Com as recentes chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul e Maranhão relacionadas às mudanças climáticas, o impacto desse fenômeno na educação passou a ser um tema de destaque na cobertura jornalística.
Desde o fim de abril, um intenso volume de chuvas atingiu centenas de cidades do Rio Grande do Sul, causando enchentes e inundações. Até 14 de maio, 450 dos 497 municípios foram afetados. Na capital Porto Alegre, vários bairros ficaram submersos. A estimativa é que mais de 2 milhões de pessoas tenham sido afetadas, entre elas mais de 500 mil tiveram que sair de suas casas, segundo balanço da Defesa Civil.
No Maranhão, também desde o fim de abril, as chuvas já deixaram 31 cidades em situação de emergência, incluindo um município em situação de calamidade pública. Mais de 3,9 mil pessoas foram afetadas pelas chuvas desde abril.
Em meio aos desalojados por causa desses episódios, há crianças e jovens em idade escolar que, em função dos alagamentos e da destruição, estão deixando de ir às aulas.
No Rio Grande do Sul, de acordo com o balanço do governo estadual de 14 de maio, 1.044 escolas em 248 municípios foram atingidas de alguma forma pelas enchentes. Ao todo, a rede estadual tem 2.345 escolas urbanas e rurais.
O balanço indica que 538 escolas estaduais foram danificadas. Segundo a secretária de educação do estado, Raquel Teixeira, em entrevista à Rádio Gaúcha do jornal Zero Hora, pelo menos 50 escolas terão de ser reconstruídas. Há também escolas que estão submersas ou inacessíveis por causa de alagamentos e unidades que tiveram sua infraestrutura destruída. O balanço também revela que 83 escolas estão sendo usadas como abrigos para pessoas desabrigadas.
No estado, mais de 300 mil alunos foram impactados e como muitos professores estão desalojados não há como oferecer ensino remoto, noticiou o Estadão. De acordo com o Censo Escolar 2023, a rede estadual é responsável por 738 mil matrículas, ou seja, quase metade dos estudantes foi atingida de alguma forma pelas enchentes.
Por causa da diversidade de impactos, a expectativa é que a normalização do atendimento não ocorra em todas as unidades escolares ao mesmo tempo, criando um cenário de “muitas redes de ensino dentro de uma rede”, como definiu a secretária de educação.
As escolas das redes municipais enfrentam problemas semelhantes, por isso, em alguns locais as unidades precisarão ser reconstruídas em outros locais, segundo reportagem do Zero Hora.
Este é um ponto de atenção da cobertura porque é preciso acompanhar como as redes estadual e municipais vão garantir o ensino dos estudantes em situações tão discrepantes, o que pode impactar na aprendizagem, acentuando desigualdades.
Flexibilização do currículo
Nesse contexto, o MEC autorizou a flexibilização do calendário escolar no Rio Grande do Sul. As diretrizes orientadoras estão descritas no Parecer 11 do CNE (Conselho Nacional de Educação) e incluem uso de espaços alternativos para atividades, realização de aulas remotas e autoriza as universidades a prorrogarem em dois anos o prazo para entrega de TCCs.
Com a flexibilização, através da implementação de currículo ininterrupto de duas séries ou dois anos escolares, a carga horária deste ano pode ser cumprida pelas redes em 2025.
Vale lembrar que a oferta de ensino remoto não necessariamente garante o acesso às aulas, porque muitos estudantes, geralmente aqueles de famílias mais vulneráveis, não têm acesso a computadores ou a conexão de qualidade com a internet. Outra questão é que não se sabe quanto tempo levará para os serviços de energia elétrica, água e telefone serem totalmente restabelecidos.
Outro ponto de atenção são as escolas rurais e de comunidades tradicionais. Como elas serão atendidas? Que tipo de assistência está sendo oferecida a esses estudantes?
No Vale do Taquari, afetado há menos de seis meses por causa da passagem de um ciclone, um temporal e uma enchente, muitas escolas tiveram de ser reconstruídas. Agora, com as enchentes, muitas delas tiveram equipamentos destruídos e espaços danificados, como contou reportagem do jornal O Globo.
De acordo com a reportagem, em algumas escolas do Vale, as aulas só retornam no início de 2024. Como os estudantes vão reagir a mais mudanças no ambiente escolar? As reportagens podem abordar quais providências serão tomadas para evitar que novos eventos extremos causem os mesmos danos à infraestrutura das escolas.
Efeitos na saúde emocional e mental
Em um momento como esse, em que milhares de pessoas perderam suas casas em situações traumáticas, um ponto para ficar atento na cobertura de educação é a atenção emocional e a saúde mental dos estudantes.
Reportagem do g1 contou que o governo federal trabalha na elaboração de um plano para atendimento de saúde mental no Rio Grande do Sul. Mas, como fica a situação específica de crianças e adolescentes nas escolas? As reportagens podem abordar como a ansiedade e os traumas causados por desastres climáticos afetam a aprendizagem dos estudantes. E o impacto nas famílias, professores e funcionários das escolas? Como ficam os estudantes com condições agravadas pela tragédia? Qual o contingente de psicólogos para atuar nas escolas?
Na conferência “Impactos psicológicos do desastre socioambiental do Vale do Taquari", realizada pelo Instituto Humanitas Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), a psicóloga Gisele Dhein comentou sobre a situação após as inundações no Vale do Taquari em setembro de 2023 e o impacto nas crianças. Segundo a especialista, que falou sobre articulação com a educação, para crianças que ficaram desabrigadas, a escola é um marco na rotina, que por sua vez é uma redutora de impacto e de sofrimento.
Fontes e cuidados na cobertura
No contexto de tragédias climáticas, as secretarias estaduais de educação e balanços do governo estadual são fontes para dados atualizados sobre a situação das escolas, panorama das regiões e número de estudantes afetados.
Em situações de calamidade pública e desastres, também é recomendável tomar alguns cuidados ao entrevistar pessoas afetadas pelos eventos, em especial crianças e adolescentes, com o objetivo de garantir sua proteção.
Ao abordar crianças e adolescentes em abrigos, a recomendação é procurar por um espaço reservado onde possam brincar em segurança. Outro cuidado é não pressioná-los, caso não queiram conversar. A orientação é deixá-los falar livremente e não lhes perguntar detalhes que os façam reviver traumas.
Há também orientações para a cobertura jornalística, em especial com relação à exposição da imagem de crianças e adolescentes, de modo que sua dignidade não seja afetada.
Confira todas as orientações para cobertura reunidas no material elaborado pelo Recria (Rede de Pesquisa em Comunicação, Infâncias e Adolescências), Colo (Coletivo de Jornalismo Infantojuvenil), RNPI (Rede Nacional pela Primeira Infância), Repi-RS (Rede Estadual pela Primeira Infância do Rio Grande do Sul) e ANDI Comunicação e Direitos.
Outra fonte de orientações é o material de apoio da ANDI Comunicação e Direitos, RNPI (Rede Nacional Primeira Infância), PIM (Primeira Infância Melhor) da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul e programa Criança Feliz do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Para saber mais
Como falar com crianças e adolescentes durante e após desastres? material da ANDI Comunicação e Direitos com orientações do Unicef e o texto da Global Investigative Journalists Network.
Leia mais sobre a cobertura dos impactos das mudanças climáticas na educação nesta matéria da Jeduca.