Este site usa cookies e dados pessoais de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você declara estar ciente dessas condições.
OK
A associação
Notícias
Guias
Congressos
Dados educacionais
Edital
Editora pública
Banco de fontes
CONTATO
ASSOCIE-SE
LOGIN ASSOCIADO
Rovena Rosa/Agência Brasil
Outros

Miniguia dá dicas de cobertura do Enem sem cair em estereótipos

Divulgação dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio é oportunidade para reportagens sobre os desafios envolvendo ações afirmativas e acesso à educação superior

09/02/2023
Raphael Preto Pereira

(Edição: Marta Avancini)


A divulgação dos resultados do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) sempre mobiliza a cobertura de educação, fazendo com que os jornalistas busquem enfoques diferenciados. No entanto, algumas abordagens podem, ainda que involuntariamente, difundir visões estereotipadas de certos grupos.

 

Uma pauta comum nessa cobertura é contar a história de estudantes que conseguiram a nota máxima na redação, que obtiveram pontuações elevadas ou que, por conta de seu perfil, não seria esperado que ingressassem numa faculdade. 

 

Por vezes, as reportagens assumem um tom “heroico”, destacando o esforço e a superação do jovem - o que se acentua, por exemplo, quando se trata de estudantes negros ou de pessoas com deficiência, entre outros. 

 

O mesmo ocorre quando o jornalista procura personagens e acaba lidando com alguns “cases” prontos e acaba sendo induzido a equívocos  - por exemplo, caracterizar um jovem que teve uma pontuação elevada no Enem como “superdotado”, sendo que o bom desempenho num exame não é suficiente para dizer que se trata de uma pessoa com altas habilidades. O Censo da Educação Superior 2021 computou cerca de 955 estudantes superdotados cursando uma graduação no país todo.

 

Cursinhos populares, muitas vezes oferecidos pelas próprias universidades, são opções para encontrar personagens diversos para matérias, além de especialistas para comentar as provas.

 

Além disso, a consolidação das políticas afirmativas de acesso à educação superior leva à necessidade de ampliar o olhar. Existem vários tipos: além das cotas, há processos seletivos específicos (como o vestibular indígena da Unicamp e da UFSCar), reserva de vagas ou bonificação para egressos da rede pública, entre outros. Como, então, cobrir esse assunto sem estigmatizar?

 

O ingresso é só o primeiro passo

O avanço dos programas de inclusão como Fies (Programa Financiamento Estudantil), ProUni (Programa Universidade para Todos) e o SISU (Sistema de Seleção Unificada) tem ampliado a presença de estudantes egressos da rede pública, negros, indígenas e pessoas com deficiêncianas instituições de ensino superior - sobretudo nas públicas. 

 

Nesse contexto, pode ser interessante direcionar o olhar da cobertura para as iniciativas em si,para os  impactos e os desafios que persistem ao invés de enfatizar a “superação “ ou “resistência”,  decorrente do esforço individual desses jovens.

 

A Lei de Cotas (Lei 12.711/2012), principal política afirmativa para ingresso no ensino superior, completou dez anos em 2022, com uma avaliação positiva quanto ao seu impacto na ampliação do acesso de negros ao ensino superior. Uma pesquisa de 2018 noticiada pela Agência Brasil, mostra que, naquele ano, os negros representavam 51,2% do alunado das instituições federais de ensino superior. O estudo foi realizado pela Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior).

 

Em 2021, na USP (Universidade de São Paulo) 51,7% dos alunos matriculados eram oriundos de escolas públicas. Desses, 44,1% autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI). A notícia foi destaque no jornal O Estado de S.Paulo.

 

Esses dados mostram que, de fato, há avanço no ingresso de grupos historicamente excluídos no ensino superior. Mas este é apenas o primeiro passo. Superada a barreira do Enem (ou do vestibular), é preciso assegurar condições para que o estudante consiga estudar e permanecer no curso até o fim.

 

Uma reportagem do G1 exibiu um perfil da primeira turma de estudantes de direito que entraram na USP com a adoção da política de cotas cinco anos atrás: os jovens relatam dificuldades de diversos tipos - desde transporte para chegar à faculdade até a necessidade de trabalhar simultaneamente ao curso.

 

Por isso, nessa cobertura, sempre que possível, procure focar na existência ou não de políticas afirmativas para a permanência de estudantes. Existem bolsas ou outros tipos de auxílio para os estudantes cotistas? Esses valores têm sido reajustados? A instituição oferece residências estudantis? O número de vagas é suficiente? Há fila de espera?

 

Este ano, em especial, vale ficar atento a como as instituições federais (que sofreram com cortes e contingenciamento orçamentário durante o governo Bolsonaro) vão lidar com a permanência estudantil - afinal, esses programas estão entre os que mais sofreram com a falta de recursos, como noticiou O Globo.

 

Os indígenas que ingressam na educação superior também enfrentam dificuldade para permanecer e concluir os cursos, como mostra a série de reportagens do portal Primeira Página (MS).

 

O minicurso “10 anos de cotas nas universidades federais”, oferecido pela Jeduca em junho de 2022, traça um panorama da Lei de Cotas e dos debates em torno do tema.

 

As cotas facilitam ou dificultam o acesso?

As cotas tornam o ingresso em uma universidade algo mais fácil?m debate que tem aparecido em estudos acadêmicos e que pode ser mais explorado na imprensa é o quanto as cotas facilitam ou atrapalham a vida do estudante que concorre à uma vaga na universidade através deste sistema.

 

Uma reportagem da Folha de S.Paulo, com base em um levantamento de dados do SiSU realizado pelo jornal, mostra que as notas de corte para estudantes que optam por concorrer no modelo cotas podem ser até 25% mais altas (que a ampla concorrência?). Neste cenário, a cota acaba funcionando como um “teto” para o ingresso do estudante ao invés de “ponto de partida”, como analisam pesquisadores entrevistados na matéria.

 

Este é um aspecto que merece atenção e pode ser aprofundado em reportagens. É necessário algum tipo de ajuste nas políticas de cotas para acesso à educação superior? Quais? 

 

Em 2022, estava prevista a revisão da Lei de Cotas pelo Congresso Nacional. A revisão foi adiada e ainda não há um prazo para que ela seja realizada. Então, vale acompanhar a movimentação no Legislativo em torno desta pauta.

 

Diversidade e estigmas

Também é importante considerar, nessa cobertura, outros grupos como indígenas, pessoas com deficiência, transgêneros, entre outros nem sempre atendidos por ações afirmativas. 

 

A lei de cotas em universidades federais para pessoas com deficiência foi aprovada em 2016 - ou seja, quatro anos depois da lei de cotas para estudantes da rede pública. Os dados oficiais ajudam a compreender o tamanho do desafio para incluir esse grupo na educação superior: elas representam 0,7% do total de estudantes deste nível - são 63.404 num universo de 8.987.120, como informa o Censo da Educação Superior 2021.

 

Em parte, este cenário pode ser explicado por causa das barreiras que esses estudantes enfrentam ao longo da vida escolar, o que aumenta as chances de evasão.

 

O Censo Escolar do Inep (Instituto Nacional de Estudos de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), mostra, por exemplo, que há uma queda das matrículas de alunos com deficiência do ensino fundamental para o ensino médio: em 2022, segundo o Censo Escolar, havia 1.001.136 estudantes com deficiência matriculados no ensino fundamental e 204.233 no médio. Com isso, o número de jovens aptos a seguir os estudos na educação superior diminui significativamente.

 

Além disso, a chance de evasão desses estudantes é maior, mostra pesquisa Datafolha encomendada pelo Itaú Social, Fundação Lemann e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) com apoio do Instituto Rodrigo Mendes.

 

A presença na educação superior de outros grupos historicamente excluídos, como as pessoas trans, tem avançado, porém elas ainda representam uma parcela pequena do alunado. 

 

A pesquisa da Andifes de 2018 mostra que as pessoas trans representam 0,1% das matrículas nas universidades federais. Além disso, instituições que reservam vagas para este grupo, como é o caso da UniABC (Universidade Federal do ABC) têm dificuldade de preenchê-las, o que pode estar relacionada às barreiras enfrentadas por esses estudantes para concluir o ensino médio (assim como ocorre com as pessoas com deficiência), mostra reportagem do Estadão.

 

Uma linha de pauta possível, então, é falar sobre as barreiras da educação básica que impedem determinados grupos de chegar ao ensino superior. Também vale investigar, no caso das pessoas com deficiência, os recursos e condições de acessibilidade oferecidos nas escolas e faculdades. 

#vestibular #enem #educacaosuperior #diversidade

PARCEIROS FINANCIADORES
PARCEIROS INSTITUCIONAIS
ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO