O Senado aprovou, por unanimidade o PLP 235/2019, de autoria do senador Flávio Arns (Podemos-PR), que cria o SNE (Sistema Nacional de Educação).
Agora, o texto vai para a Câmara dos Deputados, onde existe outro projeto semelhante em tramitação, o PL 25/2019, de autoria da deputada Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO). Embora o teor dos dois projetos seja parecido, a expectativa é que o texto aprovado no Senado sofra alterações e retorne à Casa para uma nova votação, após passar pelos deputados. Já existe um pedido de urgência aprovado, o que indica que a votação na Câmara pode acontecer em breve. Leia mais sobre o SNE neste miniguia preparado pela Jeduca.
Um dos objetivos centrais do SNE é criar mecanismos de governança para que, por meio da colaboração e atuação conjunta entre União, estados e municípios, as políticas educacionais sejam mais integradas, com mais sinergia entre as redes de ensino.
Esta possibilidade já está prevista na legislação desde a Constituição de 1988, mas é colocada em prática de maneira isolada no país, por meio, por exemplo, dos ADEs (Arranjos de Desenvolvimento da Educação), que são redes de colaboração entre municípios.
Hoje em dia, não é incomum que escolas estaduais e municipais localizadas numa mesma cidade, sigam orientações diferentes. Na pandemia de covid-19, isso ficou muito visível, pois as metodologias de ensino remoto, os calendários e mesmo os protocolos de biossegurança variavam, dependendo da conduta da secretaria estadual ou municipal.
Com o Sistema Nacional de Educação a expectativa é que exista mais articulação e convergência entre as ações dos três níveis de governo e entre as redes de ensino, produzindo impactos positivos na qualidade do ensino e da aprendizagem, na otimização dos recursos financeiros, no estabelecimento de parâmetros mínimos de qualidade, entre outros pontos. O deputado Idivan Alencar (PDT-CE), relator do projeto da Câmara, enfatiza a importância do SNE na superação dos problemas de aprendizagem decorrentes da pandemia.
A seguir destacamos alguns pontos do texto aprovado no Senado, que podem ser relevantes para a cobertura.
O SNE não é igual ao SUS
O SNE tem sido comparado ao SUS (Sistema Unificado da Saúde), mas é preciso ter clareza de que eles têm estruturas bem diferentes. O SUS, como o nome diz, é um sistema único, que funciona de maneira integrada e hierarquizada. O SNE não é assim: ele é um sistema de sistemas, já que sua finalidade é articular estruturas que já existem e possuem autonomia – as redes estaduais, municipais e a rede federal -, como determina a legislação.
A diferença do que ocorre atualmente são as instâncias criadas para promover a articulação: a Cite (Comissão Tripartite de Educação) de nível nacional, com representantes do governo federal e dos governos estaduais e municipais, e as Cibes (Comissões Bipartites de Educação) nos estados, reunindo representantes do governo estadual e dos governos municipais.
A função dessas comissões é pactuar e estabelecer acordos sobre vários aspectos relacionados à educação – o que é uma mudança significativa na maneira como são pensadas e implementadas as políticas educacionais.
Atualmente, o MEC pode, por exemplo, criar programas, adotar ações de indução, mas os estados e municípios não precisam aderir a eles. Com o SNE, espera-se que todos os entes definam e implementem as políticas pactuadas entre todos.
Quando o SNE estiver totalmente instituído, a tendência é que haja mais equilíbrio entre os três níveis de governo na definição das políticas educacionais.
As instâncias que compõem o SNE
A Cite é a comissão de nível nacional, composta por representantes da União, estados e municípios. Entre suas funções estão:
- Tratar da assistência técnica e financeira da União a estados e municípios.
- Definir uma metodologia de monitoramento e avaliação do PNE (Plano Nacional de Educação).
- Formular diretrizes e uma metodologia para a definição do CAQ (Custo Aluno Qualidade).
- Definir diretrizes e metodologia para implementar o CAQ (Custo Aluno Qualidade) em âmbito nacional e fornecer os parâmetros para as Cibes definirem o CAQ estadual.
- Implementar políticas de avaliação da educação básica
- Manter e gerir os sistemas de avaliação da educação básica, da educação profissional e tecnológica e da educação superior.
A Cite vai ser apoiada pela CAN (Câmara de Apoio Normativo), uma câmara técnica consultiva nacional de negociação e pactuação. A CAN reúne representantes dos órgãos normativos dos sistemas de ensino dos três níveis de governo, de diretrizes nacionais normativas para a educação – CNE (Conselho Nacional de Educação), conselhos estaduais e municipais de educação, contemplando as cinco regiões.
Outra instância de nível nacional é a Cifeb (Câmara Intergovernamental de Financiamento da Educação Básica de Qualidade), que vai assumir as funções da Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade, que define, por exemplo, os fatores de ponderação das etapas e modalidades do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
Outra instância de nível nacional é o Fórum de Valorização dos Profissionais da Educação, composto por representantes do governo e da sociedade civil para acompanhar a atualização do piso salarial do magistério, além de subsidiar a Cite em questões relacionadas à formação, carreira e valorização docente.
Em nível estadual, existem as Cibes, cujas funções são:
- Realizar o planejamento educacional dos estados e municípios.
- Repartir a oferta de ensino entre estados e municípios.
- Definir procedimentos relacionados à infraestrutura escolar (cessão, doação etc.).
- Operacionalizar compras regionais, mediante um sistema de registro de preços em nível estadual.
Objetivos do SNE
São várias as frentes de atuação do SNE: gestão, pedagógica, financeira, avaliação etc., com o objetivo de atingir os 20 objetivos listados no texto aprovado no Senado (que coincidem os desafios da educação brasileira):
- Universalizar acesso à educação básica de qualidade.
- Erradicar o analfabetismo.
- Assegurar acesso e permanência na escola dos povos indígenas, quilombolas, cidadãos do campo, pessoas com deficiência e toda a população historicamente excluída.
- Garantir infraestrutura física, tecnológica e de pessoal para todas as escolas públicas do país.
- Promover valorização dos profissionais da educação.
- Racionalizar uso dos recursos.
- Elaborar e cumprir planos de educação.
- Garantir dotação orçamentária para financiar a educação pública tomando o CAQ como referência de padrão de qualidade.
- Avaliar a regulamentar a oferta nos setores público e privado.
Quando o SNE começa a valer
Após a tramitação no Congresso, o SNE ainda vai a sanção presidencial. Além disso, a implementação não é imediata, pois, uma vez aprovado, o SNE terá de ser regulamentado.
Ou seja, será necessário definir uma série de regras e normas sobre como ele vai funcionar na prática – um processo que deverá levar tempo e será decisivo para delinear o peso efetivo que o sistema terá no desenho e na implementação das políticas educacionais.
Por isso, é importante que a imprensa o acompanhe tanto em nível nacional, quanto em nível estadual, já que cada estado vai criar suas leis com as regras para o funcionamento das comissões bipartites.
Segundo o texto aprovado no Senado, os estados e municípios têm dois anos, a partir da aprovação da lei, para instituir, por meio de lei específica, os sistemas estaduais e municipais de educação. A imprensa local pode desempenhar um papel relevante no acompanhamento desse processo, além de levar informações à sociedade sobre o tema.
Além disso, embora não seja exagerado dizer que existe praticamente um consenso na área da educação quanto à importância do SNE, há críticas à proposta aprovada o Senado. Entre elas estão a necessidade de se fortalecer o papel dos municípios nas instâncias de decisão e a exclusão da comunidade escolar desses espaços.
A regulamentação do CAQ
Este é um dos tópicos que mais deve gerar debates e negociações. O CAQ (Custo Aluno Qualidade) é, como o nome sugere, um padrão de qualidade, considerando o custo por aluno para ofertar uma educação de qualidade e a capacidade econômica do Brasil.
Ele é um desdobramento do CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial), que define um padrão mínimo de investimento considerando uma série de insumos. O PLP aprovado no Senado define que ele será calculado com base em indicadores como: estrutura física, carreira docente, gestão democrática, programas suplementares (alimentação, transporte), indicadores de gestão (plano de carreira docente, eficiência das redes), entre outros.
O CAQ foi desenvolvido por organizações da sociedade civil ligadas à Campanha Nacional pelo Direito à Educação e apresentado pela primeira vez em um estudo publicado em 2007.
Embora a legislação educacional preveja a existência de parâmetros de qualidade, existe uma polêmica em torno do tema, que deve influenciar a regulamentação do CAQ no contexto do SNE. Vale lembrar que essa regulamentação estava prevista na lei que criou o Novo Fundeb, mas acabou ficando para o contexto do SNE.
Uma crítica à maneira como o CAQ é tratado nos projetos em tramitação no Congresso diz respeito, por exemplo, à destinação de recursos para os indicadores. O texto aprovado no Senado associa a dotação orçamentária ao CAQ à capacidade financeira dos estados e municípios – ao invés de usá-lo como ponto de partida para referenciar o montante à educação.
De acordo com o texto, cada estado terá o seu valor de referência, considerando análises técnicas que serão feitas pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Os valores do CAQ estaduais poderão ser alterados e precisam ser aprovados pela Cite.
Também será definido um CAQ nacional, que será referência para todas as escolas públicas. O texto também fala em “aporte da União”, a fim de garantir o valor do CAQ nacional para todas as escolas – um mecanismo semelhante à complementação da União no Fundeb.
Como tudo isso vai funcionar, ainda não está claro e precisará de regulamentação.