Os efeitos das mudanças climáticas e dos eventos meteorológicos extremos na educação é um tema que deve seguir em destaque na cobertura em 2025. Um dos motivos é a realização da COP 30 (30ª Conferência das Nações Unidas ONU sobre Mudanças Climáticas), em novembro, em Belém, no Pará, que trará mais visibilidade ao tema no país, estimulando discussões sobre a crise climática e educação ambiental dentro das escolas.
Neste ano, os estudantes voltaram às aulas em meio a uma onda de calor que atinge todo o país. Este fenômeno climático, que é marcado por altas temperaturas, consideradas acima das médias históricas, atípicas mesmo para o verão, e chuvas fortes, é um desafio na rotina escolar. Além do impacto no processo de ensino-aprendizagem, o calor extremo pode colocar em risco a saúde de estudantes, professores e funcionários.
No Rio Grande do Sul, por conta das altas temperaturas, a volta às aulas na rede estadual chegou a ser adiada em dois dias pela Justiça, em resposta a um pedido feito pelo Cpers (Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul).
Segundo o Cpers, o início das aulas em meio às altas temperaturas, somado à falta de estrutura necessária das salas de aula e demais ambientes escolares, seria um risco para professores, funcionários e estudantes. No estado, alunos chegaram a passar mal por conta do calor em uma escola da rede estadual no município de Santa Maria.
Em março, devido ao calor, as aulas também foram suspensas por dois dias em cinco cidades do Rio Grande do Sul. As secretarias de Educação informaram que haverá reposição dos dias letivos.
Em Ourinhos, localizada em uma das regiões mais quentes do interior paulista, o Oeste do estado de São Paulo, uma escola e faculdade de ensino profissional cancelaram as aulas presenciais dos turnos da manhã e da tarde por conta do calor, substituindo-as por aulas remotas.
Por conta do calor extremo, faculdades e colégios técnicos de Campinas cancelaram as aulas presenciais, que foram realizadas de forma online, no fim de fevereiro.
Para aliviar o desconforto térmico dos estudantes, algumas escolas têm adotado uma série de ações, incluindo a realocação de turmas para espaços climatizados, a adaptação da merenda escolar e dos parques e parquinhos, o fornecimento de água gelada, banhos de mangueira durante o intervalo e substituição da educação física ao ar livre por outras atividades, como Yoga e alongamento.
Um ponto de atenção é que a falta de refrigeração adequada para lidar com o calor extremo não se restringe às salas de aula. Na cozinha, por exemplo, fogões acesos podem aumentar a sensação térmica. O Sepe (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro) alertou para a situação de calor extremo em cozinhas de escolas das redes de ensino, solicitando providências para autoridades municipais e estaduais, segundo matéria da Agência Brasil.
No Rio de Janeiro, a Secretaria de Educação do estado autorizou a redução da carga horária presencial em 50% para escolas sem climatização adequada, o que corresponde a 200 escolas, relatou matéria da CNN Brasil.
Em São Paulo, a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) se manifestou solicitando ações imediatas do governo estadual em relação ao problema da falta de estrutura das escolas para lidar com a onda de calor. De acordo com o órgão, além de escolas sem qualquer tipo de ventilação, há unidades que contam apenas pequenos ventiladores ou com aparelhos de ar-condicionado inutilizados devido à inadequação da estrutura elétrica.
Após ser acionado por parlamentares na Câmara Municipal e Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou prazo de até 21 de março para manifestação da Prefeitura e do governo estudual sobre a viabilidade da instalação de aparelhos de ar-condicionado nas salas de aula de escolas públicas, conforme noticiado em matéria do g1.
Em Pernambuco, estudantes e professores de escola pública de ensino médio protestaram por causa do calor e da falta de aparelhos de climatização na instituição, conta matéria do Jornal do Commercio (PE).
Alunos de ETEC (Escola Técnica Estadual) localizada em Cubatão, na região da Baixada Santista, em São Paulo, criticaram a não suspensão das aulas durante a onda de calor e fizeram manifestação por melhores condições de estrutura na escola, em que não há ventiladores, de acordo com do A Tribuna.
O calor extremo evidencia o problema de infraestrutura das escolas brasileiras, com ambientes não climatizados, salas com aparelhos de ar-condicionado e ventiladores que não funcionam por falta de manutenção e carência de água potável para consumo. 95% (129.436 escolas) das escolas da rede pública contam com água filtrada, segundo o Qedu, com base nos dados do Censo Escolar 2023.
Salas de aulas consideradas climatizadas são aquelas que possuem aparelhos ar-condicionado, aquecedor ou climatizador, segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Levantamento feito pelo Ciepp (Centro de Inovações para a Excelência de Políticas Públicas), a partir de dados do Censo Escolar 2023, revela que a maioria das salas de aulas no Brasil não é climatizada. Na rede pública, 33,99% das salas de aula possuem aparelhos de climatização, enquanto na rede privada esse percentual é de 47,05%.
Na rede pública, o maior percentual de salas de aula climatizadas está na rede federal (75,31%), que possui um número menor de salas de aula, à frente da estadual (34,54%) e rede municipal (30,78%).
Total de salas de aula |
Salas climatizadas |
% |
|
Rede federal |
15.537 |
11.702 |
75,31 |
Rede estadual |
328.295 |
101.083 |
30,78 |
Rede municipal |
750.545 |
259.248 |
34,54 |
Fonte: Centro de Inovações para a Excelência de Políticas Públicas/ Microdados do Censo Escolar 2023 - MEC/Inep
O estudo revela ainda que as três redes estaduais com maior percentual de salas climatizadas estão em Rondônia (88,52%), Tocantins (78,98%) e Mato Grosso (78,73%).
Nos estados com melhores índices de climatização, é importante considerar o tamanho das redes. Em Rondônia, das 4.455 salas de aulas, 3.942 são climatizadas. No Tocantins, 3.292 das 4.169 salas de aulas estaduais são climatizadas.
Os menores percentuais estão nas redes estaduais de São Paulo (2,71%), Minas Gerais (8,42%) e Rio Grande do Sul (18,64%). No caso de São Paulo, que tem o menor índice, são 72.994 salas de aula.
Por outro lado, existem outras possibilidades para garantir a climatização dos ambientes escolares além da instalação de aparelhos de refrigeração, que envolve custos de instalação e manutenção e o aumento do consumo de energia.
Para especialistas em matéria da Agência Pública, a climatização envolve todo o projeto arquitetônico dos prédios escolares. A instalação de janelas amplas e medidas que garantem o sombreamento dos edifícios, como o plantio de árvores e colocação de brises, por exemplo, são alternativas para adequar a estrutura das escolas.
Outro ponto levantado pelos especialistas é que o desenho dos edifícios escolares e a escolha dos materiais deveriam levar em conta as características do bioma.
Também existem exemplos de escolas públicas que investem em infraestruturas sustentáveis, providenciando o conforto térmico dentro do prédio escolar. As histórias de duas escolas são contadas nesta matéria do Porvir.
A instalação de placas fotovoltocaicas, teto formado por plantas e vegetações, que mantém o ambiente mais fresco, foram algumas das adaptações implementadas em escola de Mogi das Cruzes, em São Paulo. Já em escola do Rio de Janeiro, uma das adaptações foi a instalação de telhados que diminuem o calor e os custos de refrigeração.
Mesmo com a climatização do ambiente escolar, outras ações são importantes para diminuir o desconforto térmico e preservar a saúde de estudantes, professores e funcionários. Em situações de calor extremo, uma das principais recomendações é a hidratação constante.
1,2 milhão de estudantes estão matriculados em 7,5 escolas públicas sem o fornecimento de água potável para consumo. É o que aponta estudo do Instituto de Água e Saneamento e do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), a partir de dados do Censo Escolar 2023.
O estudo mostra também que a cor/raça é um fator de desigualdade no acesso a serviços de saneamento básico em escolas. Das 19,4 milhões de matrículas de estudantes negros na educação básica, 4% (780 mil) estão em escolas sem água potável para consumo. Do total de matrículas de estudantes brancos (15,2 milhões), esse percentual é de 1,2% (181 mil).
Para especialistas, a partir de 38º graus, além do comprometimento da capacidade de aprendizagem dos estudantes, ocorre a diminuição do raciocínio e memorização dos conteúdos, noticiou reportagem do Jornal Nacional.
No calor extremo, aliviar o desconforto passa a ser foco do cérebro, o que retira a energia da concentração e do raciocínio, comprometendo o ensino e aprendizagem na sala de aula, segundo especialista consultada em reportagem do Repórter Brasil.
Por sua vez, os professores precisam planejar a metodologia de acordo com o ambiente e se manter nas tarefas planejadas enquanto lidam com o desconforto térmico, destaca o texto. A matéria faz parte de série de reportagens sobre os impactos do calor extremo no aprendizado.
Relatório do Banco Mundial destaca que a perda na aprendizagem dos estudantes tem como causas o fechamento de escolas e as altas temperaturas, que também afetam a saúde mental de professores e estudantes. A organização estima que, com a exposição às altas temperaturas, a perda de 1% de aprendizagem para os estudantes que estão nos 10% municípios mais quentes no Brasil.
Eventos meteorológicos extremos também chamam atenção para a relação das crianças com a natureza e para a presença da educação ambiental e discussões sobre emergência climática nas escolas.
Segundo matéria do Lunetas, a relação das crianças com a natureza não pode se dar apenas a partir de eventos climáticos extremos, sendo a casa e escola ambientes para promoção do contato genuíno com a natureza.
Estudo do MapBiomas e Instituto Alana, que analisou a amostra de 20.635 escolas de educação infantil e ensino fundamental, mostra que 37,4% das escolas não possuem área verde no lote. Entre as instituições de educação infantil, esse percentual é de 43,5%.
O mesmo estudo aponta que 64% das escolas nas capitais estão localizadas em “ilhas de calor”, territórios em que a temperatura é pelo menos 1º C maior do que a média da região.
Em 2024, foi sancionada a Lei nº 6.230/2023, que atualiza a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n.º 9795), instituída em 1999, prevendo a inclusão de temas relacionados à mudanças do clima, à proteção da biodiversidade e aos riscos e emergências socioambientais nos planos e projetos pedagógicos na educação básica e superior. Em 2012, o CNE (Conselho Nacional de Educação) aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental.
Em fevereiro de 2025, foi assinado o Decreto Nº 12.391 que institui o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens, política que busca mitigar os impactos de situações de emergência e calamidade pública, causados por eventos climáticos extremos, por exemplo, na oferta da educação básica. A ação prevê apoio técnico e financeiro do MEC para implementação de ações que visem à melhoria dos índices de aprendizagem.
Este artigo publicado no Nexo reflete que as escolas agora existem como espaço de referência e vínculo afetivo em meio a eventos climáticos extremos, mas que ainda seguem distantes das discussões das agendas climáticas globais e nacionais.
Na Amazônia, além de potencial de contribuição com a ação climática com justiça social e equidade, a escola também pode ser o principal espaço de discussão e acesso a conhecimentos e formação de lideranças na juventude, argumentam os autores.
Reportagem publicada no InfoAmazonia reforça que, entre os anos de 1991 e 2024, 1.578 escolas na Amazônia foram completamente destruídas por eventos climáticos extremos, que incluem alagamentos, chuvas intensas e inundações. Ao todo, 7.853 instituições sofreram danos.
Pontos de atenção p/ cobertura:
O impacto da crise climática na educação foi tema de três mesas de discussão no 8º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação. Os debates abordaram a perspectiva da nova geração sobre aquecimento global, os efeitos das mudanças climáticas no cotidiano escolar e a cobertura de educação de eventos climáticos extremos.
Outras reportagens do 6º Edital de Jornalismo de Educação também abordaram esta temática: “Evasão escolar pós-enchente” (Zero Hora - RS), “Impactos da seca na educação em Boa Vista do Ramos, no Amazonas” (A Crítica - AM), “A vida escolar dos deslocados climáticos no Sul” (Projeto Colabora) e "Cortes e enchente submetem escola pública à luta por ensino e sobrevivência” (Matinal Jornalismo).
Material sobre o tema produzido pela Jeduca em 2024.
Nota técnica: “O impacto das mudanças climáticas na educação: iniciando um debate”, produzida pela D³e e Todos Pela Educação.
Tem mais sugestões e indicações sobre este tema? Escreva para contato@jeduca.org.br.