(Com apuração de Isabella Siqueira)
Um dos efeitos da onda de ameaças e ataques violentos a escolas foi trazer para o centro do debate educacional as questões relacionadas à convivência e à diversidade no ambiente escolar. E, passado o pico, o tema não se esgotou.
Num primeiro momento, diante do cenário emergencial, foram adotadas medidas com ênfase na segurança a fim de proteger as escolas, identificar potenciais agressores, principalmente por meio de monitoramento nas redes sociais e chats de jogos online, e evitar a disseminação de ameaças.
Essas medidas são importantes e necessárias, mas não são suficientes, pois, como analisam pesquisadores, os ataques às escolas, muitas vezes, estão associados ao clima e à convivência no ambiente escolar - além do avanço da cultura de violência, dos impactos da pandemia na saúde mental e fatores individuais. Ou seja, é um fenômeno complexo, que envolve aspectos não necessariamente relacionados à segurança.
Então, além de acompanhar a manutenção e os desdobramentos das medidas já anunciadas pelo governo federal, estados e municípios, uma linha de cobertura é verificar se estão sendo implementadas ações no campo da convivência e do clima na escola e de apoio psicológico à comunidade escolar.
Neste material foram elencadas medidas já adotadas nos três níveis de governo e são apresentadas, sem pretensão de esgotar o assunto, possibilidades de pauta e de cobertura do tema na perspectiva das incidências sobre as relações e o clima escolar.
Medidas com ênfase na segurança
Num período de dez dias ocorreram dois ataques a instituições de ensino - em São Paulo (SP) e Blumenau (SC). No dia do segundo episódio, o governo federal criou o Grupo de Trabalho Interministerial (decreto 11.469/2023), coordenado pelo MEC (Ministério da Educação).
Integram o grupo Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Secretaria de Comunicação Social, Ministério da Saúde, Ministério da Cultura, Ministério do Esporte e Secretaria Nacional de Juventude.
O Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) estão colaborando com o grupo e criaram instâncias próprias para fazer discussões e buscar alternativas internamente. Essas entidades, então, podem ser fontes para os jornalistas acompanharem ações regionais e locais.
Outra medida é a Operação Escola Segura, parceria entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública e os estados para ações preventivas e repressivas contra ataques a escolas.
Uma das frentes da operação resultou na demanda de monitoramento mais rigoroso de contas e posts relacionados a ataques a escolas, feita pelo Ministério da Justiça às empresas detentoras das redes sociais. Até 20 de abril, 756 perfis foram retirados do ar por estímulo à violência e mais de 300 pessoas foram detidas, entre elas 10 adolescentes.
Essa ação focada nas redes sociais deve-se ao fato de que, como mostram pesquisadores, redes sociais e chats de jogos online funcionam como espaços de cooptação de adolescentes e jovens e de incitação à violência. Existe também um vínculo com a atuação de grupos de extrema direita.
Outra medida foi a criação de canais de denúncia de ameaças de ataques a escolas: a plataforma Escola Segura, do MJSP e organização SaferNet, e o serviço Disque 100 do MDH (Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania), que passou a receber denúncias por WhatsApp (61-99611-0100).
Também foi aberto um edital no valor de R$ 150 milhões destinados a estados e municípios que aderirem ao Programa Nacional de Segurança na Escola (reforço de rondas escolares e outras ações de enfrentamento e prevenção de crimes nas escolas e entorno).
Essas medidas com ênfase na segurança foram adotadas num contexto de uma onda de ameaças de ataques a escolas, desencadeada após o caso de Blumenau. Em São Paulo, a Polícia Civil registrou 279 ameaças nos cinco dias após o atentado do final de março.
Reportagem da agência Lupa, com base num levantamento conjunto com a FGV (Fundação Getúlio Vargas), revela que, nos dias posteriores ao evento em Santa Catarina houve picos de mensagens sobre ataques a escolas com padrão diferente do habitual, o que sugere uma ação coordenada de desinformação com o objetivo de disseminar pânico.
O site Metrópoles levantou ações realizadas pelos estados. Entre elas estão: intensificação da ronda escolar, revista em escolas, monitoramento das unidades de ensino, orientações à comunidade escolar, definição de protocolos, produção de material de orientação, contratação de psicólogos e assistentes sociais, criação de canais de denúncia e aplicativos com “botão de pânico”, entre muitas outras.
Um aspecto que vale considerar nesta cobertura são as análises de especialistas indicando que as medidas centradas no reforço da segurança têm alcance limitado, pois não tornam, automaticamente, o ambiente escolar mais seguro e protegido de ataques ou da violência. O argumento dos pesquisadores Daniel Cara (USP) e Catarina de Almeida (UnB) se baseia na experiência dos Estados Unidos, onde esse tipo de medida não impediu a ocorrência de atentados.
Juntamente com o reforço da segurança, é preciso investir em iniciativas de melhoria da convivência na escola, analisa Cleo Garcia (Unicamp).
Ações com ênfase na convivência e clima escolar
O governo federal anunciou investimento de R$ 3,1 bilhões para prevenção da violência nas escolas - a maior parte referentes à antecipação de valores já previstos no orçamento em programas como o PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola). O recurso pode ser usado para equipamentos de segurança, para melhorar a infraestrutura, atividades de formação e implantação de núcleos psicossociais em escolas.
Foi criada uma cartilha para gestores e educadores e disponibilizado um curso em plataforma do MEC. A abertura do curso ocorreu numa live no YouTube do MEC.
O Ministério também anunciou uma parceria com o Conselho Nacional de Justiça para ações de justiça restaurativa para para mediação de conflitos em escolas.
Essas ações estão se dando no contexto do Grupo de Trabalho Interministerial, que tem como um de seus objetivos apresentar um Plano Nacional de Enfrentamento da Violência nas Escolas. Este é, então, um ponto de atenção da cobertura: como o plano está sendo debatido e pensado? Quais são suas principais linhas? Como será a implementação?
Paralelamente às ações governamentais, diante da onda de ameaças - não confirmada - de ataques a escolas no dia 20 de abril, redes e escolas de várias partes do país usaram a data como mote para atividades pela paz e tolerância. Houve atos em São Paulo, Belo Horizonte e Manaus, entre outros municípios.
Além disso, passada a fase emergencial, começam a ganhar força ações voltadas para a melhoria do clima escolar e disseminação da cultura de paz. A Undime divulgou uma carta aberta aos dirigentes municipais: “Orientações e recomendações para a proteção do ambiente escolar e de promoção da cultura de paz nas escola”.
Algumas redes estão indo nessa direção, como a de Diadema (SP), que criou um Observatório de Segurança Escolar com o objetivo de fomentar a cultura de paz nas escolas. No Distrito Federal, foi criada uma Comissão Permanente pela Paz nas Escolas da Rede Pública. Na Bahia, o Comitê Estadual Intersetorial de Segurança nas Escolas.
Esses são alguns exemplos de medidas anunciadas pelos governantes, boa parte delas no calor da onda de ameaças. Agora, cabe à imprensa acompanhar se as propostas anunciadas serão, de fato, implementadas.
Há também ações movidas por organizações sociais. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação lançou o “Guia sobre prevenção e resposta à violência às escolas”. A Fundação Lemann e parceiros lançaram o movimento “Escola sem medo”, com lives no Instagram e materiais de orientação.
Vale ficar atento e acompanhar iniciativas semelhantes, já que é possível que elas surjam em várias partes do país.
Contexto e alguns conceitos
Já existe uma significativa produção de estudos e pesquisas nesse campo. No Brasil, o debate sobre a violência no ambiente escolar vem, pelo menos, desde a virada dos anos 2000, quando a ideia de uma escola para todos passou a ser considerada nas políticas educacionais.
Em 2004, o MEC implantou em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) o programa Escola Aberta, que tinha como um de seus objetivos contribuir para a cultura de paz nas escolas. O Escola Aberta seguia a metodologia do programa Abrindo Espaços da Unesco.
Em alguns estados há programas desse tipo em funcionamento, como o Escola Aberta para a Cidadania do Rio Grande do Sul, que existe há 19 anos. Vale apurar se existem iniciativas semelhantes em outras regiões, bem como compreender como o programa gaúcho se mantém há tantos anos; em contrapartida, pode ser interessante identificar os motivos que levaram outros programas semelhantes a serem descontinuados.
A questão da violência escolar também não está presente apenas no Brasil: em 2019, a Unesco e o Instituto de Prevenção à Violência Escolar da Universidade de Mulheres Ewha publicaram um relatório sobre a situação mundial.
Do ponto de vista conceitual, uma distinção importante, alertam pesquisadores, é diferenciar os ataques às escolas da violência escolar. A violência na escola são atos de agressão que ocorrem no dia a dia da escola (bullying, intimidações, agressões físicas etc.). A violência contra a escola diz respeito a atos que ocorrem dentro do ambiente escolar, mas se originam fora dela (por exemplo, quando a escola é alvo de um tiroteio ou é invadida por um agressor armado).
Além disso, a escola pode ser um ambiente que reproduz violências que ocorrem na sociedade em geral, analisa Miriam Abramovay (Flacso).
Outro ponto importante, segundo Telma Vinha (Unicamp) é não caracterizar como violência a indisciplina e os problemas de convivência (saída injustificada da aula, desobediência, entre outros) - estes tumultuam o ambiente escolar, geram estresse, impedem o bom andamento das aulas. Ou seja, segundo ela, são atos que não causam dano, embora possam desencadear violência. Por isso, deveriam receber um tratamento diferente..
A pesquisadora alega que, quando a indisciplina é tratada como violência, aumenta o sentimento de insegurança, reforçando a impressão que é preciso aumentar o controle e a fiscalização, correndo o risco de deixar de lado as ações lidem com os conflitos, colaborem para o desenvolvimento social e emocional dos estudantes e para a prevenção da violência.
Esta é uma frente de apuração que pode render, já que no pós-pandemia houve aumento da percepção de violência e das agressões nas escolas.
Antes disso, estudos da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) já indicavam que o ambiente escolar no Brasil é mais propício ao bullying e às agressões. O Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) de 2018 mostrou que no Brasil 29% dos alunos dizem sofrer bullying várias vezes durante a semana (a média é 23%).
Sugestões de fontes
Além dos estudos, materiais e dos pesquisadores citados no texto, existem diversos grupos e núcleos de pesquisa sobre o tema no Brasil. Alguns deles são:
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Unesp, Unicamp, Unifesp, Fundação Carlos Chagas)
Observatório de Violências nas Escolas (Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Universidade Católica de Brasília e Unesco)
Observatório do Clima Institucional e Prevenção da Violência em Contextos Educacionais (Universidade Federal do Paraná)
Observatório Internacional de Clima Escolar e Prevenção da Violência (Fundação Carlos Chagas