Um dos principais temas da cobertura de educação, a valorização docente, deve ganhar espaço no final deste ano com o lançamento de um pacote de ações pelo MEC (Ministério da Educação) destinado a professores da educação básica. Entre as medidas que serão anunciadas estão uma prova nacional unificada para selecionar docentes, bolsas para estudantes de licenciaturas e um programa para atrair educadores para áreas e escolas com déficit de profissionais.
A criação de uma prova nacional unificada tem o objetivo de ajudar os estados e municípios na seleção de professores para escolas públicas, segundo matéria da Agência Brasil. A ideia é que a prova fique disponível para redes estaduais e municipais, que poderão aderir ao exame nacional ou permanecer com seus métodos próprios de seleção de professores.
Já o Pé-de-Meia para estudantes de licenciaturas, conforme revelou o ministro Camilo Santana em evento organizado pelo jornal Estado de S.Paulo, oferecerá bolsas e uma poupança do governo para os estudantes que ingressarem em cursos de formação de professores com uma nota mínima no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 650 pontos. Segundo o ministro, o programa já deve valer no próximo ano.
O Mais Professores, inspirado no programa Mais Médicos, vai estimular, por meio de incentivos financeiros, professores a atuarem em locais e áreas - como física e química, por exemplo - em que existe alta demanda e baixo número de profissionais. A prova unificada vai apoiar essa política, uma vez que criará um banco de profissionais para contratação, que ficará disponível para municípios e estados, segundo noticiado em matéria do O Globo.
Para apoiar a cobertura das medidas do MEC, a Jeduca preparou este conteúdo que reúne dados e informações sobre o cenário da carreira docente no Brasil.
Cenário da contratação de professores no Brasil
De acordo com o Censo da Educação 2023, a educação básica brasileira tem 2.354.194 professores, dos quais 1.861.118 estão na rede pública. A rede municipal é a que tem o maior número de professores (1.250.795), seguida pela rede estadual (668.470) e federal (37.787).
Em 2023, o número de docentes com contratos temporários (356.008) superou o de docentes efetivos (320.987) nas redes estaduais de ensino. Já nas redes municipais, o cenário é o inverso, com mais efetivos (822.518) do que temporários (439.666).
O aumento no número de professores com contratação temporária afeta a valorização docente, na avaliação de especialistas entrevistados nesta matéria do Nexo. Entre os desafios encontrados pelos profissionais nessa condição estão a ausência de direitos trabalhistas, os baixos salários, a falta de planos de carreira, a instabilidade e insegurança geradas pelo fim dos contratos e a sobrecarga de trabalho - já que muitas vezes os docentes dão aula em várias escolas.
Segundo o estudo “Professores temporários nas redes estaduais do Brasil”, do Todos pela Educação, entre 2020 e 2023, a contratação de professores temporários aumentou 41%, enquanto o quadro de efetivos teve queda de 17%.
O mesmo estudo aponta que, em 15 das 27 UFs (Unidades da Federação), o percentual de professores temporários é superior ao de professores efetivos, com contrato CLT e terceirizados na rede estadual. Abaixo, a porcentagem de professores temporários nos 15 estados que mais trabalham com esse modelo de contratação:
Minas Gerais (80%), Tocantins (79%), Acre (75%), Espírito Santo (73%), Santa Catarina (71%), Mato Grosso do Sul (70%), Mato Grosso (66%), Pernambuco (63%), Rio Grande do Sul (59%), Ceará (57%), Distrito Federal 56%), Maranhão (55%), Piauí (53%), Paraná (51%) e São Paulo (51%).
Os estados com os menores percentuais de temporários são Rio de Janeiro (4%), Rio Grande do Norte (6%), Pará (6%), Bahia (7%) e Amazonas (10%).
A Constituição Federal prevê que a contratação de funcionários públicos, como é o caso dos professores das redes estaduais e municipais, seja feita a partir de concursos públicos. Ao mesmo tempo, a legislação autoriza que funcionários sejam contratados por “necessidade temporária excepcional”.
O aumento de professores temporários, principalmente nas redes estaduais, mostra que as contratações por tempo determinado parecem não estar acontecendo apenas em casos excepcionais, como prevê a Constituição.
Para alguns especialistas, a baixa frequência na realização de concursos pelas redes estaduais é um dos fatores que contribuem para o aumento de temporários.
O alto custo com a previdência de professores efetivos para os estados e a pandemia de covid-19, na qual foi instituída a Lei Complementar nº 173/2020, que proibiu a realização de concursos até dezembro de 2021, são algumas das justificativas para diminuição dos concursos.
Outro fator associado a qualidade da educação é a adequação docente, ou seja, o total de professores que possuem formação adequada para a disciplina que lecionam.
O 5º Relatório de Monitoramento do PNE mostrou que, em 2023, os anos finais do ensino fundamental apresentaram a menor porcentagem de docentes com formação correspondente à área que lecionam (60,4%). Segundo relatório, a etapa com maior número de docentes com formação adequada são os anos iniciais do ensino fundamental (74,9%), seguida pelo ensino médio (68,2%) e educação infantil (63,3%).
O Anuário Brasileiro da Educação Básica 2024, realizado pelo Todos pela Educação, revelou que um em cada três professores não possui formação adequada para a área que leciona.
De acordo com o Censo da Educação 2023, nos anos finais do ensino fundamental, as regiões Nordeste (47,3%) e Norte (47,7%) são as que têm menor percentual de professores com formação adequada para área em que lecionam. No ensino médio, esses percentuais são de 63,9% e 66,3%, respectivamente.
Impactos da alta de docentes temporários na qualidade da educação
No contexto do aumento de professores temporários nas redes de ensino, pesquisas e especialistas têm apontado para o possível impacto negativo desse tipo de contratação na aprendizagem e, consequentemente, na qualidade da educação.
Os docentes que lecionam sob contratos de tempo determinado costumam trabalhar em condições mais precárias do que os efetivos, o que pode refletir nos resultados educacionais, avalia especialista entrevistado em reportagem da Folha de S.Paulo.
Em matéria da Nova Escola, especialistas apontam que a necessidade dos professores temporários se adaptarem a novas turmas prejudica o vínculo com a comunidade escolar, importante para o desenvolvimento emocional e cognitivo dos alunos.
Outro argumento é que as mudanças no quadro de professores prejudicam a continuidade do trabalho pedagógico, uma vez que a estabilidade é importante na educação.
A desvalorização docente na rede estadual do Rio de Janeiro foi tema da série de reportagens produzida por Bibiana Maia, a pauta foi uma das selecionadas pelo 5.º Edital de Jornalismo de Educação. Confira as duas reportagens publicadas no site do projeto Colabora.
Como funciona o piso do magistério
Apesar de não ser o único, a baixa remuneração ainda é um dos fatores que contribui para a baixa atratividade da carreira docente. No Brasil, o salário de um professor é menos da metade do que de engenheiros, médicos e advogados, além de também ser menor do que a remuneração de economistas, policiais, jornalistas e assalariados com ensino superior completo, conforme pesquisa que analisou diferenças salariais entre profissões.
O Piso do Magistério, instituído pela Lei nº 11.738, sancionada em 2008, define o valor mínimo a ser pago para todos os docentes da rede pública que cumprem a jornada de no mínimo 40 horas semanais. Em jornadas menores, o piso salarial deve ser proporcional. Em 2024, o valor do piso é de R$ 4.580,57.
O valor é reajustado anualmente pelo MEC, com base no cálculo de aumento do valor pago a estados e municípios pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
O reajuste não é automático, cabendo aos estados e municípios criarem normas próprias para oficializar o pagamento aos docentes do novo valor. No entanto, o cumprimento do piso salarial do magistério não é realidade em muitos estados e municípios.
Em audiência pública realizada em maio, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados debateu denúncias de descumprimento da lei do piso salarial para professores.
Pesquisa realizada pela ONG Conectando Saberes mostrou que 77% dos professores acreditam que os salários baixos e a falta de planos de carreira fazem com que os docentes desistam do magistério, enquanto 75% citaram questões psicológicas, em decorrência da rotina difícil dos docentes.
Como é a seleção de professores atualmente?
Uma das causas apontadas para o crescimento de professores temporários é a baixa frequência na realização de concursos públicos pelas redes estaduais e municipais, que são responsáveis pela seleção de docentes.
Segundo relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) junto com o Movimento Profissão Docente, o tempo médio desde a realização do último concurso público nas redes estaduais é de 5 anos e, nas municipais, de 7,5 anos.
Na rede estadual de Sergipe, por exemplo, o último concurso público para professores foi realizado em 2012. Dados do Censo Escolar 2023 mostram que 30% dos professores da rede são temporários.
O impacto da falta de concursos em Sergipe é tema de uma das pautas selecionadas pelo 6° Edital de Jornalismo de Educação do Jeduca. A série de reportagens está disponível no site do Mangue Jornalismo, leia aqui e aqui.
Outro aspecto importante na seleção de professores é a escolha dos instrumentos de avaliação, como por exemplo: provas objetivas, aula prática, entrevista e redação, entre outros. Na prática, as redes podem utilizar um, dois ou múltiplos instrumentos.
A partir de análise dos últimos processos seletivos simplificados feitos pelos estados, um estudo do Todos pela Educação observou que os principais critérios de seleção utilizados são a titulação e experiência profissional, dois instrumentos que não medem a prática pedagógica.
Outro estudo mostrou que apenas 4 concursos públicos, dos 23 últimos realizados pelas redes estaduais para seleção de professores nas áreas de português e matemática, incluíram demonstrações práticas de aulas para os candidatos, mostrou matéria do G1.
De acordo com o relatório do BID, 91% das redes estaduais de ensino utilizaram a análise de títulos como instrumento no último concurso público realizado. Nas redes municipais, a porcentagem é de 79%.
Quanto ao uso de instrumentos para avaliar a competência dos candidatos, a prova objetiva foi utilizada por 100% das redes estaduais e 99% das redes municipais, enquanto a aula prática como instrumento foi utilizada por 17% e 4%, respectivamente.
Carreira docente e ensino superior
Estudo do Semesp indica que o Brasil pode ter um “Apagão de professores” em 2040, ou seja, a falta de docentes em todas as etapas da educação básica. A projeção é um déficit de 235 mil profissionais.
A publicação ainda destaca três fatores que podem explicar essa crise: envelhecimento do corpo docente, o abandono do magistério e o desinteresse dos jovens pela carreira docente.
Nos últimos anos, o Censo da Educação Superior têm mostrado queda no número de matrículas no formato presencial e expansão da oferta EAD (Educação a Distância). Em 2023, 51,7% das matrículas estavam no ensino presencial e 49,2% no ensino à distância.
O número de matrículas presenciais em cursos de licenciatura no formato presencial, entre 2012 e 2022, caiu 34,8%, segundo o Mapa do Ensino Superior 2024, do Semesp.
O aumento expressivo de estudantes em cursos de licenciatura a distância é um ponto de preocupação em relação à formação inicial dos professores no Brasil, uma vez que existe um extenso debate em torno da qualidade da formação que é oferecida nos cursos EAD.
Em junho, por meio da Resolução CNE/CP nº 4/2024, o MEC divulgou novas diretrizes para os cursos de licenciatura e pedagogia a distância. O texto estabelece uma nova divisão no currículo e define que metade da carga horária dos cursos deverá ser no formato presencial.
Outra medida estabelecida pelo MEC foi a criação do Enade das Licenciaturas. A avaliação, que será realizada anualmente, irá analisar a competência prática dos estudantes, bem como os conhecimentos teóricos.
Para além da questão da desistência e evasão nos cursos de licenciatura, outro ponto de atenção nesta cobertura é a falta de professores em áreas específicas, como física e química.
De acordo com Inep, com base em dados relativos a 2021, apenas 38% dos estudantes de licenciatura em instituições federais e no formato presencial concluíram a graduação. O percentual é menor ainda nos cursos de licenciatura em matemática (30%) e ciências da natureza (34%), que inclui química, física e biologia.
Na análise sobre a trajetória dos estudantes que ingressaram em cursos de formação de professores em 2014, o Censo aponta que as cinco maiores taxas de desistência acumulada são observadas nas graduações de licenciatura em física (73%), matemática (70%), língua estrangeira (67%), química (66%) e sociologia (65%).
O que diz o PNE
No atual Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2025), as metas 15, 16, 17 e 18 tratam da valorização dos profissionais da educação básica.
A formação adequada é tema da meta 15, que prevê que todos os docentes tenham formação em curso licenciatura na área de conhecimento em que lecionam no prazo de um ano de vigência do PNE. Contudo, dados recentes apontam para o não cumprimento da meta, uma vez que há falta de professores com formação adequada em certas disciplinas.
Outro elemento importante na valorização dos docentes é a perspectiva de evolução na carreira. A meta 18 do atual PNE estabelece que, no prazo de dois anos, devem ser assegurados planos de carreira para os profissionais da educação básica e superior, e que eles devem ter como base o Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério Público da Educação Básica (PSPN).
Uma das estratégias previstas no projeto de Lei do novo Plano Nacional de Educação (PL 2.614/2024), que irá suceder o atual plano, cuja vigência vai até o final de 2025, é “priorizar o cumprimento da jornada de trabalho pelos profissionais do magistério em um único estabelecimento escolar”.
A formação adequada também compõe uma das metas do novo PNE, que ainda está em tramitação na Câmara dos Deputados e deve sofrer modificações. O texto prevê “assegurar que todos os docentes da educação básica possuam formação específica em nível superior, obtida em curso de pedagogia, e licenciatura nas áreas de conhecimento e modalidades em que atuam”.
Pontos de atenção para cobertura
Para saber mais:
Como funciona um contrato temporário de servidor público?, artigo do Jusbrasil;
Reconstrução da Educação, evento do jornal Estado de S.Paulo, assista aqui e aqui.
Perfil e Desafios dos Professores da Educação Básica no Brasil, pesquisa do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo).
“Formação de professores em EAD”, webinário da Jeduca;
“Censo da Educação Superior 2023 indica expansão da EAD e traz novo dado sobre acesso”, matéria da Jeduca;
“Carência de professores na educação básica: risco de apagão?”, estudo do Inep.
“Como as redes municipais e estaduais selecionam e alocam seus professores”, Banco Interamericano de Desenvolvimento e Movimento Profissão Docente.
Risco de apagão de professores no Brasil, estudo do Semesp.
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