Os anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano), que historicamente receberam pouca atenção de políticas educacionais e do debate público, constituem uma etapa relevante para o desenvolvimento dos estudantes brasileiros. Desafios históricos (distorção idade-série e evasão escolar), o reconhecimento de que é necessário olhar para as especificidades das adolescências e a implementação de uma nova política nacional visam mudar este cenário.
O panorama da aprendizagem dos anos finais é desafiador. Além de resultados insatisfatórios em avaliações nacionais, há uma urgência em trabalhar a recomposição dos aprendizados dos estudantes, que sofreram com o fechamento das escolas durante a pandemia de Covid-19.
Esta etapa coincide com a passagem da infância para a adolescência. Além das transformações físicas, emocionais e sociais comuns aos jovens entre 11 e 14 anos, a forma como cada um vivencia a adolescência pode ser impactada por fatores como condição socioeconômica, território, gênero e raça.
As transições entre etapas, por oferecerem mais desafios aos estudantes, são fases críticas na trajetória escolar. Por exemplo, os alunos que chegam ao 6º ano, trazendo como referência suas vivências das etapas anteriores (educação infantil e anos iniciais), deparam-se com um modelo de escola diferente.
Outro ponto é que a adolescência é um período de vulnerabilidade para o desenvolvimento de transtornos emocionais, como ansiedade e depressão. Esse aspecto, somado aos traumas vividos pelos alunos, educadores e famílias, pode contribuir para a violência no ambiente escolar, destacando a importância de cuidados com a saúde mental e de ações de diálogo nos anos finais.
Além disso, em um contexto marcado pelo uso indiscriminado de tecnologia, discursos de ódio nas redes sociais e debate intenso sobre uso de celulares na escola, os estudantes também enfrentam situações de violência escolar (bullying, cyberbullying, violência física, sexual, etc).
Neste material, você encontra:
- O que muda nos anos finais?;
- Dados gerais dos anos finais;
- Políticas públicas dos anos finais;
- Desafios dos anos finais;
- Sugestões para a cobertura.
O que muda nos anos finais?
Na transição dos anos iniciais (1º ao 5º ano) para anos finais (6º ao 9º ano) do ensino fundamental, muitos estudantes trocam de turno ou mudam de uma escola municipal para uma unidade da rede estadual que atenda aos anos finais e ensino médio, por exemplo.
Eles passam a lidar com múltiplos professores, com metodologias diferentes, o que afeta o vínculo emocional e faz com que a relação com os docentes seja menos próxima em comparação às etapas anteriores de escolarização, destaca matéria do Porvir.
Uma mudança significativa na etapa é o currículo. De acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), nos componentes curriculares dos anos finais, os estudantes retomam e aprofundam os aprendizados dos anos iniciais. Por exemplo, além da introdução do ensino obrigatório de uma língua estrangeira, a área de ciências da natureza começa a abranger conteúdos de física, química e biologia.
Outra adaptação significativa para os estudantes das séries finais do fundamental é o abandono das atividades de caráter lúdico, comuns nos anos iniciais e da educação infantil, mas que são deixadas de lado nessa etapa.
Essas mudanças na rotina escolar exigem mais responsabilidade, organização pessoal e autonomia dos estudantes para lidarem com os múltiplos professores e o número maior de atividades.
A mudança de escola também significa a entrada em novos grupos de amigos, o que pode elevar a ansiedade e a dispersão em sala de aula. Outros fatores que colaboram para a falta de atenção são o desânimo causado pelas lacunas de aprendizado e a dificuldade que os docentes têm em manter a atenção dos estudantes com níveis de aprendizagem diferentes.
Os anos finais também correspondem ao período de transição da infância para a adolescência. Nesse período, o estudante passa por mudanças no âmbito comportamental, incluindo oscilações no humor e questionamentos sobre hierarquia, por exemplo, segundo explica especialista consultada em matéria da Nova Escola.
É importante destacar que os adolescentes desta faixa etária (11 a 14 anos) também estão passando pela puberdade, processo que envolve mudanças fisiológicas e emocionais. Nessa fase, regiões do cérebro não estão totalmente formadas, afetando a tomada de decisões dos jovens e a capacidade de avaliar riscos, tornando-os mais vulneráveis ao consumo de drogas e álcool. É o que explica pesquisadora da Universidade de São Paulo.
Dados gerais dos anos finais
A oferta dos anos finais é praticamente compartilhada entre estados e municípios, que devem organizá-la em colaboração segundo determina a LDB (Lei de Diretrizes e Bases). A rede estadual concentra 39,3% das matrículas (4,5 milhões), enquanto 43,6% (5 milhões) estão na rede municipal, segundo dados do Censo Escolar 2024.
Estudo produzido pelo Todos Pela Educação, realizado com base nos dados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) 2023, revela que, apesar da melhora nos níveis de aprendizagem dos estudantes nos anos finais, eles não voltaram aos patamares de 2019, antes da pandemia de Covid-19.
Na análise histórica, o estudo aponta que, na rede pública, a aprendizagem no 9º ano do ensino melhorou desde 2003. No entanto, esse crescimento é menos expressivo do que no 5º ano, no fim dos anos iniciais.
Um ponto de atenção nesta cobertura é o crescimento da taxa de reprovação dos estudantes que vão do 5º para o 6º ano do ensino fundamental, lembrando que se trata de um período de transição complexo em que os alunos se deparam com uma nova organização escolar e mudanças no seu desenvolvimento físico e emocional.
Políticas públicas dos anos finais
Para especialistas, os anos finais são a etapa que recebe menos atenção na elaboração de políticas educacionais. Artigo de opinião publicado no Nexo, destaca que outras etapas contaram com diferentes programas, como os relacionados à alfabetização e o debate público em torno do ensino médio.
Uma iniciativa voltada para os anos finais é a Política Nacional Escola das Adolescências, que foi lançada em junho de 2024, pelo MEC (Ministério da Educação). O lançamento foi precedido pela Semana Nacional da Escuta das Adolescências nas Escolas, realizada em maio.
A iniciativa se divide em três eixos:
Segundo o MEC, a política tem como objetivo “construir uma proposta para a referida etapa que se conecte com as diversas formas de viver a adolescência”, por meio do apoio técnico e financeiro do Governo Federal, incluindo a produção de guias temáticos sobre a etapa e incentivos financeiros para unidades escolares segundo critérios socioeconômicos e étnicos-raciais.
A iniciativa prevê o repasse de recursos financeiros às escolas por meio do programa PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola), na modalidade Escola das Adolescências. De acordo com a página oficial da política, o apoio está relacionado ao eixo de organização curricular e pedagógica e a ações de recomposição de aprendizagens, com apoio do Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens.
A ideia é que os recursos financeiros sejam usados na criação de clubes de letramento (científico, matemático, literário e de ação comunitária) e espaços de apoio para estudantes com defasagem em matemática, língua portuguesa e ciências da natureza.
Como parte do Pacto, o ministério lançou uma plataforma de avaliação dos anos finais, que também integra o programa Escola das Adolescências. Ela oferece dados e indicadores sobre o desempenho dos estudantes para secretários estaduais, gestores e professores.
Em 2025, algumas das ações relacionadas ao programa foram o lançamento do Caderno de Inovação Curricular (CIC): Clube de Letramento Científico para professores do 7º ano e a instituição do Comitê Gestor Nacional do Programa Escola das Adolescências.
A política também visa a melhora da qualidade dos anos finais e o alcance das metas 2 e 7 do Plano Nacional de Educação 2014-2024.
Segundo a meta 2, além de propor a universalização do ensino fundamental para toda a população de 6 a 14 anos, no mínimo, 95% dos alunos deveriam concluir a etapa de ensino na idade recomendada até 2024.
No entanto, de acordo com o 5º Relatório de Monitoramento do PNE, com base nos dados da Pnad Contínua, 84,3% dos jovens de até 16 anos haviam concluído o ensino fundamental em 2023.
A meta 7 prevê o fomento à qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, melhorando o fluxo escolar e a aprendizagem. Para os anos finais, ela estabelece que seja alcançada a média 5,5 no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Porém, no Ideb 2023, a etapa obteve a média 5,0, abaixo do número registrado em 2021 (5,1).
Já o projeto de lei do PNE 2024-2034 determina que 65% dos estudantes dos anos finais tenham nível de aprendizagem adequado até o quinto ano de vigência do plano e 100% até o final do decênio.
Desafios dos anos finais
Nos anos finais, os docentes precisam ter formação específica na área em que lecionam. Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica, produzido pelo Todos Pela Educação, em 2023, 59% dos professores que atuavam nesta etapa na rede pública tinham formação adequada.
É importante destacar que os anos finais são a etapa com menor percentual de professores com formação adequada. Nos anos iniciais, etapa em que a maioria dos docentes tem formação em pedagogia, o índice chega a 79%. Na educação infantil e ensino médio, o percentual é 68%.
Em pesquisa realizada pelo Itaú Social e Undime, lançada em 2023, 69,9% das redes municipais consideraram a formação de professores a respeito de aspectos específicos dos anos finais como um desafio na gestão da oferta.
O aumento da violência é outro desafio dos anos finais. Em pesquisa da Nova Escola, 48% dos professores da etapa relataram que houve aumento nos casos de violência psicológica e bullying em 2024. Para a educadora consultada pelo veículo, a intolerância nas redes sociais, falta de suporte emocional e o aumento na desigualdade social são fatores que contribuem para esse problema.
Outros desafios dos anos finais são o atraso escolar, o abandono e a reprovação, que se intensificam nessa etapa. Segundo dados do Qedu, a partir do Censo Escolar 2023:
O Ideb 2023 revelou que a taxa de insucesso (retenção e abandono) sobe de 6,2% para 13,8% entre os estudantes que passam do 5º para o 6º ano do ensino fundamental, segundo matéria do Porvir.
Para especialista, parte dos problemas de reprovação e abandono estão relacionados a falta de um olhar específico das políticas públicas para que escolas possam melhorar a qualidade da experiência para os jovens.
Sugestões para a cobertura
Para saber mais
Esquecidos! Crise nos anos finais do ensino fundamental - Documentário produzido pelo Lepes (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social)
Guia de apoio às transições e alocações de matrículas - Guia produzido pelo MEC
Anos Finais do Ensino Fundamental: desafios e perspectivas - Webinário do Itaú Social
Tem mais sugestões e indicações sobre este tema? Escreva para contato@jeduca.org.br.