(Com apuração de Isabella Siqueira)
Este é o oitavo conteúdo da série com 8 temas que devem mobilizar a cobertura de educação em 2024
O impacto das mudanças climáticas na educação é um tema que vem ganhando espaço à medida que eventos extremos estão se tornando mais frequentes e os territórios têm suas configurações alteradas. Além disso, é tema que o governo gederal voltou a priorizar desde o início do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, tendo sido o Brasil escolhido como sede da COP30, a 30ª edição da Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, que será realiza em novembro de 2025, em Belém, no Pará.
No ano passado, houve suspensão das aulas por dois dias em todo o estado do Rio Grande do Sul por conta de um ciclone e, no Amazonas, a seca extrema e prolongada criou dificuldades de acesso às escolas e levou a secretaria de educação de Manaus a antecipar o encerramento do ano letivo de escolas ribeirinhas.
Esses são alguns exemplos de como as mudanças no clima afetam o dia a dia dos estudantes e das comunidades escolares. Mas os impactos na educação ultrapassam a dificuldade (ou impossibilidade de acesso) às escolas. Quando ocorre a interrupção das aulas, o aprendizado pode ficar comprometido - como mostra a experiência da pandemia de covid 19, que levou ao fechamento das escolas por 178 dias no Brasil, acarretando perda de aprendizagem e abandono dos estudos.
Além disso, num país como o Brasil, os prejuízos gerados pela interrupção das aulas podem ter efeitos ainda mais graves, pois, principalmente nas regiões mais empobrecidas, a escola é um espaço que garante a segurança alimentar de crianças e jovens. E aí, vale lembrar, geralmente os mais vulneráveis tendem a ser mais afetados tanto pelos eventos climáticos, quanto por impactos negativos na educação.
Em relação à cobertura jornalística, é importante levar em consideração que os impactos e as soluções podem variar de uma localidade para outra, por isso o olhar local pode fazer a diferença nesse tipo de pauta - como mostra esta reportagem do site Amazônia Latitude.
“Por ser uma pauta que pode envolver áreas como saúde, segurança alimentar, meio ambiente, é fundamental reconhecer os impactos, desafios e estratégias de adaptação e mitigação de cada território e comunidade escolar e suas especificidades”, analisa a jornalista Anelize Moreira que, juntamente com Camila Salmazio, é autora de uma reportagem sobre o impacto das mudanças climáticas em comunidades quilombolas e agricultoras em Pernambuco e Alagoas. A pauta foi vencedora do 3º Edital de Jornalismo de Educação e finalista do prêmio Vladimir Herzog de 2022.
“Por exemplo, as estratégias da comunidade escolar ribeirinha em períodos de seca no Amazonas são diferentes das práticas de famílias agricultoras do semiárido. Por isso é importante trazer um retrato de como as mudanças climáticas afetam a educação no Brasil através das vozes dos atingidos, dos educadores, das famílias, da ciência, além de questionar ações do poder público local e nacional e cruzar dados de educação e meio ambiente das regiões retratadas”, complementa a jornalista Anelize.
Nesse sentido, um aspecto importante é ouvir as crianças afetadas. "Geralmente os adultos têm suas visões bem elaboradas, por isso é mais comum ouví-los como fontes. Mas pode ser uma surpresa positiva perguntar às crianças o que elas estão vendo, pensando e sentindo", sugere Camila Salmazio. Para isso, existem métodos e abodagens adequadas que, segundo ela, podem ser resumidas em alguns passos: apresente-se, diga o que você deseja e não minta ou crie historinhas fantasiosas em nenhum momento. "Mais do que ninguém elas sabem e sentem o que está acontecendo, só não tem oportunidades de falar".
No nível dos sistemas de ensino, um desafio é planejar e implementar adaptações das estruturas educacionais (o que abrange desde prédios escolares, adequação dos currículos e utilização de ferramentas de ensino a distância, entre outras). Questões mais específicas de infraestrutura das escolas também podem impactar a aprendizagem, impedindo que os estudantes se concentrem ou mesmo tornando inviável a permanência nas salas, como é o caso de regiões que enfrentam intensas ondas de calor. A questão da climatização das escolas é um dos exemplos estruturais que impactam a rotina escolar, como aponta reportagem do Diário do Nordeste.
Outro aspecto a ser considerado é o debate sobre o papel da educação na mudança de mentalidades e no desenvolvimento de propostas e caminhos para lidar com o novo cenário climático, tema analisado em artigo da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
É importante levar em consideração que o Brasil conta ainda com uma Política Nacional de Educação Ambiental, de 1999, que colocou a educação ambiental como tema transversal na educação. No entanto, especialistas apontam como dos principais entraves para a efetivação da política a formação dos professores sobre o tema. Em 2023, a rede estadual do Pará incorporou a educação ambiental ao currículo.
Além disso, o presidente Lula tem defendido, em várias ocasiões, que a educação ambiental tenha mais espaço no curriculo obrigatório. No ano passado, o tema contou com uma audiência pública realizada pela Câmara dos Deputados , na qual especialistas defenderam que o tema deve estar integrado às demais disciplinas.
Pontos de atenção
+ As jornalistas Camila Salmazio e Anelize Moreira recomendam que os jornalistas olhem além dos dados. Em algumas localidades as questões climáticas têm alterado de forma significativa os modos de vida. A escola é um ambiente em que essas mudanças reverberam com força. Além disso, os impactos climáticos podem aparecer associados a outros marcadores, como a pobreza, o racismo ou a ausência de políticas públicas.
+ Como este é um tema que envolve várias áreas, é importante ouvir uma diversidade de fontes ligadas ao campo das mudanças climáticas e à educação. Esse leque abrange desde pesquisadores, quanto professores, ativistas e as próprias pessoas diretamente afetadas.
+ Outra dica de Camila e Anelize: os impactos das mudanças climáticas podem ser percebidos em diversos territórios, seja para quem mora na cidade, no campo ou na floresta. Ou seja, o problema não está restrito apenas a comunidades tradicionais ou regiões mais afastadas dos grandes centros. Alguns grupos são mais vulneráveis às consequências da crise climática por uma série de desigualdades socioeconômicas.
+ A educação vai além da sala de aula. A comunidade escolar e os trabalhadores da educação também podem contribuir muito. E a questão pode, em alguns momentos, estar acontecendo, inclusive, fora da escola, mas com consequência no aprendizado ou frequência dos alunos.
+Além de relatar os problemas, apresente exemplos de boas práticas, projetos inovadores e políticas eficazes que visam mitigar os impactos das mudanças climáticas na educação.
Consulte nesta matéria outros temas que devem ser destaque na cobertura de educação de 2024.
Para saber mais
Mudanças climáticas: planos de aula apoiam o debate na escola, matéria do Porvir.
Mudanças climáticas e racismo ambiental: como a escola pode trabalhar essas temáticas, matéria da Nova Escola
Think green - Education and climate change, publicação da OCDE.
Emergência climática e as infâncias: por um futuro no presente, especial do Lunetas.
Eles salvaram vidas porque aprenderam sobre mudanças climáticas na escola, reportagem da Agência Pública.
Ações de escolas que combinaram ação socioambiental e aprendizagem, do Observatório da Educação.
For us no planet B!, projeto da Fundação Prix Jeunesse desenvolvido em vários paises, inclusive no Brasil
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