes como mais uma fonte de dúvidas sobre a reforma e afirmou que os secretários ainda esperam alguma sinalização do MEC nesse sentido. “Há a possibilidade de a rede oferecer a parte propedêutica (o ensino médio tradicional) e parceiros como o Sistema S oferecerem a parte profissional. Mas como fazer a certificação?”

 

Borba manifestou preocupações adicionais em relação ao ensino técnico. “Precisamos ter cuidado para não formar pessoas para profissões que ainda não existem ou para profissões que em curto prazo estão deixando de existir por causa de processos de automação, robotização etc”, disse. “Outra coisa é o risco de acentuar a desigualdade se houver alguma tendência de alunos de classes privilegiadas terem acesso à abordagem propedêutica e outros apenas à técnica. A escolha do estudante precisa ser garantida.”

 

Mudanças no Enem

 

A BNCC do ensino médio vai exigir mudanças na matriz do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e de outras avaliações em larga escala, caso da Prova Brasil – que, como a ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização), também sofrerá ajustes por conta da nova Base do ensino fundamental, aprovada no ano passado.

 

Um dos efeitos possíveis da reestruturação é o Enem, mais focado em língua portuguesa e matemática, perder parte do seu poder de selecionar estudantes para cursos de ensino superior de outras áreas, como Física e Biologia. Para alguns analistas, isso abre a possibilidade de universidades retomarem vestibulares próprios, para ter mecanismos mais certeiros de seleção, ainda que associados à nota do Enem.

 

“A gente não tem nitidez, tanto no texto da reforma quanto no da Base, de como ficarão as avaliações externas. Isso afeta as séries históricas comparáveis, que inserem o Brasil no Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, na sigla em inglês], por exemplo, e tudo o que os estados vêm fazendo para conseguir evidências para a tomada de decisão de como traçar suas estratégias educacionais”, disse Borba. “O Enem, em particular, conversa diretamente com a questão da certificação também. Quem é que dará a certificação se tem itinerários diferentes, se tem ensino técnico-profissional, se tem o candidato que quer acesso ao ensino superior? Que combinação possível será essa? O MEC vai dar uma, o Sistema S vai dar outra, haverá uma combinação? Acho que uma coisa que talvez esteja sendo discutida e é meio consenso é que as avaliações externas terão de se adequar à nova base, e não o contrário. Porque senão o rabo é que vai abanar o cachorro.”

 

“O Enem precisa ter diretrizes muito claras porque as escolas hoje têm ele como referência, infelizmente acabam preparando para o exame. No GT do ensino médio não chegamos a uma resposta final, esperamos a conclusão da BNCC. A expectativa minha é de que o Enem continue, mas ele não tem condição de avaliar o conjunto do que o ensino médio vai oferecer”, disse Ferreira. “Existe, sim, a possibilidade de combinação entre uma avaliação mais geral, derivada da Base, e avaliações mais específicas que as universidades poderiam fazer, de forma complementar ao Enem.”

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