(Texto atualizado em 1/4/2019)
Os principais desafios e perspectivas envolvendo o regime de colaboração foram tema de um webnário realizado pela Jeduca nesta segunda-feira (1/4).
O evento contou com participação de Cybele Amado de Oliveira, presidente do Instituto Anísio Teixeira, ligado ao governo do estado da Bahia, e ex- diretora executiva do Icep (Instituto Chapada de Educação e Pesquisa), Binho Marques, consultor em gestão pública e ex-titular da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino do MEC (Ministério da Educação) e Fernando Abrucio, professor e pesquisador da FGV (Fundação Getúlio Vargas) que já realizou estudos sobre o tema, entre eles alguns para o Instituto Natura (links ao final do texto). A mediação foi do jornalista Ricardo Falzetta, membro do Comitê Editorial da Jeduca.
Durante o debate, foram apresentados aspectos centrais do regime de colaboração, uma figura jurídica prevista na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
Na lei estão definidos os papeis a serem desempenhados pela União, estados e municípios e de que maneira os três níveis de governo se articulam, tanto de maneira vertical, quanto horizontal. No entanto, ainda não existe uma regulamentação para o funcionamento das diferentes possibilidades de articulação entre os níveis de governo.
Experiências diversas
Além disso, embora o regime de colaboração seja uma dimensão fundamental para o funcionamento dos sistemas de ensino e, em várias partes do país existam articulações verticais (envolvendo diferentes níveis de governo) ou horizontais (entre prefeituras ou estados, por exemplo), o tema ainda é pouco explorado em pautas de educação.
Para os debatedores, as diversas possibilidades de arranjo e articulação entre municípios, estados e União podem ser uma alternativa no atual cenário de desarticulação do MEC (Ministério da Educação) e de escassez de recursos, em função do “teto de gastos”.
Em locais como o Ceará ou a Chapada Diamantina, experiências consolidadas há anos evidenciam os efeitos positivos da colaboração entre os grupos de município e governos estaduais. Há também o Movimento Colabora Educação, que há cerca de dois anos reúne organizações da sociedade civil com o objetivo de difundir o regime de colaboração.
Um dos casos mais conhecidos é o do Paic (Programa de Alfabetização na Idade Certa) no Ceará, que resultou em melhoria do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) através do trabalho conjunto de municípios com o objetivo de alfabetizar os estudantes na idade esperada.
Na Chapada Diamantina, interior da Bahia, desde 1997, um grupo de municípios trabalha em conjunto em torno de um objetivo comum: erradicar o analfabetismo, com forte ênfase na formação continuada em serviço de professores, o Projeto Chapada.
Neste caso, a mobilização, somada ao alinhamento entre as políticas e o “chão da escola” são os pilares que sustentam as ações e os bons resultados obtidos ao longo do tempo, afirma Cybele. “Construir a rede com os educadores, com os atores locais, desenvolvendo ações que façam sentido para eles, é, sem dúvida, o caminho da mobilização”.
Além disso, é preciso ter foco. “Não adianta ter 300 metas. É preciso partir do que é essencial, ter um foco central”, complementa Cybele. No caso da Chapada Diamantina, as metas foram erradicar o analfabetismo e constituir alfabetização plena como direito de crianças e jovens. O eixo do trabalho, detalha Cybele, foi a formação continuada de professores em serviço.
Sustentabilidade
No entanto, apontam os debatedores, ao mesmo tempo em que a mobilização é o ponto forte, por si ela não é suficiente para sustentar ações e políticas de sucesso ao longo do tempo.
“As formas de colaboração ainda são muito alicerçadas no pacto e no desejo comum daqueles que participam. Quando não há mobilização, tudo o que foi construído pode se perder”, analisa Binho Marques. Por isso, na opinião dele, o fato de não existir um sistema nacional de educação, que oriente de forma mais precisa as articulações entre os governos, prejudica a formação desses arranjos, além de colocar em risco os bons resultados obtidos.
Outro efeito negativo da ausência de regulamentação para o regime de colaboração é a disputa que existe entre estados e municípios em várias partes do país – por exemplo, para aumentar o número de matrículas – em vez de se colocar energia nas necessidades das escolas e fazer com que as políticas realmente cheguem a elas.
Para Fernando Abrucio, outro efeito negativo da ausência de regulamentação é o risco de essas experiências nem sempre acontecerem onde elas são mais necessárias – ou seja, as regiões mais pobres e com menos capacidade técnica para desenvolver e implementar políticas educacionais.
“Temos muito a aprender com as experiências que já existem, mas sem um sistema nacional de educação que as incentive, corremos o risco de ampliar as desigualdades”, afirma Abrucio. Na visão dele, instrumentos como fóruns federativos poderiam incentivar uma mudança de visão das políticas educacionais – que deixariam de ser concebidas de maneira isolada, para serem pensadas territorialmente.
“Um sistema nacional de educação poderia criar incentivos para que municípios articulassem políticas conjuntas”, enfatiza o pesquisador da FGV.
Ele cita como exemplo a implementação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular): “A Base vai exigir formação de professor, material didático, ações que poderiam ser otimizadas se fossem realizadas em conjunto. Não faz sentido cada município desenvolver a sua formação e seu material didático próprio. Essas são ações que têm que ser pactuadas ente estados e municípios ou serem feitas de maneira territorializada”.
O webnário pode ser conferido, na integra, a seguir:
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Para saber mais:
6 fatores de sucesso do regime de colaboração entre estados e municípios
Diálogos sobre a gestão municipal
Cooperação Intermunicipal – Experiências de Arranjos de Desenvolvimento da Educação no Brasil
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Regime de colaboração e associativismo territorial
Icep 20 anos – Lendo o mundo para escrever a vida (em breve no ar)