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Fernando Frazão/Agência Brasil
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Pontos de atenção e recomendações na cobertura de ataques a escolas

Estudos mostram que a divulgação de imagens e vídeos de agressores na imprensa deve ser evitada, pois pode estimular outros atentados

23/10/2023
Marta Avancini

(Atualizado em 12/11/2023)

Diante de mais um ataque armado a uma escola em São Paulo, registrado na segunda-feira (23/10) a Jeduca reforça as recomendações baseadas em  evidências científicas para a cobertura do tema. Este material é uma atualização de um miniguia divulgado em março, no contexto de outro episódio semelhante.


Desde o início de 2023, somando o de hoje, foram registrados 11 ataques a escolas cometidos por estudantes e ex-estudantes em diferentes estados: RJ , AM, GO, CE, MS, PR, MG e quatro em SP. O dado é de estudo coordenado pela pesquisadora Telma Vinha (Unicamp) pra o D3e e B3 Social, disponível neste link.


Também segundo a pesquisa, em 22 anos, foram computados 36 ataques a 37 escolas, que resultaram em 40 mortes e 102 feridos.O estudo considera somente ataques praticados por estudantes ou ex-estudantes das instituições.


O relatório do Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas, instituido pelo MEC (MInistério da Educação) para contribuir para a formulação de políticas sobre o tema, traz números diferentes de vítimas e feridos porque inclui ataques praticados por outras pessoas, além de estudantes. Os números deste estudo são: 36 ataques em 37 escolas (das quais 30 são públicas), resultando em 49 mortes e 115 feridos. O estudo pode ser baixado aqui.

 

Esses episídios trazem para o centro do debate vários temas relacionados ao clima e à convivência escolar, que podem ser abordados e aprofundados na cobertura. 


A seguir, as recomendações para a cobertura e uma lista de materiais sobre o assunto produzidos pela Jeduca.


Frequência dos ataques

Os ataques a escolas têm se tornado mais frequentes. Do total de ataques registrados desde que o primeiro aconteceu na Bahia em 2001, 58% ocorreram entre 2022 e 2023, segundo o levantamento do D3e. Nesses dois anos, foram registrados 20 ataques.


Um relatório sobre o tema, produzido por um grupo multidisciplinar de pesquisadores coordenado por Daniel Cara (USP) e entregue ao governo de transição no final do ano passado já havia analisado o fenônomeno.


A frequencia dos ataques sinaliza que o tema é um ponto de atenção para a cobertura. Porém, é importante ir além dos números em si e buscar compreender mais a fundo o fenômeno.


Em sua apresentação durante o 7º congresso da Jeduca, a pesquisadora Sherry Towers, especializada em efeito contágio, apresentou alguns resultados de suas pesquisas, que podem ser consultados aqui.


Perfil do agressor

Os agressores são jovens (10 a 25 anos) do sexo masculino. São vítimas de bullying na escola, possuem características de isolamento social e indícios que transtornos mentias não diagnosticados/acompanhados.


Eles se articulam em comunidades online onde há incentivo à violência, à misoginia que estão em plataformas de fácil acesso na internet.


Em geral, os ataques são planejados, adotam métodos aprendidos na internet, muitas vezes em comunidades de subcultura extremista. Muitos são aliciados nos chats de plataformas de jogos online, são levados para comunidades onde são apresentados às ideias de extrema direita.

 

A motivação, muitas vezes, é se vingar e mostrar o próprio valor, fazendo o maior número possível de vítimas. E a intenção é ser visto, ser reconhecido pelo ataque, então a visibilidade alcançada na mídia é um dos efeitos desejados pelos agressores. Geralmente, esta não é uma decisão aleatória, e sim planejada.

 

Um caminho para evitar abordagens apressadas é buscar ir além do relato do fato e da reconstituição dos perfis do agressor e das vítimas, É importante acompanhar seus desdobramentos e as medidas tomadas pelo poder público em função do ocorrido. Este pode ser um caminho para traçar um panorama ampliado de um fenômeno complexo como são  os atentados a escolas: geralmente, eles estão associados a um contexto maior na escola, família, comunidade e sociedade. Dessa forma, é possível problematizar e aprofundar análises.


Como a mídia pode influenciar negativamente

Resultados de pesquisas apresentados por Catarina de Almeida Santos durante um webinário realizado pela Jeduca em março indicam que a mídia pode influenciar na proliferação desses ataques por parte desses jovens e adolescentes, aumentando a probabilidade que eles voltem a acontecer ou sejam imitados.

 

As coberturas extensivas, que, muitas vezes,  apresentam repetidamente as imagens do ataque, contam a história de vida do agressor ou mostram detalhes do evento podem influenciar diretamente outros jovens e adolescentes a fazerem o mesmo.

 

Quanto maior a exposição do agressor na mídia, maior a sua notoriedade, que geralmente é um dos objetivos dos ataques a escolas. Uma grande exposição do agressor gera um processo de “santificação” do agressor entre seus pares, porque ele passa a ser visto como um grande exemplo.

 

A difusão de fotos e vídeos do ataque funciona como um incentivo à repetição do acontecimento porque é vista pelos pares como um reforço à sua suposta competência. Além disso, a divulgação dos detalhes serve para criar um modelo para outros atentados.

 

Esses efeitos estão descritos em artigos científicos como "The effect of media coverage on mass shooting" e "Mass shooters and media contagion effect", entre muitos outros.

 

Armas e cultura de violência

Um aspecto citado no estudo do GT do MEC é que a diferença do grau de letalidade dos ataques envolvendo armas de fogo e armas brancas: das 49 mortes, 38 (77,5%) foram por arma de fogo e 11 (22,4%) por arma branca.


Essa característica, somada ao envolvimento dos agressores com uma cultura extremista e de violência, sobretudo em grupos na internet, conforme demonstram os estudos, leva à necessidade de um olhar abrangente sobre os ataques violentos contra escolas, pois envolvem questões que ultrapassam a escola e a educação.


O bullying, as agressões e os conflitos no ambiente escolar explicam, em parte os ataques, mas existem questões mais abrangentes, como a disseminação de uma cultura de violência e de discursos de ódio.


Então, a busca de soluções para o problema também envolve um olhar e medidas que perpassam diferentes áreas. Por isso, os autores do relatório do GT sugerem, entre outras medidas de enfrentamento, ações para desmembrar as comunidades extremistas na internet, a resposabilizção de canais que veiculam esse tipo de conteúdo, além do controle rigoroso da venda, porte e uso de armas, entre outras ações.


Medidas semelhantes, além da elaboração de diagnósticos e monitoramentos, também são sugeridas, entre outras, em estudo sobre ataques contra escolas realizado pelo Instituto Sou da Paz.

O ambiente escolar

Um aspecto importante nessa cobertura é considerar que a escola é uma comunidade e não um espaço público qualquer: na escola, as pessoas interagem, criam vínculos afetivos, as famílias confiam na segurança daquele espaço. Além disso, a escola faz parte da identidade dos estudantes e educadores.

 

Por isso, a recomendação é considerar esses aspectos na cobertura, a fim de evitar amplificar danos já desencadeados pelo ataque. Além da escola, esses danos podem atingir a comunidade do entorno e demais escolas da rede de ensino e até de outras localidades.

 

Assim, mais relevante de identificar os motivos que levam uma pessoa a atacar uma escola, pode ser compreender por que uma escola é atacada, como e o que pode ser feito para prevenir os ataques.

 

Nessa cobertura, é de grande valia ouvir os diferentes atores envolvidos, em especial, a comunidade escolar. Professores, estudantes, gestores e demais pessoas conhecem o dia a dia da escola e, por isso, podem agregar informações relevantes sobre os desafios que enfrentam e, também, sobre ações e atividades que realizam.

 

Um cuidado, porém, é não ser invasivo ao tentar ouvir essas pessoas. É preciso ter autorização dos gestores ou outros responsáveis para entrar na escola, assim como para fazer entrevistas, gravar imagens e fotografar.

 

Outro cuidado importante ao cobrir esse tipo de evento é evitar a exposição dos agressores e vítimas, pois agindo dessa maneira a mídia pode colaborar para o “efeito contágio”, ou seja, colaborar para que o caso sirva de inspiração para outros atentados.

 

A divulgação de imagens ou vídeos dos agressores, como fizeram alguns veículos, pode ter um efeito não desejado, pois podem ser usados por comunidades que valorizam estes ataques, transformando os agressores em heróis. Por isso, em certos países, os veículos evitam dar destaque a essas notícias.

 

Outro cuidado é com relação à preservação da identidade de crianças e adolescentes envolvidos, mesmo que sejam agressores, como preveem os artigos 17 e 247 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Assim é preciso tomar alguns cuidados ao publicar imagens e com as entrevistas.

 

.A questão do clima escolar

As pesquisas indicam que as diferentes manifestações da violência na escola estão relacionadas à qualidade das relações e da convivência entre estudantes, professores e os outros integrantes da comunidade escolar, segundo Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.

 

A pesquisadora também chama a atenção para o papel de “câmara de eco” que os jogos online e as redes sociais podem desempenhar, funcionando como canalizadores de sentimentos que não são trabalhados em outros espaços, como a família e a escola. Esse aspecto remete à necessidade de encontrar novas maneiras de lidar com a relação que as crianças e adolescentes mantêm com a tecnologia.

 

O Porvir publicou um guia multimídia que inclui, além de análises sobre os ataques, experiências de escolas públicas que estão enfrentando o extremismo com ações que envolvem o protagonismo de adolescentes e jovens.

 

Estudo da Fundação Carlos Chagas sobre a convivência escolar nos anos finais do ensino fundamental no pós-pandemia mostra que gestores e professores tendem a perceber menos os problemas de relacionamento do que os estudantes - o que indica a necessidade de formação para que os adultos da escola atuem de forma preventiva, a fim de evitar a escalada de violência. O estudo também mostra que estudantes pretos e pardos estão mais sujeitos à violência na escola do que os brancos.

 

Uma pesquisa da Nova Escola mostra que os professores percebem aumento da violência escolar no pós-pandemia (68,8% dos entrevistados) e relatam falta de apoio para lidar com a agressividade dos alunos.  

 

As investigações do Programa Estudos sobre Juventudes, Educação e Gênero: Violências e Resiliências da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) mostram que há um perfil comum das pessoas que cometem os atentados a escolas, refletindo o que acontece na sociedade: em geral, são homens e há uma vinculação com discurso de ódio.

 

A intolerância de raça, gênero e pela comunidade LGBTQIA+, somada a visões autoritárias, são outras características apontadas pelo sociólogo Cesar Bueno de Lima, que pesquisa violência escolar na PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). Ele defende a implantação de práticas restaurativas no ambiente escolar.

 

Segundo informações publicadas na imprensa, ataques racistas podem estar na origem do conflito que resultou no ataque à escola Thomazia Montoro.

 

Então, um caminho de apuração pode ser ouvir as secretarias de educação sobre as ações existentes no campo do clima e da convivência escolar, incluindo o relacionamento com a comunidade escolar. 

 

A secretaria estadual de Educação de São Paulo anunciou a contratação de psicólogos e psicopedagogos para as escolas, além de manter um programa voltado para a melhoria da convivência na comunidade.

 

Quais iniciativas existem nessa área? Existem ações voltadas para lidar com os conflitos no ambiente escolar? Quais espaços estruturados existem para a escuta dos estudantes e para que eles falem sobre suas questões, sentimentos e expressem suas opiniões?

 

As questões da diversidade e da diferença são abordadas na escola? De que forma, nas aulas ou em atividades extracurriculares?

 

Materiais sobre a cobertura de ataques violentos a escolas:

Mesas do 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação:

"Para pesquisadoras, autorregulação da imprensa pode evitar novos ataques às escolas"
Vídeo na íntegra.

 

"A cobertura dos ataques às escolas e os dilemas da imprensa"
Vídeo  na íntegra.

 

"Para além dos ataques: como professores lidam com tensões frequentes e violência na escola"
Vídeo na íntegra.

 

Webinário realizado em 31/3/2023.

Miniguia sobre a cobertura de atentados a escolas publicado pela Jeduca em 2019, no contexto de outro ataque em Suzano (SP).

 

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