O webinário “A nova política de educação especial”, realizado pela Jeduca na última segunda-feira (23/11) reuniu, numa mesma mesa, defensores e críticos da Política Nacional de Educação Especial, lançada pelo MEC (Ministério da Educação), por meio do Decreto 10.502/2020.
Participaram do webinário Eliane Ramos, pesquisadora do Leped (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Flávio Arns, senador pelo Podemos-PR), Nídia Regina Limeira de Sá, que é diretora de Educação Especial da Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação do MEC e Raquel Franzin, coordenadora da área de Educação do Instituto Alana. A medição foi o jornalista Jairo Marques, da Folha de S.Paulo. Leia mais sobre o webinário nesta matéria.
Com base no debate, compilamos alguns dos principais argumentos a contra e a favor à medida, a fim de contribuir com os jornalistas que estão fazendo a cobertura do assunto.
Direito e acesso à educação
Segundo a diretora do MEC, o objetivo da política não é impedir o acesso dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades – o chamado público-alvo da educação especial – às escolas comuns. A intenção, afirmou, é criar condições para que as crianças e jovens que estão fora da escola por falta de condições de frequentá-la possam fazer isso numa instituição especializada, onde teria a assistência necessária.
A diretora Nídia afirmou que uma parcela das crianças e jovens fora da escola são “casos graves” de pessoas com deficiência, que, de acordo com ela, não se beneficiam da escola comum. Por isso, ela defende que a PNEE seria uma maneira de incluir essa população na escola.
Para o senador Flávio Arns, é preciso levar em conta as necessidades dessas pessoas, por isso ele se declarou favorável ao decreto, embora não esteja plenamente de acordo com algumas de suas disposições.
Na visão de Raquel Franzin, do Instituto Alana, esta proposta não condiz com a legislação brasileira sobre inclusão e com os marcos legais internacionais dos quais o Brasil é signatário – como, por exemplo, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (Organização das Nações Unidas), promulgada pelo Brasil em 2009 e que, por isso, tem força de lei no país.
A Convenção determina, no artigo 24, que o acesso ao direito à educação das pessoas com deficiência deve se dar sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades. Por isso, para Raquel, ao se admitir que uma parcela dos estudantes público-alvo da educação especial frequente escolas especializadas, fica caracterizada uma forma de discriminação.
A pesquisadora Eliane Ramos, de sua parte, enfatizou, na perspectiva da inclusão, ou seja, da escola que recebe todos os estudantes, independentemente de suas particularidades. Segundo ela, ao determinar que certas crianças e jovens não têm condição de frequentar a escola comum, a PNEE pressupõe que o processo desenvolvimento dessas pessoas se dá de maneira fechada e finita – o que não corresponde às dinâmicas e processos que efetivamente acontecem na sala de aula e na escola.
Além disso, enfatizou que os cuidados dos chamados “casos graves” são de responsabilidade das áreas da saúde e da assistência, que deveriam atuar em conjunto com a educação, na perspectiva da intersetorialidade.
Direito da família e direito da criança
Um dos argumentos utilizados em defesa da PNEE é que, com o arranjo proposto, as famílias terão o direito de escolher onde preferem matricular seus filhos, numa escola comum ou numa escola especializada.
Na visão de Raquel Franzin, essa perspectiva contraria a legislação brasileira, que estabelece que a responsabilidade pelo cuidado e desenvolvimento da criança é compartilhada entre família e Estado. Assim sendo, afirma a educadora, a visão da família não pode se sobrepor à do Estado ou à da sociedade. Para ela, a PNEE cria uma “concorrência” de direitos.
Além disso, aponta ela, a criança tem o direito à educação e cabe à família assegurar que o acesso a ele na escola comum, que é o espaço preconizado pela legislação.
A recusa de matrícula
Os críticos acreditam que, ao incentivar a matrícula dos estudantes público-alvo da educação especial em salas e escolas especializadas, a PNEE abre margem para que as escolas comuns recusem a matrícula de estudantes com deficiência, transtornos do desenvolvimento e altas habilidades, alegando que não têm condições de atendê-los.
Para a diretora do MEC, essa conduta não se justifica, pois a PNEE não se sobrepõe à legislação em vigor, a qual impede a recusa de matrícula. Durante o debate, foram citados casos de recusa, que Nídia admitiu existirem. Diante disso, ela informou que o MEC pretende criar um canal para receber denúncias de recusa de matrículas.
Segundo Eliane Ramos, o fato de MEC anunciar a criação de um canal para receber denúncias é um indício de que a PNEE tem problemas, caso contrário não haveria recusa de matrícula dos estudantes público-alvo da educação especial.
O senador Flávio Arns enfatizou que, mesmo com a PNEE, a maioria dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades vão continuar sendo atendidos na escola comum. Ele lembrou que, na maior parte dos municípios brasileiros, não existem escolas e instituições especializadas.
Outro ponto positivo da PNEE, segundo ele, é o fato de ela prever o aprendizado ao longo da vida, abrindo a possibilidade de jovens e adultos continuem a estudar, independentemente da idade.
Funcionamento e financiamento
O funcionamento da PNEE ainda não foi detalhado pelo MEC. O decreto estabelece que as redes de ensino poderão aderir à Política, mas não há ainda definição de como será feito o repasse de recursos, por exemplo.
Para os críticos da Política, os recursos que eventualmente venham a ser destinados a escolas e instituições especializadas deveriam ser aplicados na melhoria da escola pública.