As escolas públicas e privadas de todo o país têm até 1º de novembro para começar a implementar o complemento curricular à BNCC (Base Nacional Comum Curricular) sobre Computação.
O prazo foi definido na Resolução 1/2022 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), que estabeleceu as normas para a implementação do ensino de computação nas escolas.
Isso significa que, até a data limite, as escolas têm de estar preparadas para colocar em prática o ensino de computação da educação infantil até o ensino médio. Detalhe importante: a resolução estabelece uma data de início, até 1º de novembro de 2023, mas não há uma previsão de prazo final, ou seja, um limite para o ensino estar completamente implementado.
Esse é um tema que pode render pautas, num contexto em que o debate sobre a presença da tecnologia na escola vem ganhando espaço.
Algumas iniciativas estão relacionadas a essa questão e chamam atenção. No final de setembro, o MEC (Ministério da Educação) anunciou a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas com a promessa de universalizar o acesso à internet nas 138,3 mil escolas públicas brasileiras até 2026. O prazo de adesão de gestores escolares à iniciativa vence em 1º de novembro (leia mais aqui).
Além disso, em janeiro foi aprovada a Política Nacional de Educação Digital (lei 14.533/2023), que estabelece a implementação da educação digital, com garantia de conectividade de alta velocidade para uso pedagógico nas escolas. No entanto, ela ainda precisa ser regulamentada.
De forma gestão, a popularização e disseminação da inteligência artificial estão trazendo novas questões e perspectivas ao campo da educação, o que abre uma frente de apuração e temas que tendem a ter mais visibilidade na cobertura de educação. Esse cenário reforça também a importância de se trabalhar a educação midiática nas escolas para que crianças e jovens desenvolvam capacidades para utilizar as tecnologias digitais com consciência crítica sobre seus potenciais e riscos.
Tomando como referência os marcos relacionados à implementação da computação nas escolas e à estratégia para levar internet às unidades de ensino, a Jeduca sugere alguns tópicos de atenção, que podem contribuir com reportagens.
A computação na BNCC
Para entender a introdução da computação na escola, é preciso também compreender de forma geral a BNCC.
A Base, vale lembrar, é um documento orientador homologado pelo MEC (Ministério da Educação), que serve de orientação para as redes e escolas elaborarem seus próprios currículos. Ela define competências e habilidades que os estudantes devem desenvolver a cada ano.
A BNCC contém dez competências gerais, que são eixos orientadores de todas as demais competências que se espera que os estudantes desenvolvam ao longo da educação básica.
O complemento curricular sobre computação está relacionado às competências gerais da BNCC, em especial à Competência 5, Cultura Digital: compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica, significativa e ética.
O que significa implementar a computação nas escolas
À primeira vista pode parecer que essa medida diz respeito à inclusão do ensino de programação e a outras habilidades ligadas ao desenvolvimento tecnológico. Na verdade, o complemento à BNCC envolve essas perspectivas, mais diretamente vinculada à tecnologia em si, mas não se limita a elas.
O documento está dividido em três eixos: Cultura Digital (o uso digital propriamente dito), Mundo Digital (o entendimento de como a tecnologia funciona) e Pensamento Computacional (solução e resolução de problemas).
Ele inclui a descrição de objetivos de aprendizagem e habilidades a serem desenvolvidas (assim como nas demais seções da BNCC) e sugestões de atividades com os estudantes das três etapas da educação básica (consulte aqui).
Na educação infantil, por exemplo, há um conjunto de atividades “plugadas” e “desplugadas”. Uma proposta de atividade “desplugada” para crianças pequenas terem uma experiência de execução de algoritmos envolve brincadeiras com sequência (amarelinha) ou fazer dobraduras seguindo uma série de etapas.
Para os mais velhos, do 4º ano do ensino fundamental, uma sugestão “desplugada” é organizar informações em estruturas de dados: separar um conjunto de documentos por data ou cidade de nascimento. A intenção, nesta etapa, é começar a introduzir conceitos de computação, não necessariamente usando máquinas.
No ensino médio, os três eixos estão agrupados em sete competências (documento orientador, página 75). Entre elas estão: uso e criação de modelos computacionais, construção de conhecimento e soluções (inclusive com fundamentos de inteligência artificial) e tomada de decisões éticas, democráticas e socialmente responsáveis, articulando conceitos, procedimentos e linguagens próprias da computação de maneira colaborativa.
Um ponto de atenção: a BNCC prevê, desde 2018, que a computação deve ser abordada de forma transversal na escola, ou seja, não é preciso, necessariamente, criar uma disciplina para trabalhar essas competências. A ideia é que os temas e questões estejam presentes em todas as áreas.
Desafios da implementação
Os principais desafios envolvidos na implementação da computação nas escolas são também alguns dos desafios históricos da educação brasileira: infraestrutura, formação docente, além das desigualdades.
Pesquisa recente com 2.744 secretarias municipais de educação revela significativa disparidade entre as capitais e o interior do país: em 80% das redes de ensino das capitais o componente aparece de forma transversal, contra 56% na média nacional. Segundo a pesquisa, no Brasil 37% das redes municipais não introduziram no currículo o ensino de tecnologia na educação infantil. O estudo foi realizado pela Fundação Telefônica, Cieb e Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).
A mesma pesquisa mostra, por exemplo, que nos anos finais do ensino fundamental, 42% das redes não desenvolvem esse conteúdo de forma transversal.
A análise por NSE (Nível Socioeconômico) - considerando o perfil socioeconômico dos estudantes atendidos pelas redes - mostra que nos anos iniciais, nas redes que atendem crianças e adolescentes com menor NSE, 15% incluem o ensino de tecnologia e computação no currículo contra 30% das redes que atendem estudantes com NSE mais alto.
Com relação à formação e capacidade de uso da tecnologia, o Censo Escolar 2022 e a pesquisa TIC Educação, da Cetic.br, contêm dados que ajudam a contextualizar o cenário existente nas escolas nesse momento de implementação da componente computação nas escolas (leia mais aqui).
Uma dica que pode ajudar os jornalistas é atentar à oferta de equipamentos para uso pedagógico, com os estudantes. Isso porque, de maneira geral, as escolas possuem equipamentos e conexão com a internet, mas em várias instituições de ensino o uso é exclusivamente administrativo.
O estudo da Cetic mostra que há notebooks, desktops ou tablets para uso dos alunos em 86% das escolas estaduais, 49% das escolas municipais e em 80% das escolas particulares, em nível nacional.
Um caminho de apuração da questão é acompanhar os desdobramentos da implementação da Estratégia de Conectividade do MEC: uma vez encerrado o processo de adesão à iniciativa, quanto tempo vai levar para as escolas receberem equipamentos e conexão à internet? E, mais do que a conexão em si, existem propostas curriculares para incorporar a tecnologia nas rotinas de ensino e aprendizagem?
No que diz respeito aos professores, a mesma pesquisa mostra que 75% deles sentem falta de formação específica para usar as tecnologias digitais em atividades com os estudantes. Há ações de formação planejadas nessa frente?
De acordo com a resolução do CNE, cabe ao MEC se responsabilizar pela política nacional de formação de professores da educação básica. Então, vale acompanhar essa pauta junto ao MEC e às redes de ensino.
Nesta live, organizada pelo Movimento pela Base, é possível entender mais a fundo o processo de implementação do campo da computação por meio da BNCC.