(Com colaboração de Isabella Siqueira)
O MEC (Ministério da Educação) anunciou nesta quarta (22/3) o "Alfabetiza Brasil: diretrizes para uma política nacional de alfabetização", iniciativa que pretende estabelecer critérios para definir quais são as características e o nível de proficiência de uma criança alfabetizada no 2º ano do ensino fundamental. Para isso, vai realizar uma pesquisa que envolve a escuta de professores alfabetizadores de todo o país.
A ação é um passo para a formulação das diretrizes de uma política nacional de alfabetização, sinalizada como prioridade pelo presidente Lula e pelo ministro da Educação, Camilo Santana.
Afinal, a alfabetização das crianças é um desafio histórico no Brasil, que se acentuou com o longo período de fechamento das escolas entre 2020 e 2021 por causa da pandemia de covid-19.
A seguir, alguns pontos de atenção nessa cobertura.
O impacto da pandemia na alfabetização
Diversos estudos têm apontado os problemas na alfabetização e que crianças dos primeiros anos do ensino fundamental sofreram mais prejuízos do que os estudantes mais velhos com o ensino remoto.
- Os resultados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) 2021 mostraram que a queda de rendimento na etapa de alfabetização foi maior do que em outras fases da educação básica: em 2021, a proficiência média dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental foi de 725,5 contra 750 em 2019 (queda de 24,5 pontos). Além disso, o percentual de crianças com dificuldade para ler e escrever passou de 15,5% para 33,8% nos mesmo período. Nas etapas mais avançadas, a queda foi menor. É preciso lembrar, porém, que
- Mesmo antes da pandemia, a proficiência dos estudantes de 2º ano despertava preocupação
- Uma pesquisa de avaliação do primeiro ano de retorno presencial, realizada em dezembro 2022, mostra que 40% dos estudantes enfrentam desafios na alfabetização, de acordo com os pais. O dado é de pesquisa Datafolha realizada a pedido do Itaú Social, Fundação Lemann e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Em maio de 2022, eram 45%.
A pesquisa também revela que o problema tende a ser mais intenso nas escolas de menor nível socioeconômico, onde a proporção de estudantes com dificuldade na alfabetização chega a 50%. Além disso, segundo os pais, em média, 10% dos estudantes estão em nível muito abaixo do esperado em leitura e escrita. Esse número chega a 24% em escolas em regiões mais pobres
- Uma análise do MEC e Caed/UFJF (Centro de Avaliação Educacional da Universidade de Juiz de Fora), realizada a partir de diagnóstico feito por professores na retomada presencial em 2021, mostrou que os estudantes de 1º e 2º anos ficaram abaixo do Marco Zero (pontuação mínima na escala adotada). Os estudantes pontuaram em média 129 e 146, respectivamente, e o mínimo deveria ser 158. A análise foi citada no artigo “Impactos da pandemia na alfabetização das crianças brasileiras”. Em 2022, o MEC divulgou que 54% dos estudantes de 3º ano, 44% dos de 4º ano e 20% dos de 5º ano haviam atingido a pontuação mínima.
Por que as crianças em alfabetização foram mais afetadas?
Uma explicação é que a alfabetização requer a mediação do professor, que deixou de ocorrer no ensino remoto, analisa a pesquisa Alfabetização em Rede, realizada por um grupo de universidades públicas. Em muitos casos, os pais assumiram o papel de mediador, mas nem sempre eles estavam aptos. Além disso, os estudantes tinham dificuldade de acessar as aulas remotas por falta de equipamentos e para realizar as atividades propostas.
Dica de cobertura: Este é um ponto de atenção na cobertura e pode render pautas que mostrem o que as escolas estão fazendo para recompor as aprendizagens das crianças na faixa etária da alfabetização.
É preciso levar em conta os recursos disponíveis para as escolas e professores. Também é preciso monitorar como estão as políticas do governo federal relacionadas à alfabetização, em meio aos cortes orçamentários e descontinuidade de políticas, especialmente no governo Bolsonaro.
A alfabetização na BNCC
Um dos objetivos do MEC é estabelecer uma definição de alfabetização alinhada com a BNCC.
A BNCC define que a alfabetização abrange conhecer o funcionamento do sistema de escrita juntamente com o conhecimento sobre o uso da língua no cotidiano.
O documento também indica que as crianças têm que estar alfabetizadas no 2º ano do ensino fundamental. Antes da BNCC, o marco era o 3º ano, segundo a legislação em vigor na época.
A BNCC também não define um único método de alfabetização. E, na prática, relatos de professores dão conta de que eles recorrem a várias estratégias diferentes para alfabetizar.
Dica de cobertura: Compreender o debate sobre as concepções e métodos de alfabetização pode ajudar a aprofundar as reportagens.
Avaliação da alfabetização
A intenção do MEC é chegar a uma definição do nível de proficiência necessário para definir que o estudante está alfabetizado. Para isso, é importante compreender como o Saeb funciona.
Em 2021, o Saeb avaliou o desempenho das crianças do 2º ano do ensino fundamental em língua portuguesa e matemática. A avaliação foi amostral, ou seja, não foi feita com todos os alunos.
Para avaliar, o Saeb 2021 adotou uma escala de proficiência em 8 níveis associados a determinadas habilidades. Por exemplo, no nível 1, os estudantes conseguem relacionar o som de uma consoante com a letra em um ditado. No nível 4, são capazes de localizar informações em um texto de duas linhas. O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável pelo Saeb, possui documentos detalhando a matriz e a escala de avaliação.
Desde 2019, o Saeb passou a monitorar a alfabetização no 2º ano do ensino fundamental, seguindo a indicação da BNCC.
Antes, a alfabetização era medida pela ANA (Avaliação Nacional de Alfabetização), criada em 2013 e incorporada ao Saeb em 2019. A ANA foi aplicada em 2014 e 2016.
Dica de cobertura: Além dos resultados gerais, as avaliações contêm dados por estado, município, zona rural e urbana, o que permite uma análise dos cenários locais. Esses dados estão disponíveis no site do Inep.
Histórico das políticas de alfabetização
A alfabetização tem sido anunciada como prioridade por vários governos e, ao longo do tempo, várias políticas foram implementadas e descontinuadas.
Dica de cobertura: A descontinuidade das políticas educacionais é uma característica do Brasil e pode ser um dado de contexto relevante na cobertura, ajudando a colocar em perspectiva os desafios e as boas práticas.
Geralmente o Ceará e o município de Lagoa Santa (MG) são citados como casos de sucesso, mas existem outros, que podem inclusive ser identificados a partir dos resultados do Saeb.
Algumas ações recentes na área de alfabetização:
Governo Bolsonaro
A PNA (Política Nacional de Alfabetização) foi instituída por decreto em 2019. Ela é criticada por atores do campo da educação porque propõe um único método de alfabetização (o método fônico).
Uma análise da PNA feita pelo Cenpec concluiu que a proposta da PNA limita a alfabetização à capacidade mecânica de decifrar letras, sílabas e palavras. Em contrapartida, os defensores da PNA afirmam que ela se baseia em evidências científicas na área das ciências cognitivas.
A PNA continua em vigor, mas o anúncio do MEC é uma indicação de que ela será substituída por uma nova política.
Governo Temer
Em 2018, foi criado o Programa Mais Alfabetização com o objetivo era reverter estagnação na aprendizagem, revelada pela ANA: em 2016, 54,73% dos estudantes com mais de 8 anos tinham níveis considerados insuficientes de leitura; em 2014 eram 56,1%.
Governo Dilma
Em 2012, foi criado o Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), durante o governo Dilma Roussef, um compromisso assumido por governo federal, estados e municípios de assegurar a alfabetização de todas as crianças aos 8 anos, no 3º ano do ensino fundamental.