(Com apuração de Isabella Siqueira)
Uma das atribuições dos municípios no campo da educação é ofertar o ensino fundamental, por isso na cobertura das campanhas eleitorais de 2024, é importante acompanhar como o tema aparecerá nos programas de governos e propostas dos candidatos.
No webinário Desafios dos anos iniciais do ensino fundamental, promovido pela Jeduca no dia 17 de julho, Cleuza Repulho (FGV-RJ), Mônica Dias Pinto (Unicef) e Vinicius de Oliveira (Porvir) debateram sobre alguns pontos relevantes para as políticas educacionais desta etapa e que podem se desdobrar em pautas. A mediação foi de Marta Avancini, editora pública da Jeduca.
Em sua apresentação, Cleuza chamou a atenção para o fato de que ainda há direitos não assegurados, como o acesso ao ensino fundamental. “A gente tem a impressão que o fundamental está resolvido, mas não é verdade”, afirma a consultora, lembrando que em muitas localidades não é cumprida a lei, que estabelece a matrícula obrigatória dos 4 aos 17 anos.
“Há prefeitos que não conhecem essa legislação e imaginam que o ensino obrigatório é a partir dos 7 anos. E mesmo em grandes cidades, há crianças de 4 e 5 anos fora da escola e outras que começam o fundamental depois dos 6 anos. Em cidades grandes, isso geralmente acontece por falta de transporte”, relata ela.
Outro fator que pode dificultar ou impedir o acesso à escola, levando ao abandono e à evasão é a falta de articulação entre as políticas educacionais com as áreas da saúde e assistência, destacou Mônica Dias Pinto, oficial de Educação do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
Segundo ela, há 156 mil crianças de 6 a 10 anos (faixa etária dos anos iniciais do fundamental) fora da escola no Brasil, segundo dados do programa Busca Ativa Escolar, mantido pelo Unicef e Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação).
“Muitas vezes, as crianças estão infrequentes porque faltam políticas de saúde e assistência de apoio às famílias”, analisa Mônica, referindo-se, por exemplo, a situações de violência, questões graves de saúde na família, extrema pobreza, entre outras. “Os jornalistas podem verificar se os programas dos candidatos incluem a busca ativa”, sugere.
Financiamento e recursos disponíveis
Além da garantia do direito das crianças à educação, outro ponto de atenção à cobertura é o financiamento. “É preciso ficar atento se o gestor conhece como funciona o financiamento da educação”, alerta Cleuza. “Existem linhas de financiamento para todos os municípios do Brasil. Não é só o município rico que tem dinheiro. Municípios pobres e prioritários têm direito a receber recursos que podem ser direcionados para o ensino fundamental”, complementa Cleuza, referindo-se ao Compromisso Nacional Criança Alfabetizada e ao Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação).
No Fundeb, por exemplo, além do VAAF (Valor Aluno Ano), pago por estudante matriculado, há também o VAAT (Valor Aluno Ano Total), complementação destinada a redes que não alcançam o valor mínimo por aluno, e o VAAR (Valor Aluno Ano Resultado), que dá mais recursos para redes que melhoram os indicadores de matrícula e aprendizagem, com redução de desigualdades.
Nesse sentido, Mônica chamou a atenção para o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, que conta com R$ 1 bilhão para serem usados para assegurar a alfabetização das crianças até o final do 2º ano do ensino fundamental. O dinheiro está disponível para formação de professores, criação de cantinhos de leitura nas salas de aula, materiais pedagógicos, avaliações, entre outras ações. Quem está na cobertura pode, então, monitorar se esse recurso está chegando ao município e como está sendo usado.
Ainda em relação ao Compromisso, Mônica chamou a atenção para a portaria 506/2024 do MEC (Ministério da Educação), que prevê ações complementares para assegurar a alfabetização na idade certa de crianças com deficiência, indígenas, quilombolas e que vivem no campo.
Outro ponto de atenção, para a oficial do Unicef, é o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens para apoiar os estudantes em defasagem por causa dos efeitos da pandemia de covid-19. “É importante acompanhar se os municípios e estados vão aderir”, alerta Mônica, acrescentando que o pacto também se aplica para situações de emergência climática, como as secas na região Norte e os recentes alagamentos no Rio Grande do Sul.
O papel do jornalismo
Num cenário em que os municípios são os responsáveis pela implementação de muitas políticas educacionais, o jornalista Vinícius de Oliveira, editor do site Porvir, chamou a atenção para a distância que muitas vezes existe entre o desenho das políticas públicas e o que é compreendido pelos diretores e educadores.
“O nosso trabalho funciona como uma tradução das políticas públicas”, analisa ele. “De maneira geral, as coberturas jornalísticas reagem aos problemas e se mostram pouco propositivas. Mas é possível destacar exemplos de escolas que reagem, acolhem e ensinam de uma maneira diferente”, continua o jornalista, referindo-se à cobertura de temas como os efeitos da pandemia e da crise climática na educação.
Para ele, nesses casos, fica evidente a reconfiguração do papel da escola, e o jornalista precisa estar preparado para tratar desses temas em reportagens. Nesse sentido, Oliveira chama a atenção para a importância de estar atento às especificidades locais. “Não é possível usar a mesma régua para todas as coberturas, para todas as localidades, porque os contextos são muito diferenciados”, concluiu.
Assista ao webinário completo:
Este foi o terceiro webinário da série A cobertura de educação nas eleições 2024 (leia aqui). O primeiro webinário da série abordou o uso da educação em conteúdos de desinformação nas campanhas eleitorais (saiba mais aqui), e o segundo o acesso à educação de qualidade e o desenvolvimento infantil. Os eventos fazem parte da série de webiinários A cobertura de edcuação nas eleições 2024 (acesse aqui).
Confira, a seguir, dados e sugestões de fontes de informação para
a cobertura sobre ensino fundamental nas campanhas eleitorais
Raio-x dos anos iniciais do ensino fundamental nos municípios
Infraestrutura |
Escolas públicas (%) |
Escolas municipais (%) |
Água filtrada |
94 |
93 |
Água inexistente |
3 |
3 |
Sem energia elétrica |
3 |
3 |
Esgoto inexistente |
6 |
7 |
Alimentação |
100 |
100 |
Biblioteca |
34 |
27 |
Dependências com acessibilidade |
65 |
64 |
Laboratório de informática |
34 |
25 |
Sala de leitura |
26 |
24 |
Fonte: QEdu
Percentual da população de 6 a 14 anos que frequenta
ou já concluiu o ensino fundamental -
Brasil, grandes regiões e unidades da federação - 2023
Brasil/regiões/UFs |
2023 (%) |
Variação |
Brasil |
95,7 |
-1,0 |
Norte |
95,7 |
0,0 |
Rondônia |
94,7 |
-1,7 |
Acre |
94,0 |
-1,8 |
Amazonas |
96,2 |
0,0 |
Roraima |
92,0 |
- 4,5 |
Pará |
96,3 |
0,7 |
Amapá |
94,6 |
-1,5 |
Tocantins |
95,1 |
0,7 |
Nordeste |
95,5 |
-0,6 |
Maranhão |
95,7 |
0,8 |
Piauí |
97,1 |
0,3 |
Ceará |
96,3 |
-0,7 |
Rio Grande do Norte |
96,2 |
-0,7 |
Paraíba |
95,0 |
-1,2 |
Pernambuco |
95,2 |
-0,4 |
Alagoas |
95,0 |
-1,0 |
Sergipe |
96,4 |
0,6 |
Bahia |
95,8 |
-0,2 |
Sudeste |
95,9 |
-1,3 |
Minas Gerais |
97,3% |
0,3 |
Espírito Santo |
95,8% |
-1,4 |
Rio de Janeiro |
94,2% |
-1,9 |
São Paulo |
95,8% |
-1,9 |
Sul |
95,4% |
-2,3 |
Paraná |
94,3% |
-3,1 |
Santa Catarina |
95,3% |
-3,0 |
Rio Grande do Sul |
96,7% |
-0,9 |
Centro-Oeste |
95,5% |
-1,1 |
Mato Grosso do Sul |
96,7% |
-1,1 |
Mato Grosso |
92,7% |
-3,0 |
Goiás |
95,8% |
-1,1 |
Distrito Federal |
97,4% |
1,3 |
Fonte: 5º Relatório de Monitoramento do Plano Nacional de Educação do Inep.
Aprendizagem
Proficiência média em língua portuguesa
no 2º ano do ensino fundamental -
Saeb 2019 e 2021 - Brasil e grandes regiões
2019 |
2021 |
|
Brasil |
750 |
726 |
Norte |
731 |
712 |
Nordeste |
741 |
718 |
Sudeste |
756 |
731 |
Sul |
762 |
734 |
Centro-Oeste |
750 |
724 |
Fonte: Saeb 2021.
Estudos e publicações
Cenário da exclusão escolar no Brasil - Um alerta sobre os impactos da pandemia de covid-19 na educação, do Unicef e Cenpec. (2021)
Entenda como funciona o Indicador Criança Alfabetizada do MEC, material de orientação da Jeduca
Resultados do Saeb e Ideb 2021 exigem cuidado nas comparações, material de orientação da Jeduca