Com a publicação da MP (Medida Provisória) 934/2020, que flexibiliza o ano letivo da educação básica e da educação superior, foram estabelecidos parâmetros legais para as instituições de ensino reorganizarem o calendário escolar no contexto da pandemia da Covid-19. Ainda assim, há diversas questões e desdobramentos que que merecem a atenção dos jornalistas.
A MP autoriza, em caráter excepcional, as escolas e instituições de ensino superior a cumprirem a carga horária de 800 horas/ano no lugar dos 200 dias letivos. Sua sustentação legal são os artigos 32 e 36 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que permite a oferta de ensino a distância em situações emergenciais, como é o caso da pandemia.
Regulamentação estadual e municipal
Um primeiro ponto de atenção é que a MP flexibilizou somente o cumprimento do número de dias de letivos, mas manteve a carga horária 800 horas. Então, a questão é: como essas horas serão cumpridas? A principal alternativa, desde março, tem sido a oferta de atividades a distância para estudantes.
Vários estados e municípios já aprovaram normativas para regulamentar o aproveitamento de atividades realizadas em casa pelos estudantes.
No blog do Consed (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação) há uma lista de estados que já publicaram suas normas – mas deve haver outros, então o repórter que deve se certificar se seu estado ou município definiu regras.
A ampliação da carga horária diária e a reposição podem ser opções quando as escolas reabrirem. Porém, ainda nao é possível saber quando isso vai acontecer e essas alternativas exigiram recursos, infraestrutura e pessoal adicionais, o que pode dificultar sua implementação.
Desigualdades e direito à aprendizagem
As redes de ensino e escolas são muito diferentes entre si e têm adotado as alternativas possíveis, conforme sua realidade e condições. A rede estadual do Amazonas, por exemplo, está oferecendo aulas via TV aberta. O Mato Grosso do Sul está usando uma plataforma digital da secretaria de educação.
Além disso, o uso massivo da educação a distância é novidade e as redes de ensino têm que desenvolver estratégias pedagógicas para viabilizar as adaptações, como é o caso de Minas Gerais.
Outra questão importante é como assegurar que todos os estudantes tenham acesso e consigam acompanhar as atividades oferecidas a distância, problematizam especialistas.
O ponto de atenção aqui são as discrepâncias de oferta e acesso ao ensino remoto entre os estados, e, também, no nível dos municípios. Muitas redes municipais, sobretudo aquelas dos municípios pequenos e distantes, não dispõem de recursos financeiros e técnicos suficientes e podem ter dificuldade para implementar aulas e atividades a distância.
Além disso, é sabido que escolas de uma mesma rede têm condições discrepantes, o que dificulta a oferta de atividades remotas, especialmente nas periferias.
Nesse cenário, os professores podem ficar especialmente sobrecarregados. Na outra ponta, nem todos os estudantes têm meios para acessar o conteúdo online ou imprimir material ofertado pela escola. O principal efeito pode ser a intensificação das desigualdades educacionais.
Ao mesmo tempo, estão surgindo iniciativas como a #CompartilheUmaAula e mobilizações de professores para troca de experiências e apoio para o uso das tecnologias digitais. Organizações do terceiro setor criaram plataformas de apoio a professores e famílias e para gestores. O MEC está oferecendo formação online para alfabetizadores.
Acompanhamento e avaliação da aprendizagem
Para que as atividades realizadas em casa contem para o cumprimento do ano letivo, os conselhos estaduais e municipais precisam definir meios para que elas possam ser computadas.
A resolução do Conselho Estadual de São Paulo, por exemplo, prevê que as atividades realizadas remotamente sejam minuciosamente registradas a fim de serem consideradas no cálculo das horas. O mesmo terá de acontecer em outras partes do país.
Este é outro ponto de atenção da cobertura: quais serão esses mecanismos? Eles estão alinhados com os direitos de aprendizagem das crianças, estabelecidos em documentos legais como a BNCC (Base Nacional Comum Curricular)?
Outro aspecto são os estudantes que concluem o ensino médio em 2020 e pretendem fazer o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ou vestibulares. Como fica a situação deles em termos de aprendizagem?
Educação infantil
A MP não abrange a educação infantil, mas, como a pré-escola (4-5 anos) é obrigatória, as redes e escolas estão buscando alternativas para atender remotamente essas crianças – embora a legislação não permita EAD neste nível.
Muitas escolas têm enviado materiais pela internet, aplicativos de mensagens etc. para os pais realizarem atividades em casa com seus filhos. O Distrito Federal aprovou uma resolução que permite a oferta de aulas a distância para a educação infantil.
O uso de metodologias a distância para a educação infantil gerou reação contrária da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação), que defende que não sejam ofertadas atividades a esses alunos no contexto da quarentena, pois a BNCC adota como princípio as vivências e experimentações presenciais mediadas pelos professores para este nível.
Na mesma direção a RNPI (Rede Nacional pela Primeira Infância) divulgou uma carta aberta ao CNE (Conselho Nacional de Educação) solicitando que não seja adotada a educação a distância para creches e pré-escolas.
Além disso, os críticos argumentam que embora a pré-escola seja obrigatória, ela não é pré-requisito para ingressar no ensino fundamental e não há imposição de desempenho para essas crianças.
Educação superior
A MP também abrange a educação superior, o que dá margem para as instituições usarem a EAD. Porém, nem todas as instituições aderiram ao modelo. Entre as universidades federais, 60% suspenderam o calendário e alegam que não têm condições de oferecer atividades a distância de maneira equitativa todos os alunos e suspenderam o calendário acadêmico. Vale lembrar que nas federais, não é incomum prolongar as atividades letivas no ano seguinte, quando ocorrem greves, por exemplo.
Entre as instituições privadas, a adesão às aulas e atividades a distância tem sido maior e a tendência é que o ano letivo seja cumprido, apesar da quarentena. Como elas cobram mensalidades e oferecem serviços mediante contrato, a transição para o ensino remoto é facilitada. Um risco, alertam especialistas, é a naturalização da eduação a distância, que ja vem crescendo no ensino superior.