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Programa Pé-de-Meia: entenda os possíveis impactos e desafios no combate à evasão

Pesquisas indicam que iniciativa do MEC pode contribuir para a permanência na escola, mas também são necessárias políticas para lidar com outros fatores que desestimulam os estudantes

02/02/2024
Marta Avancini

(Com apuração de Isabella Siqueira)


O MEC (Ministério da Educação) acaba de criar o programa Pé-de-Meia: uma bolsa-poupança para incentivar os estudantes de baixa renda a permanecerem na escola e concluírem o ensino médio. 


A demanda por uma bolsa é antiga entre os movimentos sociais, como a Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). Segundo o governo, o programa tem como objetivo combater um dos maiores problemas da etapa de ensino, a evasão escolar. A intenção é que tanto os estudantes, quanto suas famílias, tenham um incentivo para concluir os estudos.


O Pé-de-Meia (
Lei 14.818/2024) foi apresentado em detalhes durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto, em Brasília (DF) no dia 26 de janeiro, e a promessa é que ele comece a ser pago a partir de março. Na ocasião, o ministro Camilo Santana (Educação) apresentou um balanço das ações em 2023, chamando a atenção para áreas consideradas prioritárias, como alfabetização e educação em tempo integral. Veja a apresentação feita pelo ministro.


Somente
em 2022, quase 450 mil jovens abandonaram o ensino médio no país: 5,7% das 7.866.695 de matrículas registradas pelo Censo Escolar. E a taxa está aumentando desde 2021, revertendo a tendência de queda verificada entre 2014 (7,6%) e 2020 (2,3%).


A evasão também preocupa. No
biênio 2019-2020, a taxa de evasão foi de 6,7%, segundo o dado mais recente divulgado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Em 2020, havia cerca de 7,6 milhões de matrículas no ensino médio. 


A cada ano, cerca de
500 mil jovens evadem do ensino médio, de acordo com estudo do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) e Sesi (Serviço Social da Indústria). 


Atenção à definição 

É importante prestar a atenção à diferença entre abandono e evasão escolar: 

  • Abandono: quando o estudante interrompe os estudos por um período, mas retorna à escola no mesmo ano ou no seguinte. 

 

  • Evasão: quando o estudante sai definitivamente da escola - ou seja, estava matriculado em um ano e no seguinte não estava mais. Por isso, o Inep divulga o dado considerando um biênio (?por exemplo, 2019-2020).

 


A
necessidade de trabalhar figura como o principal motivo do abandono e evasão em diversos levantamentos, como a Pnad Contínua Educação 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) - ver página 9. Outros motivos são falta de interesse em estudar, gravidez, afazeres domésticos, problemas de saúde e falta de escola na localidade, vaga ou turno desejado.


A Pnad também mostra que 18% (9,5 milhões) dos 52 milhões de adolescentes e jovens de 14 a 29 anos não completaram o ensino médio porque abandonaram a escola ou nunca a frequentaram. O gênero e a cor/raça fazem diferença no perfil de quem desiste de estudar: 58,8% são homens e 70,9% pretos ou pardos. Os maiores percentuais de abandono ocorrem a partir dos 16 anos - idade em que se espera que o jovem esteja cursando o ensino médio.


Estudo realizado pelo Ipec para o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em 2022 mostrou que 2 milhões de crianças e jovens de 11 a 19 anos haviam parado de estudar em 2021; desse total,
48% disseram que saíram da escola “porque tinha de trabalhar fora”


Guia do Observatório da Educação do Instituto Unibanco elenca, como
causas da evasão escolar a falta de condições financeiras de manter a frequência escolar, custos de transporte escolar e alimentação. A pandemia de covid-19 também favoreceu a interrupção dos estudos entre os jovens.


Há ainda o debate em torno do ensino médio, que tem como um dos eixos tornar a escola mais alinhada com as demandas da juventude e envolve propostas como o aumento da formação básica e  fortalecimento do ensino técnico, entre outras. O governo enviou um projeto de lei que está em debate na Câmara dos Deputados e pode ir a votação ainda no primeiro semestre, de acordo com o MEC. Saiba mais sobre o projeto e as disputas em torno dele nessa
matéria da Jeduca.


A evasão e o abandono têm sido tema de várias reportagens, por exemplo no jornal
O Globo e nos sites Metrópoles e GZH


Ponto de atenção

+O abandono e a evasão não acontecem de uma hora para outra. Eles estão associados a dificuldades de aprendizagem, precariedade da infraestrutura e condições de ensino, falta de vínculo com a escola e repetência, entre outros, que criam um cenário propício à interrupção dos estudos. Então, um caminho para as reportagens pode ser ampliar o olhar, abordando esses e outros aspectos que influem na permanência do aluno. Nessa linha vale ouvir os estudantes e professores.


O Pé-de-Meia

O programa é voltado para estudantes da rede pública, abrangendo dois grupos:

  • Jovens de 14 a 24 anos matriculados no ensino médio.

  • Jovens de 19 a 24 anos da EJA (Educação de Jovens e Adultos). 


Outros pré-requisitos são pertencer a famílias de baixa renda e inscritas no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais), ou seja, serem beneficiárias do Bolsa Família. Estudos mostram que o programa
contribuiu para reduzir o abandono e a evasão.


Além disso, como contrapartida para receber o benefício, o estudante precisa ter 80% de frequência no ano letivo, ser aprovado em cada série e participar das avaliações oficiais (Saeb, Encceja). 


A exigência de frequentar a escola é um dispositivo comum nesse tipo de iniciativa e foi adotada com sucesso no Bolsa Família.


Os depósitos se distribuem da seguinte maneira:

  • No ato da matrícula da 1ª, 2ª e 3ª séries: 1 parcela de R$ 200.

  • Ao longo da 1ª, 2ª e 3ª séries: 9 parcelas de R$ 200.

  • Na conclusão da 1ª, 2ª e 3ª série: 1 parcela de R$ 1.000.

  • Realização do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio): 1 parcela de R$ 200.


Se todos esses requisitos forem cumpridos, ao final o estudante receberá R$ 9.200. O estudante poderá sacar as parcelas pagas durante o ano letivo, mas só terá acesso aos valores pagos pela conclusão de cada série quando terminar o ensino médio.


A
Agência Brasil. G1 e Agência Mural de Notícias das Periferias, entre outros veículos, publicaram reportagens detalhando o funcionamento do Pé-de-Meia.

 

A expectativa é atingir 2,5 milhões de jovens em 2024, noticiou a Rádio Brasil de Fato a partir de entrevista com o deputado federal Pedro Uczai (PT-SC), relator do PL.

 

Os recursos para o Pé-de-Meia vêm de um fundo privado com aporte federal. Em dezembro de 2023, houve um aporte de R$ 6,1 bilhões para os pagamentos em 2024. O orçamento anual (inclusive em 2024) é de R$ 7 bilhões. A expectativa é que o fundo receba um total de R$ 20 bilhões, informou a Folha de S.Paulo.

 

Vale lembrar que a ideia de uma “poupança jovem” foi proposta pela atual ministra do Planejamento, Simone Tebet, durante a campanha eleitoral para a Presidência da República em 2022, na qual foi candidata. A ideia foi encampada por Lula em troca de apoio no segundo turno.

 

Pontos de atenção

+A promessa do MEC é começar a efetuar os depósitos para os estudantes em março. O processo de implementação é complexo, envolvendo desde a elaboração do cadastro, checagem de informações, criação das contas bancárias, entre outros pontos. Vale acompanhar e procurar detalhar o andamento de cada etapa.

+É importante acompanhar a implantação do programa, verificando seu impacto na permanência dos estudantes, o que pode ser feito através das taxas de evasão e abandono, que costumam ser divulgadas periodicamente. Caso não sejam divulgadas, vale cobrar o governo.

+Outro ponto importante é a garantia de orçamento para que o programa seja efetivado. Importante acompanhar os aportes no fundo, que vai movimentar valores elevados - a título de comparação, o MEC prevê investir R$ 3 bilhões até 2026 no Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, uma política considerada prioritária.


Experiências e evidências

Existem Iniciativas semelhantes ao Pé-de-Meia em alguns estados do país, muitas delas implementadas a partir de 2021 como estratégia para atrair os estudantes de volta para a escola e evitar o abandono e a evasão. Alguns exemplos descritos no estudo Combate à evasão escolar do Pnud, Firjan e Sesi (ver Caderno 2):

Alagoas: Cartão Escola 10.


Bahia:
Bolsa Presença.


Goiás:
Bolsa Estudo.


Piauí:
Bolsa Jovem.


Rio Grande do Sul:
Todo Jovem na Escola.


Santa Catarina:
Bolsa Estudante.


O estado do Rio de Janeiro manteve o programa Renda Melhor Jovem entre 2011 e 2016. A iniciativa foi retomada em 2022, prevendo sua implantação em territórios de baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Avaliação da experiência no Rio de Janeiro indicou que houve redução da evasão no público-alvo, mas ela poderia ter sido maior se governo tivesse aberto conta bancária para os estudantes ao invés de deixar essa responsabilidade para eles e as famílias.


Outra experiência é a Poupança Jovem Piauí, implantada em 2015 no estado em parceria com o Banco Mundial: o abandono caiu 13% no primeiro ano de implementação do programa e de 34% no segundo ano, segundo o estudo Combate à evasão escolar. O jornal
O Estado de S.Paulo também publicou reportagem sobre a iniciativa do Piauí.


Um estudo com evidências sobre programas de incentivos financeiros a estudantes de ensino médio foi realizado pelo D3e em parceria com o Todos pela Educação, que analisou experiências brasileiras e de outros países. Em linhas gerais, a
conclusão é que em países considerados desenvolvidos, o impacto tende a ser positivo na redução do abandono e da evasão. Naqueles caracterizados como em desenvolvimento, os resultados dependem do desenho do programa. Em alguns casos, foi identificado impacto mais forte na permanência na escola do que no ingresso na educação superior.


Ponto de atenção

+As evidências indicam que o sucesso de um programa depende do desenho da política (caso do Renda Melhor Jovem, por exemplo). Então, na apuração pode ser interessante ficar atento a esse aspecto, usando como referência estudos e avaliações sobre iniciativas semelhantes. Pode ser útil entrevistar pesquisadores que se dedicam ao assunto e pessoas beneficiadas pelos programas.

+Os programas estaduais também podem render pautas que ajudem a compreender melhor os ganhos e desafios relacionados a essas iniciativas, ouvndo os beneficiários, famílias e escolas, além de analistas e pesquisadores.

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